Cadáver (The Possession of Hannah Grace) é um filme que tem um potencial enorme. Exorcismo, possessão, mortes, necrotério, traumas e um ambiente silencioso e inóspito. Em suma, tudo para realmente impactar o público. Mas (sempre o famigerado “mas”) algo não deu certo. Continuem lendo e digam, no final, se concordam comigo.
Ideias.
Há, como já dito, muitas ideias boas. Filmes sobre exorcismos sempre tocam em um medo ancestral nosso, em um ponto de nossa alma que realmente não se sente cômoda diante do sobrenatural, do profano.
A ideia inicial do filme é mostrar as sequelas de um exorcismo onde as coisas não terminam muito bem. Em uma localidade, dois padres e um pai tentam a todo custo remover um demônio de uma jovem garota. A resistência por parte da entidade é colossal e impressionante. Ao contrário de filmes como o Exorcista, no qual o ser que possui o corpo leva algum tempo para mostrar a magnitude de seus poderes, aqui a garota sofre ao extremo por causa da possessão e da força do ser que a domina. Apesar da fé dos padres e dos apelos desesperados do pai, a entidade tem muito mais poder. Infelizmente, tudo termina muito mal.
Com essa base, fica no ar se é realmente possível parar o espírito maligno que possuiu a garota.
Posteriormente entramos em um novo ambiente onde nos deparamos com a determinada Megan Reed (Shay Mitchell), uma ex-policial que consegue o trabalho de cuidar do necrotério de um hospital de Boston. Esse novo trabalho é algo que a ajuda a “esquecer” um trauma de quando era policial. Com seus conhecimentos como agente de segurança e por já ter trabalhado à noite, o novo emprego é visto por ela como apenas um “novo emprego”.
Claro que qualquer espectador que já tenha visto um filme de terror consegue enxergar o óbvio: necrotério e possessão são os ingredientes para muito medo.
Desenvolvimento da história.
O roteiro de Brian Sieve tem potencial e isso não é aproveitado e desenvolvido por ele. Filmes de terror devem manter o público tenso e precisam assustar (isso é feito com um trilha sonora tensa, boas locações e atuações dirigidas de forma competente). Não há muita coerência no desenrolar da trama e há pontos vagos capazes de provocar incômodo no espectador mais atento.
A localidade principal do filme é o necrotério (moderno ao extremo) que recebe os mortos das áreas de jurisdição do hospital. Receber o corpo, fotografar, coletar digitais, mostras de pele e sangue e, posteriormente, armazenar o corpo é algo comum nesses ambientes. O que me incomodou muito foi o fato de usarem o subterfúgio de lâmpadas que só se acendem com sensores de presença. Vejam, esse recurso serve para manter o ambiente escuro (bem escuro, aliás) e provocar tensão. Na verdade, a tensão até existe, porém ela por si só não sustenta a trama. Enfim, voltando ao ponto focal do parágrafo, as lâmpadas de uma área onde há computadores, arquivos e móveis que precisam ser utilizados e, sem dúvida, enxergados, não podem se apagar e demorar um milhão de anos para acender. O roteiro abusou nesse ponto da paciência do público.
Alguns coadjuvantes (as famosas vítimas que esquecemos) surgem e não cativam por não haver um desenvolvimento de suas presenças. Estão lá só para morrer. Esse recurso já está meio batido, o que não impede que seja usado, desde que de forma correta.
A ligação do primeiro ato com o segundo é brusca. As explicações são simples e não surpreendem. Restou – durante a exibição – a esperança de um desenvolvimento mais honesto e coerente. Mas…
Personagens.
A ex-policial Megan tem uma ligação com a morta Hannah Grace (Kirby Johnson). As motivações de Megan e seu passado são desenvolvidos de forma aceitável, sem que isso explique a teimosia de uma mulher em permanecer só em um lugar onde mortos respiram e pessoas são assassinadas. Já o pai de Hannah, Grainger, interpretado pelo ótimo ator Louis Herthum, é usado apenas como um elemento de ligação entre a morta e Megan, cuja atração está explicada – em parte – por causa de seus perfis psicológicos depressivos e o uso de drogas.
O guarda noturno é outro dos coadjuvantes marcados para morrer.
Já Andrew (Grey Damon) policial que é ex-namorado de Megan tem uma participação vaga e não é primordial ao filme. O mesmo acontece com a amiga Lisa Roberts (Stana Katic) com um pouco mais de pertinência, uma vez que ela é o ponto de ligação entre Megan e o emprego no necrotério.
É triste falar, mas muito do que potencialmente seria bom foi desperdiçado.
Nota final.
Cadáver é apenas entretenimento. Não leva a uma reflexão mais profunda sobre temas como alcoolismo, uso de medicamentos controlados, depressão ou mesmo possessão. Por ser tão raso e com soluções esperadas, porém expostas de forma frágil, o longa fica muito distante de produções como O Exorcista e O Exorcismo de Emily Rose. A direção esteve abaixo do esperado, uma pena para o diretor Diederik Van Rooijen.
Para frisar e dar crédito ao que escrevi no post, vejam como uma simples brincadeira feita no quadro do Silvio Santos pode ser mais impactante do que algumas cenas do filme.