Análise Fílmica: A Vila (2004)

ATENÇÃO: Contém spoilers.

Assistir A Vila é fazer um mergulho no século XIX. O suspense de M. Night Shyamalan, mostra até que ponto as pessoas são capazes de chegar para proteger suas crenças. As atitudes, que beiram a loucura, questionam os motivos que levam certos indivíduos buscarem isolar-se do resto do mundo. O diretor consegue fazer com o filme algo que vi pouquíssimas vezes: três pontos de virada. O primeiro ocorre quando descobrimos que as criaturas são, na verdade, uma invenção. O segundo, quando voltamos a acreditar na existência delas, dessa vez, com mais força, com mais medo. E o terceiro ponto de virada ocorre ao sabermos, novamente, que sim, as criaturas não são reais. Existem milhares de filmes muito bons. Alguns deles usam o artifício do plot twist, ou ponto de virada, para tornarem a trama muito mais interessante. Todavia, M. Night soube utilizar este artifício cinematográfico, em A Vila, de forma magistral.

A direção de elenco acertou em cheio ao escolher Bryce Dallas Howard para interpretar a deficiente visual Ivy Walker. Inicialmente, as criaturas nos trazem um certo medo. Mas o verdadeiro pavor só é sentido quando nos colocamos na pele de Ivy. Uma pessoa cega, na solidão e no escuro da floresta. Em mata densa, Ivy se vê tendo que enfrentar os monstros que supostamente habitavam aquela região. É sabido que sentimos um medo bem maior quando não sabemos a aparência de nossos temores. Os filmes mais assustadores são, em sua maioria, aqueles que não mostram o “monstro”. Só a imaginação de cada um é capaz de produzir aquilo que lhe causa mais medo. Determinadas criaturas acabam, inevitavelmente, assustando algumas pessoas. Mas outras talvez nem tanto.

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Só que agora o caro leitor deve estar se perguntando: “Ok, mas no filme as criaturas são mostradas! ” Sim, isso é verdade. São mostradas para nós, mas não para a protagonista Ivy. O fato é que o filme consegue nos colocar no lugar dela. Sentimos o que Ivy sente. Toda a construção das cenas. A história da trama, e, principalmente, a belíssima atuação de Bryce, nos coloca no lugar da personagem. Por um momento é possível sentir um pouco do temor que é viver como uma pessoa cega. Um pouco do temor do que é estar sozinho. Indefeso. Sentimos o peso da responsabilidade que seria ter de enfrentar o mais abominável mal, para salvar a vida de quem amamos. Ivy nos faz sentir compaixão. Colocar-se no lugar do outro.

No filme, a idealização da vila se deveu ao fato dos traumas sofridos pelo grupo dos anciões. Eles fundaram aquela comunidade, e seus ideais, baseados no medo. Medo de verem novamente seus entes queridos morrerem, medo de não suportarem mais perdas tão devastadoras. Devido a isso, pagaram preços altíssimos. Afinal de contas permitiam, assim como nos foi mostrado no início da narrativa, seus próprios filhos morrerem. Tudo só para não deixar aquela comunidade ruir.

O ato de se isolar do resto do mundo, para evitar mais sofrimento, por fim, era o que causava este mesmo sofrimento. Qual a diferença entre perder um ente querido devido a um assassinato ou perdê-lo devido a uma doença? Doença essa que poderia ser tratada. A diferença é que, evitar a morte de alguém que é assassinado é quase impossível. Mas se os membros da vila vivessem em sociedade, poderiam ter acesso a remédios, e poderiam salvar quem morria por causa de doenças, por exemplo. A fuga da dor, acaba sempre nos causando mais dor.

Eu sempre digo que o maior mérito de um bom filme não mora em seus efeitos especiais, grandes locações, cenas plásticas, ou bilhões investidos em produção. O que realmente caracteriza uma obra de arte cinematográfica é a capacidade que ela tem de nos ensinar. Ensinar a sermos melhores. Nos fazer pensar, refletir. Sobre o assunto que for. O bom cinema é aquele que consegue nos sensibilizar. Não busco afirmar que todo filme deve ser uma lição de vida. Mas sim, que ele precisa fazer o público se identificar com ele. Precisa fazer o espectador sentir compaixão. Sorrir junto com ele, ter medo, chorar junto. Bons personagens, e uma trama bem construída são o que caracterizam um bom filme.

A Vila tem estes ótimos personagens, uma protagonista apaixonante e encantadora. Além disso, possui uma trama que nos faz questionar até que ponto somos capazes de chegar para fazer valer nossas convicções. Assistir A Vila é um modo de perceber que fugir do medo, fugir da dor e dos problemas é um ato covarde. Que não traz bem algum. Viver em sociedade é um ato desafiador, por vezes, perigoso. Mas somos, naturalmente, e biologicamente, seres sociáveis. É preciso aprender a coabitar com o seu semelhante. E ter a coragem de enfrentar seus problemas e seus próprios medos de cara limpa. A Vila, com certeza, é daqueles filmes que valem a pena a gente reassistir.

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Nome original: The Village

Diretor: M. Night Shyamalan

País de origem: EUA

Informações adicionais: A bengala utilizada pela personagem Ivy Walker (Bryce Dallas Howard) no filme, foi confeccionada pelo próprio Joaquin Phoenix. Que interpreta o personagem Lucius Hunt.

Premiações: Indicado ao Oscar de Melhor Trilha Sonora.

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