Pela 2ª vez em apenas cinco anos, mais um reboot do Homem-Aranha chega aos cinemas mundiais. Poucas vezes um fato representou tão bem a era atual dos blockbusters hollywoodianos: uma corrida da grande indústria para reunir o que tem de mais estrondoso no universo dos estúdios com a sede dos fãs das adaptações; soma-se, ainda, a vantagem de uma espécie de globalização imediatista que se importa cada vez menos com o “tempo de maturação” de uma franquia. Bom, convenhamos: a expressão já está velha para os tempos atuais. O que importa é que a luta para juntar um dos maiores personagens da Marvel nas HQ´s com seu universo correspondente nos cinemas chegou ao fim com Capitão América: Guerra Civil (Anthony e Joe Russo, de 2016). A Sony libertou o Cabeça de Teia finalmente (junto com seu explícito product placement) para se juntar à grandiosa MCU, estabelecendo a maior interconexão de grandes produções cinematográficas já feita. A boa notícia é que você não vai ao cinema dessa vez esperando apenas uma parte irrelevante de um todo. Homem-Aranha: De Volta ao Lar se sai com um dos melhores filmes desde o início com Sam Raimi e apresenta um Peter Parker que finalmente parece agradar a todos.
Após participar da intensa luta (ou briga de colégio) ao lado dos Vingadores nos acontecimentos do último longa do Capitão, Peter Parker (Tom Holland) ganha a esperança de fazer parte do icônico grupo de heróis ao ser apadrinhado por Tony Stark (Robert Downey Jr.). Mas, diferente do que ele esperava a princípio, sua investida como candidato ao primeiro escalão acaba se mostrando uma escalada progressiva, onde, primeiro, terá de se contentar em resolver pequenos crimes e situações locais de sua região enquanto almeja realizar seu verdadeiro potencial. Ao descobrir uma rede, chefiada pelo Abutre (Michael Keaton), que está contrabandeando armas feitas com material alienígena da batalha de Nova York, Peter Parker vê a chance de não ficar restrito ao seu universo highschool e finalmente se tornar o Homem-Aranha que o mundo precisa.
A ótica do crescimento de Parker como herói e sua união com os conflitos de um adolescente típico de sua idade (16 anos) é a base que compõe este novo início da franquia. Ao estabelecer o arco do protagonista em torno de sua vida social, sem a necessidade de mostrar sua origem pela 3ª vez em 15 anos, o longa ganha tempo para desenvolver um Peter Parker que alcance a nossa simpatia. Ao invés de passarmos grande parte do tempo com um personagem carregado por conflitos que todos já viram antes (a picada da aranha e a morte do tio Ben), dessa vez o roteiro, escrito pelo diretor e mais outras quatro mãos, nos apresenta a um típico jovem de sua idade, com sua conflitante e, como é de se esperar, insegura visão de mundo. E aqui vale ressaltar o acerto de não fazer com que as motivações do personagem dependam da velha fórmula do nerd apaixonado pela garota popular da história e vítima do bullying de jogadores de futebol americano. A atração é pela garota que jamais é retratada como uma cheerleader (a Liz de Laura Harrier) e não há nenhum traço aparente do maniqueísmo brutamontes vs garotos inteligentes, apenas um ambiente que vai na contramão e se aproxima mais da realidade. Este Peter Parker não precisa ter uma vida deliberadamente sofrida na escola, basta ser um jovem que não sabe muito bem como se aproximar de uma garota e que ainda não foi obrigado a enfrentar grandes desafios como Homem-Aranha. Para um herói de 16 anos que cresceu num mundo onde há os Vingadores e invasões alienígenas, basta sua insegurança inerente para que possamos entendê-lo como personagem.
Grande parte do acerto no tom do filme se deve à maneira correta com a qual o protagonista é retratado. Com ecos do icônico cineasta John Hughes, a adolescência aqui ganha um ar divertido sem perder a sensibilidade que lembra as obras oitentistas do cineasta – e isso sem deixar de se conectar com a atualidade na plateia, como diz certo personagem em um momento: “você não é o homem-aranha do Youtube?”. Não escondendo a intenção de homenagem, o diretor Jon Watts faz questão de embalar, por exemplo, o momento em que o garoto se prepara para o famoso baile da escola com uma trilha de canções de inconfundível marca dos anos 80. Em outro instante, escancara logo a referência direta e divertida ao clássico Curtindo a Vida Adoidado (1985), durante uma sequência de perseguição. O humor, que costuma ser alvo de críticas no MCU por seu eventual exagero, é outro elemento que funciona bem. As gags situacionais são eficientes e o alívio cômico de Ned (Jacob Batalon) não soa fora de hora e é um reflexo do bom humor aliado à inocência da idade.
Claro que tudo isso dá muito certo porque o herói ganhou uma excelente caracterização de Tom Holland. O ator, além de exibir jovialidade e agilidade, se encaixa perfeitamente com o que pede a história: um adolescente que apresenta características normais de sua idade, como dificuldade de se aproximar totalmente de seu interesse amoroso de escola e uma curiosidade que comumente flerta com a inexperiência de vida. Mas, o mais importante é que Holland nos faz acreditar no arco de Peter Parker e sua transição obrigatória entre um garoto e um homem que se vê genuinamente assustado com a dimensão das ameaças que não tinha ideia de como enfrentar (como se vê numa ótima sequência específica no 3º ato).
Falando em ameaça, mais um vilão do universo Marvel é posto à prova neste novo filme. Apesar de oscilar entre erros e acertos, o Abutre de Michael Keaton tem suas qualidades. Ao contrário do costuma ocorrer no universo compartilhado, dessa vez não há aquele super-vilão que deseja destruir ou dominar o mundo inteiro por motivações muitas vezes duvidosas. Partindo de um conflito de fácil identificação e uma motivação de um caráter não muito grandiloquente (em termos de MCU), a razão de existir do antagonista acaba funcionando pela simplicidade. O fato do Abutre ser uma ameaça que tem pretensões bem menores é um elemento que auxilia diretamente no processo de desenvolvimento do protagonista, cujo o arco se baseia justamente na transição de um vigilante das redondezas para um verdadeiro SUPER herói. Certamente não nos lembraremos do vilão como um personagem icônico (parte dos erros acaba sendo a falta de tempo para que nos conectemos mais com ele), mas ele certamente funciona dentro do propósito do roteiro – contando, ainda, com uma reviravolta interessante no final do 2º ato.
Por fim, estamos falando de um blockbusters de ação. Nesse quesito, não se pode esperar algo muito diferente do que já vimos antes. Não que Jon Watts tenha feito um trabalho ruim, mas ele é apenas correto e não consegue se diferenciar muito na inventividade se comparado aos inúmeros blockbusters de super-herói que essa geração já viu e, principalmente, à superioridade de Sam Raimi no aspecto visual em sua trilogia original. Watts e seu diretor de fotografia Salvatore Tortino conseguem dirigir a maioria das cenas de ação sem que elas pareçam desconjuntadas, apesar de, em um ou outro momento, o filme apelar para uma montagem um pouco mais caótica que acaba prejudicando a percepção da ação. Provavelmente você não irá sair da sessão com uma sequência memorável na cabeça (fora que muitas delas foram escancaradas nos trailers), mas isso não impede que o filme cumpra sua função de entreter.
Homem-Aranha: De Volta ao Lar é um ótimo retorno do herói para os cinemas e entra no rol dos acertos da MCU. Apesar de não ser memorável, pode-se colocar entre os melhores exemplares do herói. É um filme divertido e parece ter atendido às aspirações dos fãs quanto ao espírito do personagem nos quadrinhos. No fim das contas, é uma boa história de super-herói, que não peca pelo exagero e não depende de personagens de outros filmes para funcionar; e aqui é bom salientar que a presença pontual do Homem de Ferro é orgânica e, apesar de fazer parte das motivações do protagonista, jamais toma para si o núcleo da aventura (há outras participações hilárias de um outro Vingador que acabam construindo a melhor piada do longa).
O Aranha está de volta e, apesar do universo de heróis no cinema já ter dado vários sinais de saturação para alguns (me incluo nessa), é inegável que ele representa a parte boa de tudo isso. Ao contrário do que costuma acontecer, na 3ª vez deu bastante certo.
Trailer
Nota: 8/10
Título Original: Spider-Man: Homecoming
Data de lançamento: 6 de julho de 2017 (2h 13min)
Direção: Jon Watts
Elenco: Tom Holland, Michael Keaton, Marisa Tomei, Jacob Batalon, Laura Harrier, Zendaya, Donald Glover, Robert Downey Jr, Jon Favreau, Martin Starr.
Sinopse: Depois de atuar ao lado dos Vingadores, chegou a hora do pequeno Peter Parker (Tom Holland) voltar para casa e para a sua vida, já não mais tão normal. Lutando diariamente contra pequenos crimes nas redondezas, ele pensa ter encontrado a missão de sua vida quando o terrível vilão Abutre (Michael Keaton) surge amedrontando a cidade. O problema é que a tarefa não será tão fácil como ele imaginava.