Angra e Jeff Scott Soto no Opinião
Em novembro passado o Angra fez seu show da tour Cycles of Pain em Porto Alegre, literalmente, no peito e na raça. Como registrado na cobertura, a banda passou um perrengue daqueles e atrasou o show em quase quatro horas devido a problemas com voos. O que não impediu de fazer um competente show, mas prejudicado por ser um domingo e pegar um público cansado. Cinco meses depois, como uma espécie de compensação, a banda voltou ao Bar Opinião para fazer o mesmo show, só que dessa vez, além de ser uma sexta-feira, tendo com abertura o gigante (em todos os sentidos) Jeff Scott Soto, um dos maiores vocalistas de som pesado da história. E o NoSet conferiu esse grande evento, naquele chuvoso dia na capital riograndense.
Dessa vez sem atrasos, atropelos e justa impaciência do público, tudo correu bem e coube a Luiz Toffoli, guitarrista virtuoso, com um belo time de músicos, mais uma vez fazer uma competente abertura com seu metal progressivo característico. Enfim, nada de novo no front, mas não dá para negar o talento do rapaz e a cancha que está ganhando fazendo essas aberturas.
Por volta das 22h15min, eis que sobe ao palco o lendário Jeff Scott Soto. Completando 40 anos de carreira, sendo vocalista de vários artistas, bandas, projetos e tributos, a fera chegou sentando com violão no colo e acompanhado por outro violão do exímio músico Leo Mancini, fez um pocket show acústico. Passando a limpo sua carreira com canções como Living The Life da fictícia banda Steel Dragon, Mysterious da banda Talisman, Soto com seu vozeirão de trovão, no modo desligado mostrou todo o incrível alcance vocal.
Teve direito à palhinha de I Am a Viking, da época em que começou como cantor da banda de Yngwie Malmsteen, em 1984. Seguiu seu set com canções como Alive do Sons of Apollo, Come Down Like Rain, mas animou a galera com Carry On Wayward Son do Kansas, fazendo o povo cantar junto. Soto esbanja técnica, versatilidade e muita simpatia, mas um show acústico com dois violões e uma base mequetrefe pré-gravada atrás é muito pouco para o talento do cantor. Ainda apresentou uma versão que fechou muito bem com sua voz do clássico Crazy do Seal e fecha o divertido, mas econômico show, com o sucesso I’ll Be Waiting, mais uma do Talisman.
E por volta das 23h30min surge no palco a atração da noite. Em um clima muito mais ameno e leve do que na última apresentação, a banda começa, como de praxe, com o petardo Nothing To Say, do clássico Holy Land, de 1996, que emendada com Angels Cry do disco que debutou a banda. Segue com Newborn Me do Secret Garden e com a lindíssima Lisbon do Fireworks.
A banda, então passando a limpo quatro canções de discos de outrora, apresenta o Cycles of Pain, começando com Vida Seca, seguindo com Dead Man on Display. Destaque para o gigante telão de fundo ilustrando cada canção. E também para o excelente trabalho de mix de palco. Como se dizia antigamente, o som do espetáculo estava de CD, tamanha a qualidade e nitidez dos instrumentos. Um belo trabalho de mesa de som e palco, coisa rara em muitos shows de peso nacionais. E não tem como não se destacar a qualidade e sintonia da banda. Fabio Lione está cada vez mais solto, atingindo notas altas e com uma presença de palco cheia de trejeitos pessoais, mexendo as mãos, ou como diz Rafael Bittencourt, o mago Lione fazendo suas magias. E falando em Rafael, ele está cada vez melhor, com a experiência de 30 anos de banda e fazendo duetos perfeitos com o ótimo Marcelo Barbosa, cada vez melhor e mais entrosado na banda. Felipe Andreoli, com sua cara de mala, também mostra por que é um dos maiores baixistas do Brasil, e dessa vez com um som de baixo excelente, fechando a cozinha com o reloginho humano, o eterno garoto Bruno Valverde, cada vez mais monstro na bateria.
Rafael então pega o violão, e junto com Lione, iniciam Rebirth, para delírio da galera. Morning Star do disco Temple of Shadow vem na sequência, e para a surpresa de todos, tocam o clássico Time do Angels Cry, literalmente sacudindo o Opinião. Fecham um bloco com Cycle of Pain, canção homônima do novo álbum e uma das mais fracas da noite.
Chega o momento acústico, onde Rafael mostra todo seu talento com o violão e mostra ser um grande cantor, tocando Silent Call e depois chama Fabio Lione para homenagear o maestro André Matos, cantando a lindíssima Make Believe, uma das mais famosas canções do Angra, fora do mundo do metal inclusive, em um momento de grande emoção e nostalgia do show.
Mas a nostalgia tem hora e a banda ataca de Ride on The Storm do álbum novo, em uma grande atuação. A bela e intimista Silence and Distance também surpreende a galera com Lione dando o máximo de si, missão ingrata tocar uma das músicas que eram marcas registradas de André Matos, e segue com a quase balada pop Bleeding Heart do disco Rebirth, cantada em voz alta pelos fãs com grande animação. Aquele momento aguardado eis que chega e Jeff Scott Soto volta ao palco dividindo os vocais em Tide of Changes – Part I & II, fazendo um ótimo dueto com Lione. E com The Show Must go on, emocionante cover de Queen, que Soto e Lione brilham dividindo os vocais imortalizados por Freddie Mercury, naqueles momentos que valem o ingresso, tamanha a grandeza e a força que só a música e o talento de caras como Soto e o Angra tem.
Depois daquela pausa básica, a banda volta para o bis, tocando aqueles dois hinos do power metal que consagraram o Angra como a maior banda de metal clássico do Brasil. Começando com Carry On, com uma inspirada interpretação de Lione e findando com o clássico pop metal que esbanja alegria, Nova Era. Momento que Valverde mostra o porquê é um dos grandes bateristas de sua geração. Duas canções icônicas e obrigatórias, que fecham com chave de ouro mais um showzaço da banda.
Com certeza, um dos grandes shows de metal do ano. O Angra mostrando a maturidade de uma banda com mais de 30 anos de carreira, com a liderança sadia de Rafael Bitencourt, que sempre soube reerguer a banda em diversos momentos e agora com essa formação parece ter achado a fórmula certa. Cycles of Pain é um disco irregular, funciona bem ao vivo, mas são os velhos sucessos que fazem a cabeça da galera e o leque de opções do Angra é tão grande que podem usar e abusar dele nos shows. Destaque para o onipresente Soto, que voltará nesta semana para um show com banda e tudo no mesmo Opinião e que mesmo no formato “um banquinho e um violão” sua enorme voz faz a galera ficar de boca aberta com tamanha extensão vocal, técnica e expressão do artista. Um belo encontro de uma das maiores bandas de metal do mundo com um dos grandes vocalistas da história, e quem presenciou isso no Opinião saiu satisfeito e feliz da vida, tendo visto um super show de metal, praticamente impecável e (por que não?) inesquecível.