Adam é o filme marroquino pré-selecionado a concorrer o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2020. Ele conta a história de Samia (Nisrin Erradi), uma mulher que vive nas ruas de Casablanca, Marrocos, procurando um trabalho pra lhe trazer o mínimo sustento e um lugar pra viver.
Como se não bastasse a situação já complicada, Samia enfrenta o agravante de estar grávida e solteira, algo totalmente inaceitável na sociedade em que vive. Samia enfrenta os olhares e preconceitos das pessoas pelo qual passa e vai batendo de porta em porta a procura de alguma ajuda. É então que ela encontra Abla (Lubna Azabal), uma comerciante local que perdeu o marido recentemente. Após um conflito inicial, Abla aceita Samia em sua casa até que ela se ajeite, mas com o passar dos dias, as duas mulheres e a pequena filha de Abla, Warda (Douae Belkhaouda) começam a desenvolver uma forte relação de amizade.
Adam, é um daqueles filmes com a trama simples que arrebata a gente pela sutileza do tema e o clima proporcionado por uma boa direção e ótimos atores.
A fotografia é muito bonita em sua sobriedade e sempre busca trazer uma naturalização para as cenas, tornando a história contada muito próxima da nossa realidade. A paleta que tem um tom constante puxado para o sépia realça a dificuldade da vida daquelas mulheres, e ao trazer um ar anacrônico para aquela história que poderia se passar em um país islâmico tanto em 2019 quanto décadas atrás.
A trama tem como ponto central a relação das duas mulheres que se desenvolve muito bem e é sustentada pela atuação emocionante. Nos dois primeiros atos do filme, a atriz mais experiente Lubna Azabal, conhecida por seu trabalho como protagonista de Incêndios de Dennis Villeneuve, consegue expressar nas nuances e deslizes de sua personagem turrona, uma pessoa traumatizada, mas com muito amor dentro de si, algo que só é verbalizado após a primeira metade do filme, foi sutilmente exposto desde o primeiro minuto que a atriz entra em cena. Estou torcendo para que ela seja lembrada, merecidamente, nas nomeações de atriz coadjuvante das grandes premiações, apesar da dificuldade de filmes estrangeiros alcançarem essas categorias. Já Nisrin Erradi, muito menos experiente que sua colega de tela, mostra uma atuação mais apática, mas que explode no clímax do filme, configurando uma das cenas mais bonitas do ano. Os coadjuvantes também aparecem de maneira muito competente, trazendo um pouco de leveza a essa história com a inocência esperta de Warda e com a ingenuidade de Aziz Hattab, o homem que tenta conquistar o coração fechado de Abla.
Em relação a trama, o roteiro busca trabalhar lentamente a identificação das mulheres. Sempre em uma dinâmica de conflito, seguida por afastamento e então a resolução, fazendo com que elas fiquem cada vez mais próxima, permitindo que Samia fique mais e mais dias na casa da anfitriã.
Muito mais que isso, o filme explora a relação de ser mulher no contexto em que elas vivem. Cada com qual sua maneira: Samia, em sua juventude, descobrindo a gravidez e se reconstruindo como mulher perante as dificuldades e preconceitos enfrentados e Abla que se redescobre mulher enfrentando o luto e a perda do seu companheiro, com o empurrãozinho da nova amiga e da filha.
O filme é bastante lento e por isso pode desagradar alguns espectadores. Não senti que merecerá uma evidência na disputa do Oscar estrangeiro, mas com certeza um grande marco para o cinema marroquino que, além de sua origem, trará diversidade para a categoria com uma trama focada em personagens femininos.
Nota: 8/10
Trailer
Sinopse: Abla (Lubna Azabal) é uma viúva dona de um pequeno comércio em Casablanca, onde vive com sua filha (Douae Belkhaouda). Ao se deparar com Samia (Nisrin Erradi), uma jovem grávida que está dormindo na rua, decide ajudar a garota permitindo que ela fique em sua casa por algumas noites desenvolvendo uma amizade inesperada.