Caetano Veloso encerra turnê Meu Coco em Porto Alegre, no Auditório Araújo Vianna

Usando e abusando de clichês, como é bom Caetanear. Como já tinha escrito na primeira passagem da turnê Meu Coco em Porto Alegre, em 2022, poucos artistas da música popular brasileira podem usar com autoridade o poder de ser artista, no sentido literal da palavra. Caetano Veloso é um deles, como teria vindo para cá ano passado e adoentado teve que cancelar, restou encerrar a temporada de Meu Como por aqui, com duas noites de ingressos esgotados no Araújo Vianna,  para delírio dos porto-alegrenses  E é claro, o NoSet esteve lá na primeira noite e conta aqui como foi o penúltimo show da já histórica turnê.

Abrindo a temporada de shows do ano no Araújo (ano de verdade, pois todos sabemos que março é o início de tudo), em uma escaldante noite do verão gaúcho, mais de 4 mil pessoas se apinhavam para acompanhar Caetano. Ao contrário das apresentações de 2022, galerias laterais foram vendidas, o que já deu um tom muito mais animado e espontâneo ao show, em contrapartida ao sisudo público das cadeiras do auditório. Por volta das 21 e pouco, como um anjo empunhando um violão, com sua competente banda, surge Caetano. Com seus acordes e jeito de tocar violão característico e belo, sua voz maravilhosa, abriu o show com Avarandado. Caetano é daqueles seres mitológicos que produzem um transe hipnótico, de frente a ele não temos como parar de olhar e venerar a entidade de Santo Amaro da Purificação. Ainda mais sabendo (mas não acreditando) que pode ser que seja a última vez que o veremos em palcos do Sul, pois no alto dos seus quase 82 anos, já disse que pretende parar e curtir sua Bahia em paz. Ou seja, um show para aproveitar todos os instantes, que podem ser históricos.

O show segue o script da turnê, mudando pouco dos três que fez em sequência em Porto Alegre, em abril de 2022. Meu Coco, Anjos Tronchos, segue o baile, mas é com Sampa que conectamos com Caetano, com sua voz única e violão, emociona com o hino não oficial da terra da garoa. Momento emocionante. Muito Romântico, musicaço do disco Muito, de 1978, mostra a visceralidade da banda e a força da voz do artista, que dança, faz aquele jogo de pernas característicos, pula, se entrega e prova que continua um artista incrível. Não Vou Deixar abre pra hoje cult You Don’t Know Me, do álbum Transa. Caetano senta e sussurra no microfone (nítido que sua voz estava um pouco rouca e cansada), conta sobre suas bandas, cita integrantes que fizeram história com ele nos bailes da vida. Segue com a lindíssima Trilhos Urbanos e homenageia uma das suas bandas da fase, digamos, mais odara, com A Outra Banda da Terra.

Resgata hoje clássicos e extremamente cultuados, como Araçá Azul e Cajuína, mas é com Reconvexo que faz o Araújo ir abaixo de alegria. Como falei antes, com a galera das laterais, o clima era de muito mais festa que contemplação, ambiente que fez até Caetano ficar mais solto e fugir do script engessado do pavoroso nome que dão aos shows, principalmente a MPB, de espetáculo. Mantém o clima com Leãozinho, a enebriante Itapuã, que é quebrado com as fracas Pulsar e A Bossa Nova É Foda, aquele momento que a galera vai ao banheiro ou buscar cerveja.

Mas volta ligeiro, com a emocionante homenagem à irmã de coração, Gal Costa, com Baby (com direito à incursão de Diana, sucesso de Paul Anka) e segue com os sucessos Menino do Rio, Sem Samba Não Dá e Lua de São Jorge, brindando a belíssima lua que iluminava a capital do Rio Grande do Sul naquela sexta-feira.

A volta do bis, com violão toca Mansidão, dando um respiro na galera, mas segue com um arranjo poderoso de Odara, fazendo todo mundo soltar o seu lado luminoso e feliz, como pede a canção. Não posso deixar de citar a poderosa banda que acompanha o artista, com o multi-instrumentista Lucas Nunes nos violões, guitarras e o que tiver de corda, Rodrigo tavares nos teclados, Alberto Constantino no discreto contrabaixo e os ótimos Kainã do Jêje e Thiago da Serrinha na percussão. Chega a ser incrível que dois caras façam parecer que estamos com uma bateria de escola de samba na frente, tamanho poder dos seus ataques percussivos. E pra encerrar o baile, dessa vez com o Araújo de pé, a animada Luz de Tieta. Por um momento queria que a música não acabasse tão cedo, pois pode ser que seja a última vez que tenhamos visto Caetano no palco, o que fez aquele momento ter um lugar especial, na retina, memória e no coração, ao presenciar a alegria e versatilidade de Caê brindando a luz de Tieta.

Privilégio. Isso é que melhor define poder ter visto esse penúltimo show da turnê Meu Coco. E o prazer de ver um cara no alto dos seus 82 anos cantando, tocando, pulando e esbanjando vigor e carisma e com aquele sorriso largo cativante, pontuado por suas divinas e maravilhosas canções é algo que jamais esqueceremos. Entendo seu lado, querer parar depois de quase 60 anos prestados à arte mundial é um direito dele, mas como fãs, ficamos quietos na torcida para que ainda nos dê mais uma oportunidade de prestigiá-lo. Resumindo, quem pôde ir e estar entre esses quase 9 mil privilegiados que passaram pelo Araújo entre sexta e sábado passado, podem ter certeza que, até segunda ordem, vimos a história na nossa frente, um ícone, um cara diferenciado e que por momento só posso dizer, obrigado Caetano Veloso.

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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