Aos teus olhos é um filme singular, corajoso e com temas extremamente difíceis de abordar. Apesar de tantos fatores complicantes, o longa-metragem é uma obra de alto nível, muito bem construída e que prende a atenção do público do início ao fim.
A história (escrita por Lucas Paraizo) nos apresenta ao professor de natação Rubens (Daniel de Oliveira), um cara extremamente dedicado ao serviço, de confiança e querido pelos alunos. Mesmo com tantos predicados, Rubens ainda é apenas um ser humano, uma pessoa sujeita a falhas e comportamentos questionáveis.
Outros elementos são inseridos nessa trama. Três deles são vitais para o início de uma jornada cheia de dor, ódio e medo. Eles são o menino Alex (Luiz Felipe Melo), seu pai (Marco Ricca) e a mãe, interpretada por Stella Rabello. Alex é um menino cujos pais são separados. Ele presencia a perda gradual de amor e respeito entre eles e isso o machuca. O pai do menino é um cara distante, enquanto sua mãe é superprotetora. Sem a devida atenção e diante de uma crise familiar que irá marcá-lo por toda a vida, certamente isso afetará o comportamento do menino e as atitudes de seus amigos diante da introspecção dele.
Preciso lembrar o quanto uma criança pode ser má? Os diferentes se tornam, quase sempre, alvos de bullying e desprezo. E não foi diferente com Alex.
O mau uso das Redes Sociais e a sede de justiça.
O roteiro de Lucas Paraizo e a direção de Carolina Jabor são muito bem entrelaçados. Há momentos em que paira a dúvida sobre o professor. Há outros onde ficamos convictos de sua inocência. O questionamento principal durante todo o filme é: realmente ocorreu o assédio ao menor?
No meio dessa loucura, novamente o filme toma uma rota extremamente corajosa ao abordar sem “maquiagens” o uso das redes sociais em prol de algo que não foi comprovado. Rubens é um cara descolado, cobiça algumas menininhas, tem um comportamento safado em outras ocasiões, porém nunca houve indícios – em seus 5 anos de trabalho como professor de natação – de assédio ou pedofilia de sua parte. Então, o que há de errado com ele e essa história toda?
O menino Alex sofre com a criação distante do pai, ainda que não seja um cara muito presente na criação do filho. Sua mãe é uma mulher visivelmente desgastada pela separação e pela criação – quase em tempo integral – do filho. Ela é superprotetora e crê piamente no seu menino. Não há nada de errado nisso, porém, repito, algumas cenas deixam dúvidas em nossas mentes. Será que uma criança seria capaz de mentir para chamar a atenção? A mãe do menino mentiria para reforçar a credibilidade em algo que fugiu de seu controle?
O linchamento.
Culpado ou não, o fato é que Rubens passa por uma verdadeira caça às bruxas. Sua vida é jogada lentamente no lixo. Amigos mudam o comportamento, vizinhos passam a olhá-lo com raiva, cochichos, fofocas e, sobretudo, a continuidade de um boato sem provas que irá colocar o professor no patamar de um sedutor de crianças.
O comportamento de Rubens direciona o espectador a acreditar em sua inocência, só que nada é confirmado ou negado.
Mesmo diante da possibilidade de ser morto, o professor persiste em sua função. Alguns de seus atos mostram um profundo amor pelas crianças, o que não impede que seja humilhado e perseguido pela grande maioria no clube, na vizinhança e em outros lugares. Um verdadeiro linchamento.
Fogo Cruzado.
Essa é outra importante lição do filme: de que lado ficarão seus amigos diante de uma acusação contra você? Sua credibilidade será suficiente para que os aliados assim o permaneçam? No longa-metragem é possível compreender que uma simples centelha de dúvida pode colocar toda uma carreira, uma vida sem problemas, em dúvida. Legalmente o ônus da prova cabe ao acusador. Isso, contudo, não cabe. Aliás, não há tempo para apurar fatos, visto que a pessoa vitimada é apontada pela maioria como responsável pelo delito.
Nesse fogo cruzado, Rubens conta com pouquíssimas pessoas, entre as quais está a diretora do clube, interpretada pela ótima Malu Galli. A questão é: até quando ela e os outros que estão com ele permanecerão assim?
A facilidade para acusar.
Convenhamos, não há nada mais fácil do que acusar atualmente. Mais do que isso, a onda de justiça com as próprias mãos (ainda que sejam as que teclam) não é novidade há longa data. O problema dessa “voz” dada a todos está na falta de questionamento das acusações feitas. Óbvio que não há desculpas ou perdão para pervertidos, aliciadores e pedófilos. Quando comprovados tais desvios, a pena máxima para eles é um prêmio, pois eles permanecerão vivos, enquanto as vítimas estarão moral e psicologicamente destruídas.
A velocidade com que as informações tramitam é absurdamente rápida. Isso ganha ainda mais rapidez quando o meio de transmissão são as redes sociais. Só para relembrar, uma simples postagem no Instagram poderá ser publicada no Facebook, Twitter e Tumblr. Estas redes, por sua vez, podem estar vinculadas a outras contas. E o que isso significa? Disseminação de algo impróprio ou incorreto em poucos segundos, sem chance de defesa por parte do acusado.
Claro que o reverso dessa situação também ocorre ao divulgarmos não apenas notícias reais que podem ser solucionadas mais rapidamente, levando o acusado à prisão.
Belas lições.
Antes de prosseguir, é preciso citar que Aos Teus Olhos não é um filme fechado, cuja conclusão ficou a cargo da direção. Ao contrário, fomentou-se o debate constante sobre os problemas apresentados e, ao fim, as conclusões estão a cargo do espectador. E para que isso serve? Para incentivar o público a raciocinar, questionar e buscar a formação de opiniões próprias sobre as polêmicas presentes no longa. Isso é algo incomum atualmente, mas certamente servirá para despertar a busca por maiores informações acerca do bullying, pedofilia, fake news e tudo mais citado.
Penso, logo existo.
Conclusão.
Aos Teus Olhos é uma obra a ser vista e revista. Crítica, séria e feita com extremo esmero. Os temas são atuais, polêmicos e pertinentes. As atuações são fortes e críveis. A dúvida permeia toda a trama e isso é fruto de um roteiro muito bem escrito.
Tire suas conclusões e ajude a divulgar um filme corajoso e atual.
Prêmios.
Exibido em diversos festivais nacionais e internacionais o filme recebeu os prêmios de melhor roteiro (Lucas Paraizo), ator (Daniel de Oliveira), ator coadjuvante (Marco Ricca, como o pai do aluno) e melhor longa de ficção pelo voto popular no Festival do Rio. O longa também conquistou o Prêmio Petrobrás de Cinema na 41ª Mostra São Paulo de Melhor Filme de Ficção brasileiro e os prêmios de Melhor Direção no 25º Mix Brasil e SIGNIS no 39 º Festival de Havana. A produção é da Conspiração Filmes, em coprodução com Globo Filmes e Canal Brasil. Pagu Pictures é a distribuidora nos cinemas.