Cemitério Maldito (2019) – A morte não é o pior de nossa jornada…

Publicado em 1983, O Cemitério (Pet Sematary) é uma das obras de Stephen King onde o terror da trama não poupa ninguém. Contrariando obras que dão menos destaques às crianças, inclusive no que diz respeito à preservação da saúde e da vida destas, aqui nada está a salvo, pois o mal não tem piedade.

Cemitério Maldito é o segundo longa-metragem baseado no livro de King. A primeira versão data de 1989 e não teve o impacto visual ou o terror condizentes com a obra original, mas ainda assim é um filme amado pelos fãs do autor. E afinal, o que levou os produtores a lançar esse remake, principalmente no mesmo ano de It – Capítulo 2? Simples… essa história ainda marca o espectador (ou leitor) por ter elementos que atingem nosso âmago: o medo de perder familiares, a mudança de caráter de pessoas que amamos e a incógnita sobre o que resta no pós-morte.

Antes de prosseguirmos, vamos ao trailer. E antes que eu me esqueça: apesar de ser uma obra que já foi adaptada para o cinema e cujo conteúdo muitos conheçam, há SPOILERS neste review.

Às vezes a morte é melhor.

A frase acima é justificada nesse filme. Tal qual a obra original, Cemitério Maldito leva o espectador a refletir sobre a necessidade da morte na existência das pessoas. A terrível realidade de encarar a perda de um ente querido faz parte do desenvolvimento do caráter e da personalidade de um ser humano, mas a verdade é que sempre buscamos prolongar a vida dos que amamos. A literatura e o cinema mostram que esse é um sonho da humanidade – aumentar a longevidade -, assim como também sonhamos em ter pessoas que já morreram de volta ao nosso convívio. Mórbido? Talvez. Realista? Com certeza.

Lidar com perdas é algo sempre devastador, não importa o quão “preparado” a pessoa pense que está.

Pet Sematary é uma versão moderna de Frankenstein, o clássico da literatura escrito por Mary Shelley. Na obra de Shelley, um médico cria um corpo a partir de partes de outros corpos e dá vida a essa criatura. Tal como em Frankenstein, o retorno à vida cobra um alto preço e mostra que há limites aos quais a humanidade jamais deverá passar.

O longa mostra a nova vida do doutor Louis Creed (Jason Clarke) que saiu de Boston com a família para se afastar da vida agitada das emergências e dos plantões hospitalares. Louis é casado com Rachel (Amy Seimetz) e tem dois filhos, o pequeno Gage Creed (interpretado pelos gêmeos Hugo e Lucas Lavoie) e a jovem Ellie (Jeté Laurence). Essa mudança de ares tinha tudo para ser um verdadeiro recomeço, porém o lugar onde eles agora moram tem muito mais história do que gostariam.

As descobertas sobre a grande propriedade recém adquirida começam através do vizinho da família, o senhor Jud Crandall (John Lithgow). Ele mostra à pequena Ellie que o cemitério de animais anexo à propriedade é muito mais do que um local para o descanso dos animais de estimação. Na verdade, o cemitério em si não é o lugar realmente sombrio da propriedade, fato que descobriremos ao longo do filme.

Dilemas.

Por ser um remake e também por ter como base o livro de sucesso de Stephen King, a trama de Cemitério Maldito é bem conhecida. Esta afirmativa não é impedimento para que possamos tecer algumas reflexões a partir do filme. Entre elas, uma das mais pertinentes observações está no real significado do cemitério. Lá não é apenas um local para levar o falecido animalzinho de estimação, já que há uma maldição ancestral nos arredores deste cemitério. Essa maldição é uma parábola sobre o desejo perene dos humanos em trazer seus entes queridos à vida novamente. O termo maldição aqui se aplica com propriedade pois o retorno do corpo do morto não implica em termos a pessoa que partiu de volta. Seja por quebrar as leis naturais ou por desafiar os desígnios de Deus, a verdade é que todo e qualquer ser que seja enterrado nessa terra amaldiçoada retornará, ainda que com sua índole totalmente modificada… para pior.

Diante desse quadro sinistro, o doutor Louis e seu vizinho Jud tomam uma decisão que fomentará o caos: trazer o gato da família de volta à vida. As intenções são ótimas, sempre voltadas a trazer alegria à menina Ellie, porém os resultados se mostram, gradualmente, terríveis.

Descaso?

Um dos pontos mais assustadores da história, além da ressuscitação de animais e pessoas, é a presença de uma estrada onde caminhões passam em altíssima velocidade. Para piorar, o acesso de pessoas e crianças é simples, já que não há uma cerca ou algo similar para impedir que os incautos sejam massacrados por um veículo. O que causa desconforto ao público (e vi essa reação em muitos) é ver uma família com duas crianças não tomar qualquer atitude quanto a esse fato. Apesar de estar na trama original e (óbvio) no roteiro, considero essa parte desconexa com o resto da trama que se mostrou eficiente e muito coerente, inclusive nas partes sobrenaturais.

A irmã de Rachel.

Outro ponto alto de Cemitério Maldito é a presença de uma história, de um passado, para Rachel Creed. A esposa do doutor Louis é uma mãe feliz, cujo amor pelo marido é inquestionável. Entretanto há um ponto sombrio em sua vida passada que assusta tanto quanto o retorno dos mortos: a doença de sua irmã e a perda da mesma. São momentos sinistros e assustadores, capazes de incomodar o espectador.

… e isso é muito bom.

Coadjuvante importante.

Victor Pascow (Obssa Ahmed) é um adolescente que recebe socorro por parte do doutor Louis. A partir daí (não vou especificar mais), uma dívida é assumida por Pascow que resolve ajudar a família Creed. Infelizmente nem todos dão ouvidos às palavras de um jovem…

30 anos depois.

A primeira versão de Pet Sematary foi lançada em 1989 e certamente trouxe inspiração para essa nova versão. O que não pode deixar de ser citado é que são filmes distintos, cada um enquadrado em sua época. A versão de 1989 (vista com as nossas experiências modernas de cinema) parece estranha e datada, mas ainda é uma obra pertinente e de boa qualidade. Já a versão de 2019 é mais crua, assustadora e detalhada, fruto de uma direção competente (Kevin Kölsch e Dennis Widmyer). A função de adaptar o livro para o cinema atual ficou com os roteiristas Matt Greenberg e Jeff Buhler.

Ter novamente Cemitério Maldito com todos os recursos que o cinema atual oferece, além de um elenco competente e dedicado comprova que nem todo remake fica abaixo de seu antecessor. Esse é um exemplo claro de versão atualizada e muito boa.

A fé não remove montanhas, ela nos faz escavá-las. Apesar da brincadeira, Cemitério Maldito tem a estranha capacidade de nos obrigar a enxergar um lado pouco visto no ser humano, mas que tem uma capacidade inerente para o bem e para o mal. Quando optamos por quebrar regras seculares – ainda que em nome do amor – quase sempre os resultados são diferentes dos que planejamos. Querer ter novamente por perto quem perdemos é uma clara demonstração de carinho, porém isso só é possível através da saudade e do amor que ficou. A natureza tem seu ciclo e tudo nela um dia morrerá. Tal como Victor Frankenstein, o doutor Louis ou algum indivíduo real que almeje tal façanha, trazer alguém da morte pode ser um erro irreversível e imprevisível. Deixem os mortos repousarem em sua mansão…

 

 

 

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