Não tem como evitar o questionamento sobre a necessidade ou não da existência de versões live action para os clássicos da Disney. Apesar de sabermos que nenhum deles gerou prejuízo aos cofres da empresa, o fato é que poucos são unanimidade de público e crítica. Os motivos são os mais variados possíveis, mas as maiores críticas estão quanto à fidelidade ao material original e as mudanças que visam agradar uma geração acostumada a ter a atenção dos pais até os 40 anos.
Com base no acima exposto, é claro que muitos temiam a chegada de O Rei Leão aos cinemas. Depois da recepção morna de Dumbo e do sucesso estrondoso de Aladdin, o que aguardaria o fã que cresceu com a linda fábula do filho que volta para reclamar aquilo que lhe é de direito? Novos dubladores, uma produção totalmente feita em CGI e a inclusão do politicamente correto seriam ferramentas a favor ou contra esse novo produto da Disney? A emoção seria mantida no mesmo nível ou minimizariam o drama existente na animação de 1994 para não impactar uma juventude acostumada a não ter seus sonhos destruídos e a encarar uma realidade mais cruel?
Todas essas respostas estão ao seu alcance, logo após o trailer…
E antes que eu me esqueça, esse é um review que faz comparações com a animação original, fato que me obriga a lançar alguns SPOILERS. Por isso, caso não tenha visto o desenho animado que completou 25 anos em 2019, recomendo vê-lo antes..
Essa versão respeita a original?
Sim, claro que respeita. Não há como desconstruir uma história tão bela quanto a do Rei Leão e não pagar alto por tal audácia. Apesar disso, um ponto ficou claro para o espectador mais atento: a Disney não se valeu da mesma carga emocional.
E o que isto quer dizer? Simples. A versão original tem uma carga emocional fortíssima, responsável por lágrimas de jovens e adultos durante exatos 25 anos. O live action, por sua vez, tem um impacto emotivo menor. Só para destacar, meus filhos choraram ao assistir a animação, porém isso não aconteceu durante o longa de 2019. Em contrapartida, as cenas de combate e perseguição foram mais impactantes.
Tal como aconteceu com Dumbo (onde a versão original é tristíssima), os produtores optaram por diminuir o sofrimento de Simba e a tragédia que tiraria dele o pai. Isso foi um erro…
Outro diferencial está na maior pertinência das leoas na trama (destaque para Nala), algo que comprova a atenção dos estúdios ao politicamente correto que está em pauta nos dias atuais.
A discussão sobre a decisão de manter Scar junto ao bando, suas atitudes covardes e a união de inimigos naturais (leões e hienas) em prol da tomada de poder são pontos fortes da trama que, inclusive, dá indícios da forma como Scar ganhou a cicatriz que lhe dá o nome.
No mais, o novo Rei Leão é muito fiel ao original (sutis diferenças podem ser vistas ao compararmos com a animação), conta com ótimas canções e é de um realismo assustador.
National Geographic.
Sou obrigado a discordar de muitos críticos que apontam essa nova versão como um documentário da National Geographic. Sim, tem gente alegando isso em suas críticas e, honestamente, não é justo com a obra.
O novo filme conta a história de Simba e sua trajetória dramática ao poder com a ajuda de computação de última geração. Algumas das cenas são realistas a ponto de duvidarmos se não são cenas reais. Seja como for, o fato é que animais não falam, riem ou tecem planos. O realismo é fruto de um trabalho extenuante por parte dos animadores e da equipe de CGI que se inspiraram – claro – na animação de 1994 e optaram por trazê-la de volta como um “filme” onde os atores seriam animais “reais”. E é essa a sensação que temos.
Logo, afirmar que a nova versão é ruim por ser realista é de uma injustiça que beira a crueldade.
O vilão.
Scar está de volta e com a mesma maldade que vimos há 25 anos. Apesar de não ter a juba negra (algo inexistente entre leões reais), ele se mostra como um usurpador mal sucedido, covarde e ardiloso. Novamente ao se unir às hienas ele mostra o quanto está disposto a pagar para que alcance a realeza.
A cena do desfiladeiro, a parte onde canta “Se preparem” e o combate com Simba são ótimos, ainda que o pouco tempo de tela dedicado ao drama do resgate e da perda envolvendo Simba tenham prejudicado a dramaticidade que tal cena exigia.
Scar é dublado na versão brasileira por Rodrigo Miallaret e recebe a voz de Chiwetel Ejiofor na versão original.
Mas um vilão não é tão maléfico quanto gostaríamos sem aliados tão perversos quanto ele. Assim, novamente somos apresentados às hienas que vivem famintas e nutrem um ódio natural pelos leões. Para os que não se lembram, há na versão de 1994 uma cena onde elas desfilam para Scar, tal como a SS desfilando para Hitler. Em suma, elas são um exército particular que o vilão dispõe.
Canções.
Os grandes momentos musicais que ficaram nas mentes e corações de gerações ainda estão presentes. Canções como “Ciclo sem fim”, “O que eu quero mais é ser rei”, “Se preparem”, “Esta noite o amor chegou”, “Hakuna Matata” e outras dão o tom ao novo longa-metragem. A trilha sonora conta com o talento do sempre genial Hans Zimmer.
E por falar nisso, que tal curtir um pouco da sempre divertida Hakuna Matata?
Dublagens.
Esse é um ponto mais difícil de ser absorvido pelo espectador mais antigo. O fã que acompanha e já assistiu várias vezes ao primeiro longa de animação – seja com a dublagem original ou a nossa versão – certamente temeu que as novas vozes pudessem soar estranhas. Isso não foi um problema, pois a Disney manteve o nível da dublagem no mais alto patamar. O estranhamento acontece no início, mas em poucos minutos nos habituamos à nova dublagem.
Os dubladores nacionais foram todos mudados. Alguns em função do falecimento (Jorgeh Ramos, Pedro de Saint Germain e Paulo Flores, respectivamente Scar, Timão e Mufasa), outros em função do amadurecimento da voz como é o caso dos dubladores Patrick de Oliveira e Roberta Madruga.
Os dubladores nacionais são: Iza (Nala), Ícaro Silva (Simba), João Acaiabe (Rafiki), Graça Cunha (Sarabi), Robson Nunes (Kamari), João Vitor Mafra (Simba jovem), Carol Roberto (Nala jovem), Saulo Javan (Mufasa), Glauco Marques (Pumba), Ivan Parente (Timão), Rodrigo Miallaret (Scar), Marcelo ‘Salsicha’ Caodaglio (Zazu), Carol Crespo (Shenzi) e Thiago Fagundes (Azizi).
O elenco principal de dubladores da versão original em inglês são: Donald Glover (Simba), Beyoncé Knowles-Carter (Nala), James Earl Jones (Mufasa), Chiwetel Ejiofor (Scar), Seth Rogen (Pumba) e Billy Eichner (Timão).
A direção.
Jon Favreau (Homem de Ferro, Mogli: o menino lobo, Homem-Aranha: Longe de Casa) dirige esse novo live action. Sua experiência com obras cuja inclusão de CGI é notória foi fundamental para que o resultado final fosse muito bom. O roteiro de Jeff Nathanson primou pelo realismo, fato que diminuiu um pouco a dose de humor que vimos na animação original. Contudo, mesmo com um tom mais sério, o longa é cheio de momentos quase idênticos aos originais, humor e cenas memoráveis. A direção de Favreau foi competente e trouxe uma obra quase impecável.
Notas finais.
Assisti a uma obra impecável visualmente. Por se tratar de uma adaptação de outra obra consagrada, não há como evitar comparações e isso prejudicou um pouco o live action, principalmente do ponto de vista da emoção que, honestamente, é muito maior na versão de 1994.
A direção e o roteiro serviram para que víssemos um filme primoroso, capaz de recriar não apenas a ambientação realista, mas também personagens carismáticos e à altura da animação na qual se inspirou. Entretanto, o recuo ao não recriar o drama e a tristeza presentes no desenho animado foram prejudiciais ao resultado final. Mesmo com boas canções, cenas inacreditáveis e um roteiro praticamente idêntico ao de 1994, fica a sensação de que poderia haver mais.