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Aristocracia e a evolução social – “Downton Abbey”

Aristocracia e a evolução social – “Downton Abbey”
  • Publicado em: agosto 6, 2020

Um dos fatores que mais tornam a Inglaterra e o Reino Unido tão encantador talvez seja o glamour da aristocracia, desde a Rainha até os parentes mais distantes ou aqueles membros tradicionais com títulos.

E o encanta não são exatamente os títulos, mas sim a curiosidade de como aquela vida de “conto de fadas” funciona, como essas pessoas realmente vivem.

A série “Downton Abbey” (2011 – 2015), assinada por Julian Fellowes e com suas 06 temporadas disponíveis no Amazon Prime Video, mata um pouco essa curiosidade.

A família Crawley não é da realeza, mas tem sangue aristocrata. Robert Crawley herdou do pai o título de Conde de Grantham e, com esse, a belíssima Downton Abbey, uma propriedade suntuosa localizada em Yorkshire, ao norte do país.

Algumas preocupações guiam a vida dele, como manter a propriedade, manter o emprego dos muitos empregados (essenciais), casar bem as três filhas, Mary, Edith e Sybil, e encontrar o seu herdeiro. Por ter tido apenas filhas mulheres, seu título deveria ir para o parente homem mais próximo.

A ideia era que a mais velha das filhas, Mary, se casasse com esse parente, mas as coisas não foram muito simples. O primeiro candidato morre no Titanic (o real) e o segundo, Mathew Crawley, não era exatamente alguém que se encaixava nas “regras” da família, especialmente para a Condessa Viúva, Lady Violet (mãe de Robert).

Enquanto o drama nos salões acontecei, lá embaixo os empregados eram responsáveis por manter a ordem, guiados pelo mordomo fiel Carson e pela rígida, mas amável, Hughes. Tinha empregado para tudo, desde acender as lareiras até vestir os patrões e servir as refeições, era um verdadeiro batalhão.

Embora fossem patrões tradicionais, os Crawleys eram muito próximos e compreensíveis com seus empregados, em outros tempos isso poderia até ser chamado de amizade. Mary confiava mais na sua ama, Anna, do que nas irmãs, Robert abria o coração para Bates, o valete, mais do que fazia com qualquer membro da família.

A série sempre mostra as situações de ambos os lados, como a elite e a classe trabalhadora (daquela região) reagia. Primeiro com a tragédia do Titanic, depois com a 1º Guerra Mundial e todas as mudanças políticas ocorridas entre as décadas de 1910 e 1920.

Muitas histórias se desenrolaram sob a vida de luxo deles, boas e ruins: o amor conturbado de Bates e Anna, que enfrentou alguns anos de prisão injusta e intrigas, colocando em dúvida a inocência deles; a rebeldia incompreendida e eterna indecisão de Daisy, a simpática auxiliar de cozinha da Sra. Patmore; as tramas e intrigas de Thomas Barrow; a teimosia e os amores de Mary; o espirito revolucionário de Sybil; a modéstia de Mathew; o escândalo não revelado de Edith; dentre outros.

Tudo isso sempre levava a uma reflexão: será que todo esse modo de vida iria sobreviver aos anos vindouros? Será que Downton Abbey era tão necessária assim? A família Crawley saberia viver de outra forma?

A resposta sempre se mostrava de forma simples, mais fácil do que resumir toda as histórias paralelas ocorridas nos 06 anos de série e no recente filme: eles se adaptariam da forma deles, unindo o que conheciam com a realidade que forem expostos.

Mary precisava casar com Mathew para conseguir herdar a propriedade? Ela teimosa, então não via que tinha se apaixonado por ele, só depois de quase o perder (umas três vezes) foi que colocou o orgulho de lado. Ele não só a aceitou como era, como também ensinou um pouco de modéstia, ajudando como poderia Bates e Anna com os problemas com a justiça.

Edith queria sair das sombras de Mary (elas nunca se deram bem)? Ela tinha que deixar de se sentir vítima e correr atrás do que acreditava. Resumindo bem a história dela, acaba se tornando dona de seu próprio negócio em Londres.

Sybil queria ajudar as pessoas com atitudes reais? Foi estudar para ser enfermeira, ajudar os feridos da 1º Guerra Mundial. Além disso, ela se apaixonou pelo motorista, Tom Branson, um irlandês republicano, exatamente o oposto do que o pai queria. Apesar de algumas tragédias, ela conseguiu unir o republicano com a família mais monarquista possível.

O mais importante é saber encontrar esse equilíbrio. Ao longo da trama é possível notar algo que, acredito eu, seja valioso para os ingleses em si, não tem como cortar da vida deles a aristocracia, é a identidade cultural, faz parte até da vida financeira, mas é necessário agregar e tornar seus membros mais “humanos”.

Essa conclusão vem do fato de repetidas vezes terem colocado a propriedade como fonte de emprego para as pessoas da vila, além da relação comercial criada envolta dela, com terrenos sendo cultivados pelos locais, gerando uma cadeia de emprego e circulação de valores. Downton Abbey era o coração, acabar com ela não era uma opção.

De outro lado, não poderia ser a mesma forma, com as ideias tradicionais de Lady Violet e do endeusamento da elite, como Carson fazia muitas vezes. A nova geração deveria ser mais como Mary, Edith, Sybil e (por causa da 5 temporada) da prima Rose.

Elas eram quatro jovens mulheres totalmente diferentes entre si, mas representavam essa revolução social em vários aspectos, especialmente na liderança feminina.

O elemento visual da série conta muito, a fotografia é impecável, desde as paisagens até os detalhes dos salões das casas. A abertura é uma pequena obra de arte, quase impossível de pular, ela mostra a arrumação feita pelos empregados antes que os patrões acordem. É uma boa síntese para a relação da série e dá para ter noção de como as coisas eram feitas.

Vocês têm noção que Carson, o mordomo, usava uma régua para arrumar a mesa do jantar, porque tudo tinha que estar a distância correta? E, detalhe, era uma exigência dele, não dos patrões!

A moda entra nesse quesito, o luxo de cada vestido e chapéu e como isso é um motivo de julgamento social. Costumes como se trocar para o jantar, por mais simples que seja, ou manter um luto por mais de seis meses foram retratados muito bem.

A evolução também pode ser vista sob esse aspecto, vemos os modelos mudando aos poucos, junto com o corte de cabelo, e, algo pouco visto em séries, a repetição dos vestidos. Tem alguns de Mary que é possível ver em todas as temporadas, em ocasiões diferentes.

Quero dar destaque a duas relações, porque revelam muito do DNA da série.

A primeira é a de Carson com Mary, ele a viu nascer e crescer naquela casa e, embora todo mundo a veja com maus olhos, ele a defende de tudo e de todos, Hughes até tira onda com ele, chamando-a de Sagrada Mary. Essa relação me lembrou muito do primeiro episódio de “Modern Love”, Carson era para Mary como Cuzmin era para Maggie.

A segunda é entre Lady Violet e Isobel, mãe de Mathew. Elas eram exatos opostos, Isobel sempre trabalhou, não tem um batalhão de empregados, sabe como viver na “vida real”, sem privilégios, já Violet é o retrato perfeito da aristocracia. Contudo, elas constroem uma amizade cheia de carinho, disfarçada de indireta, piadinhas e humor ácido.

Tem uma análise feita por mim mesma, com pesquisa feita na minha estranha mente, que tem a ver com outra série que amo, “Peaky Blinders”. Assisti “Downton Abbey” depois de terminar “Peaky Blinders” e me pareceu tão complementar que eu preciso compartilhar a teoria.

A história da família Crawley começa em 1912 e termina quase no fim da década de 1920, já a de Thomas Shelby e cia começa em 1919. Em ambos os casos são mostrados o embate entre classes sociais e os efeitos da das revoluções sociais, mas em distritos diferentes da Inglaterra e com focos diferentes.

Por duas e ou três vezes eu imaginei Tom Branson (o motorista que se tornou genro de Robert Crawley) e Thomas Barrow (o mordomo “de mal”) se aliando aos irmãos Shelby. Se iriam se dar bem em Birningham já é outra história (imagina aí esse Spin-off).

Uma curiosidade é que boa parte das filmagens de “Peaky Blinders” são feitas em Yorkshire.

Mesmo já tendo um final muito bom e, por assim dizer, satisfatório, “Downton Abbey” ganhou uma reunião em 2019, um filme que consegue fechar alguns pontos. Infelizmente, o filme não está disponível no stream.

O elenco é gigante e tem muitas participações especiais, mas tem mais uma semelhança com os blinders, os atores costumam trabalhar entre si fora da série.

Por exemplo, “A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata” reúne Jessica Brown Findlay (Lady Sybil), Matthew Goode (Henry Talbot, segunda marido de Lady Mary), Lily James (Lady Rose) e Penélope Wilton (Isobel Crawley).

Já falei muito de Lily James por aqui (sou fã), já citei Mattheu Goode essa semana (resenha de “Segredos Oficiais”) e falarei de Jessica Brown Findlay próxima semana, então não vou me ater neles.

Lady Violet é vivida pela dama Maggie Smith, que já se tornou um símbolo do cinema internacional. E por que? Além da longa de lista de filmes clássicos dos anos de 1970 até hoje, ela é uma das professoras mais amadas da saga de “Harry Potter”.

A “sagrada” Mary é vivida por Michelle Dockery, que vem se destacando em algumas produções como “Magnatas do Crime” e “Defending Jacob”.

Tom Branson, o republicano entre os monarcas, é interpretado por Allen Leech, conhecido por filmes como “O Jogo da Imitação” e “Bohemian Rhapsody”.

Matthew Crawley foi interpretado por Dan Stevens. Já falei dele na resenha do live-action de “A Bela e a Fera”, porque ele é o Fera, mas na época eu não sabia quem ele era e, ao assistir “Downton Abbey” eu fiquei muito surpresa como ele é versátil.

O personagem mais controverso é, sem dúvida, Thomas Barrow. Ele é arrogante, arma intrigas, passa boa parte da série pensando sendo um óbvio vilão, mas é um dos pontos de discussão. Thomas é assumidamente gay em uma época que ser gay era, literalmente, um crime na Inglaterra e, por isso, e por sua personalidade, ele amarga algumas decepções.

Quem dá vida a ele é Robert James-Collier, que, infelizmente, não aparece em outros grandes títulos.

Algumas participações especiais precisam ser lembradas, como MyAnna Buring como Edna, que tenta seduzir Tom, Charlie Cox (“Casanova”, “Stardust” e a série “Demolidor”), que fez um dos pretendentes de Mary, e Rose Leslie (“Game of Thrones”), que fez Gwen, uma empregada que, com a ajuda de Sybil, se torna secretária.

No filme também podemos ver alguns nomes conhecidos, tais como:

– Geraldine James, vivendo a Rainha Mary, que faz uma visita a Downton Abbey -> ela é conhecida por viver Marilla Cuthbert em “Anne with na E”;

– Imelda Staunton, vivendo a dama de companhia da rainha e prima de Lady Violet -> ela é uma das fadinhas de Aurora em “Malévola” e a professora Dolores na saga “Harry Potter”.

Obs.1: sim, é um presente para os potterheads … aliás, quem me influenciou a assistir a essa série é um potterhead.

Obs.2: Imelda Stauton é casada com Jim Carter, que vive o fiel mordomo Carson na série.

– Kate Phillips, vivendo a Princessa Mary -> ela é o terceiro ponto de semelhança com “Peaky Blinders”, ela é Linda Shelby, esposa de Arthur Shelby.

Como será que os Crawley estariam em pleno 2020?

Deixo a reflexão pairando no ar …

Até mais!

Written By
Nivia Xaxa

Advogada, focada no Direito da Moda (Fashion Law), bailarina amadora (clássico e jazz) e apaixonada por cultura pop. Amo escrever, ainda mais quando se trata de livros, filmes e séries.