Chico César e Zeca Baleiro – Ao Arrepio da Lei no Araújo Vianna
O ano de 1991 marcou o início da amizade de dois grandes artistas brasileiros. Chico César, paraibano de Catolé do Rocha, e Zeca Baleiro, maranhense de Arari, fizeram o caminho lógico de todo nordestino com arte na alma, seguir o caminho pro sul maravilha. Conheceram-se em São Paulo e de lá surgiu uma duradoura amizade, chegaram a dividir casa, música e poesia. No meio do furacão da pandemia, a dupla resolveu compor juntos e, nesse ano de 2024, juntaram as canções no disco Ao Arrepio da Lei, o primeiro dos dois em conjunto. Misturando sertanejo, calor e cidade grande, com muito reggae, baião, soul, rock e romantismo, o álbum foi o estopim para a dupla se unir e fazer shows pelo Brasil afora. Com data remarcada de maio para dezembro, devido à enchente, Chico e Zeca tocaram o espetáculo Ao Arrepio da Lei, mesclando o trabalho atual com seus grandes sucessos, no Araújo Vianna, sexta-feira em Porto Alegre, e eu conto logo abaixo como foi esse encontro das duas feras no palco sagrado aterrissado na Redenção.
Um ótimo público se fez presente na agradável noite de sexta-feira portoalegrense. Com um perfil diferente da noite anterior, em que TNT tocou, um pessoal mais contemplativo, mas não menos animado, sentava e ocupava as cadeiras do Araújo, ávidos por boa música. Com pouco atraso e anunciado por uma voz que citava quem era quem no espetáculo, a banda sobe ao palco para logo depois a dupla entrar junta e dar um abraço caloroso. Chico com uma roupa ao seu estilo e uma cartola (ele explicou que vestiram suas melhores roupas para o show) e Zeca Baleiro com seu tradicional boné, usando óculos escuros, abriram o show com uma do Chico, Beradeiro Divino. Uma banda de altíssima qualidade acompanhava a dupla, o baixista e produtor Swami, a lenda da guitarra Alexandre Fontanetti, o talentoso baterista Jota Erre, a percussionista Layla e Aline Falcão nos teclados. Seguem o show com uma do novo disco, a ótima Ao Arrepio da Lei. Mesclando sucessos de cada um deles, chegou a vez de tocarem uma do Zeca, a canção Bandeira, um dos seus hits de 1997. O show segue com uma de 2015 do Chico, a bela Estado de Poesia.
O barato do show é que a dupla intercalou os vocais, rearranjou algumas músicas e ficou uma delícia ouvir a voz suave de Chico com o vozeirão de Zeca casando em grandes duos. Logo depois atacam de Lovers, reggae pegado de 2021, quando surgiu o protótipo da parceria. Mocó, do último disco, é uma daquelas canções que a poesia rica da dupla se faz presente. O mesmo com a romântica e singela Narcisos, mais uma pérola do disco. A próxima é uma soul music de primeira, em que Zeca Baleiro homenageia os gênios do estilo no Brasil, Cassiano, Tim Maia e Hyldon, a divertida Verão, quando Chico, um contador de histórias, conta suas experiências em praias naturistas.
Segue o baile com Babylon, de Zeca Baleiro, e Pedrada, de Chico César, uma verdadeira pancada nos golpistas e fascistas, com direito, ao final do número, à plateia de pé gritar: “sem anistia a quem ousa detonar nossa democracia”. Depois de tamanho calor da plateia, eles baixam a bola com Respira, mais uma do novo disco.
A banda então sai de cena e só ficam os dois no palco. Em um momento dos mais bonitos do show, cada um conta a história do outro. Chico conta como foi que conheceu Zeca, há mais de 30 anos, e os dois só no violão e voz cantam Flor da Pele, um dos primeiros sucessos de Zeca, com aquela famosa inserção de Vapor Barato, em um dos momentos sublimes da noite. Zeca retribui contando uma história divertida do Chico e juntos cantam aquela que é uma das mais lindas músicas do cancioneiro nacional, À Primeira Vista. Depois desse momento de intimismo, a banda retorna e os dois fazem um medley com arranjos sofisticados, modificados e mais dançantes de grandes sucessos de ambos como: Da Taça, Lenha, Proibida pra Mim e Onde Estará meu Amor.
Seguem a festa, sim muita gente já estava de pé pelas laterais do Araújo dançando, Chico e Zeca atacam de Deus me Proteja de Mim, aquela do brilhante verso: “Deus me proteja de mim e da maldade de gente boa”. A pegada segue com outro sucesso de Zeca, Heavy Metal do Senhor, mostrando que a banda deles tem mais pegada rocker que muito rockeiro de 40 anos atrás. Telegrama, outra pedrada de Zeca, segue o show com mais um belo dueto de vozes de ambos. E Chico César, quase sem parar, em seguida, faz o Araújo vibrar com Mama África, seu maior sucesso, fechando o show com todos de pé cantando com a dupla nordestina. Claro que ainda não era o fim e ambos atacam de Aglomerar, canção feita na pandemia, com esse termo que era o desejo de todos naqueles dias tenebrosos e o espetáculo aí sim termina com o petardo Pedra de Responsa, do Chico César, com direito à declaração do cantor de que o Rio Grande do Sul é muito preto sim.
Ao Arrepio da Lei, dentre os mais de 30 shows que acompanhei no Araújo, com certeza está entre os melhores do ano. Chico e Zeca nos passam uma sintonia incrível, regada à poesia, altíssimo musical e muito talento, duas mentes brilhantes, com duas vozes que se casam perfeitamente, em um show impecável em todos os sentidos, repertório, som, banda e muita interação com sua plateia que aproveitou cada momento para saborear o tão esperado show, que veio com seis meses de atraso, mas ficará marcado para sempre em quem assistiu. Um caso de dois artistas consagrados que continuam produzindo material de qualidade, sabendo intercalar sua vasta obra de sucessos com as excelentes novidades do disco novo. Um show para contemplar, cantar, dançar, rir, ouvir e se divertir, e é claro, apreciar música de primeira.