Alceu Valença – Meu Querido São João no Araújo Vianna

13 de junho, dia de Santo Antônio. Na rua, devido ao frio, quentão para vender, churrasquinho e uma lua boa para namorar, ou como se fala sobre o santo do dia, arranjar um par. Esse era o clima do lado de fora do Araújo Vianna na sexta passada. Dentro do auditório, Alceu Paiva Valença, pernambucano de São Bento do Una, prometia fazer do local um arraial junino. Com o título de Meu Querido São João, simplesmente Alceu Valença estava lá para comandar essa festa inesquecível. E o NoSet não ia perder essa festa.

Bom público, longe de lotação esgotada, mas com uma plateia muito no clima, querendo se esquentar e esquecer o frio do lado de fora. Sem muitos atrasos, Valença sobe ao palco acompanhado por um timaço de seis músicos e já alucinando a plateia com uma sequência de canções do seu conterrâneo de Exu, o mestre Luiz Gonzaga. Empilhando joias como Pagode Russo, Baião, Vem Morena, A Ema e Xote das Meninas, conquistado de vez a plateia, que dançava na quermesse do Alceu. Com seu indefectível chapéu e uma jaqueta toda estilizada com estrelas, uma fogueira junina e anjos, o homem não para, dança, canta, brinca com a plateia. Seguindo no clima, Alceu toca sua homenagem, e que dá nome ao show, a canção Meu Querido São João, a homônima festa que para o Brasil no meio do ano. Alceu então pede pra plateia bater as asas e voar com ele, em mais um momento sublime, o ator imita com os braços asas, e o público segue o mestre para tomar vôo com a ótima Eu Vou Fazer Você Voar.



O cantor então volta pro ano de 1985 com seu sucesso Estação da Luz e vai a dois anos adiante com a lindíssima Girassol. Segue sua carreira recheada de sucessos como Flor de Tangerina, de 2016, canção do show dele com Geraldo Azevedo e Elba Ramalho. Mais uma vez homenagem ao velho Lua, com a bela Sabia. Depois de tocar a lírica “P” da Paixão, ele lembra um episódio que teve em Porto Alegre com o amigo e poeta Luiz Miranda e o gênio Mario Quintana, onde os dois dividiram um guarda-chuva numa noite chuvosa na cidade, e depois de contar o causo, canta em tom de declamação Senhora Dona, canção que gravou em homenagem ao poeta gaúcho com seus versos: “Senhora dona dos meu mares e navios eu passaria, eu passarinho”, provocando um êxtase ritmado por palmas na plateia.



Logo depois ele manda Coração Bobo e resolve antecipar o carnaval pernambucano cantando Hino do Elefante de Olinda e emendando com sua carnavalesca Pirata José. Alceu então, sempre em tom de prosa e contador de causos, fala de uma mulher de olhar agateado que encantou o artista, e a deixa para fazer todo mundo dançar com a sacolejante Como Dois Animais. Depois muda mais uma vez o set pra fazer uma sequência de canções pro povo dançar, tocando em sequência Pisa na Fulô, Juazeiro (mais uma do Gonzagão), A Briga do Cachorro com a Onça, e ainda faz um repente tendo Porto Alegre como tema. Impossível não se contagiar com Alceu, quase 80 anos, mas com uma vitalidade de guri, canta, dança encanta, e diferente do show do ano passado quando tocou com a Orquestra de Ouro Preto num formato engessado com o cantor preso a uma cadeira, esse show foi a desforra. Mais serelepe do que nunca, não parou um segundo e apresentou a sua banda com Zi Ferreira na guitarra, Nando Barreto no baixo, Tovinho nos teclados, Andre Julião na Sanfona e Cássio Cunha na bateria, além de um flautista e vocalista que não pesquei o nome.



O clássico Asa Branca vem na sequência para findar esse improviso que transformou o Araújo numa animada festa. Com Táxi Lunar a psicodelia nordestina entorpece a plateia com os arranjos progressivos da excelente banda, mas o povo canta, dança e se emociona é com a maravilhosa La Belle de Jour, sua homenagem à musa francesa Catherine Deneuve. O solo de guitarra receheado de efeito, com perdão do trocadilho idiota, anuncia o sucesso Anunciação, em mais um momento de êxtase, onde todos de pé dançam ao som do Alceu, que avisa que já escuta os sinais, em um dos maiores clássicos da nossa MPB. O cantor, com seu bom humor de sempre, brinca que o artista é um mentiroso no fim do show, que sai antes do sucesso maior, faz de conta que vai embora só pra ser ovacionando pelo povo. Diz ele que também é desses, mas dessa vez não vai sair e vai ficar lá pra tocar aquele sucesso que, se ele não tocar no show, o público sai triste. Claro que é Morena Tropicana, aquela salada de fruta nordestina em forma de louvação à mulher que anima o Brasil desde 1982, fechando a festa de São João do mestre Alceu Valença.



Meu Querido São João teve de tudo, xote, baião, xaxado, música progressiva, Mário Quintana, Luiz Gonzaga, forró, carnaval. Poucos artistas sabem ser tão ecléticos e felizes em montar um show como Valença, e poucos têm o carisma inigualável que o pernambuco tem no palco, um talento único para animar a massa, com o melhor da música genuína brasileira. Uma noite (mais uma…) para ficar na história do Araújo Vianna, uma viagem de duas horas para uma estação lunar, em que ficamos sem vontade de pegar o táxi de volta à vida mundana.
