Baseado em Fatos Reais [D’après une Histoire Vraie, 2018] é a volta às telas do diretor Roman Polanski, 84 anos, cinco anos depois de A Pele de Vênus [La Vénus à la fourrure].
O filme é um mergulho no processo criativo da escritora Delphine, interpretada por Emmanuelle Seigner, mulher de Polanski e com quem já trabalhou em outros filmes, como O Último Portal, [The Ninth Gate, 1999]. Delphine é uma escritora francesa, cujo livro sobre as histórias da sua família, em especial da sua mãe, alcançou sucesso internacional.
Já nas primeiras cenas, vemos a escritora como uma mulher cansada, ameaçada por cartas anônimas e atormentada pela sua exposição ao público, à mídia e às redes sociais. É casada com o crítico literário François [Vicent Perez], que tem um conhecido programa de televisão e com quem mantém uma relação distante. O casal mora em casas diferentes e cada um possui sua própria rotina de vida. Os dois filhos de Delphine não vivem em Paris e mantêm pouco contato com a mãe.
Ao final de uma sessão de autógrafo, já esgotada pelo esforço de compartilhar com cada leitor uma parte das memórias que expôs no livro, Delphine é abordada por Elle [Eva Green, de Penny Dreadful, 300 – A ascensão do Império e O Lar das Crianças Peculiares]. A fã, uma ghost writer bela e enigmática, acaba chamando a atenção de Delphine. A aproximação das duas é facilitada pelo isolamento e fragilidade da escritora. Elle acaba por envolver a escritora, que se torna dependente dela, praticamente isolando-a do convívio com as outras pessoas.
É difícil descrever o desenrolar da trama sem dar spoilers. O espectador atento, contudo, verá claros sinais acerca do que efetivamente está acontecendo, desde o início do relacionamento das duas. Estes sinais tornam-se conclusões óbvias, conforme as personagens revelam o seu passado. Esta percepção e a forma da narrativa comprometem o suspense do filme, que passa a se assemelhar mais com um drama.
Baseado em Fatos Reais é rodado em Paris e arredores, o que sempre garante ótimas locações com baixo orçamento. Uma peculiaridade é o ostensivo merchandising de algumas marcas francesas, como a Citroën.
As atuações de Emmanuelle e Eva Green, que dominam a maioria das cenas, são boas, mas não conseguem compensar a previsibilidade do roteiro.
A direção peca por deixar muito claro, desde o início, o que deveria ser revelado apenas ao final. Polanski é um grande cineasta. Fez filmes como O Bebê de Rosemary [1968, que também é um thriller psicológico], Chinatown [1974], Tess – Uma Lição de Vida [1979] e O Pianista [2002]. É detalhista ao extremo. Poderia passar o resto dos seus dias realizando filmes apenas com base na sua biografia. Perdeu quase toda a família em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Sobreviveu nas ruas, como mendigo, esquivando-se de ser assassinado e de morrer de fome, até se reencontrar com o pai depois da guerra. Quando ascendia como um dos maiores diretores de Hollywood, sua então mulher, Sharon Tate, foi brutalmente assassinada pela seita de Charles Manson. Depois, foi acusado e condenado pelo estupro de uma criança de 13 anos, Samantha Geimer, o que lhe valeu alguns dias na prisão e um exílio eterno dos Estados Unidos. Samantha, posteriormente, perdoou-o.
Baseado em Fatos Reais está longe de ser um filme ruim, mas traz o selo e a responsabilidade de ser um filme de Polanski, um cineasta de que quem se espera um passo além da média dos seus pares. Neste filme, contudo, ele fica oculto na multidão.