A vez dos sonhadores – “O Rei do Show”

Musicais geralmente nascem de ideias ditas loucas, como contar a história de um dos fundadores dos EUA em forma de hip-hop (“Hamilton”) ou colocar Meryl Streep dançando ABBA em uma ilha Grega (“Mamma Mia”).

No caso de “O Rei do Show” a ‘loucura’ já veio da base da história, o senhor Phineas Taylor Barnum, ou P.T. Barnum, o fundador de um dos primeiros circos, possivelmente aquele que moldou essa forma de entretenimento.

A produtora Jenny Bicks conheceu a história e escreveu uma biografia dele, já direcionada para os cinemas, contando com a parceria de Bill Condon no roteiro, na direção está Michael Gracey. O longa chegou aos cinemas no final de 2017, encantando e incentivando todos os sonhadores que são ditos loucos por acreditarem em sonhos.

Em abril deste ano, 2021, “O Rei do Show”, ou “The Greatest Showman”, finalmente chegou ao catálogo brasileiro da Disney+, para ocupar seu lugar ao lado de outros grandes musicais ali disponíveis.

Então, P.T. Barnum cresceu enfrentando grandes dificuldades, era somente ele e o pai, um humilde alfaiate que atendia alguns figurões da cidade. Ele perdeu o pai ainda quando era criança, teve que aprender a sobreviver sozinho, mas ele tinha uma faísca que o fazia passar por tudo aquilo, ele era um grande sonhador e sabia que um dia ele poderia viver em um mundo que ele idealizava e correria atrás disso.

Ah, ele não sonhava só para ele, sua paixão desde criança, Charity, sempre estava inclusa em seus projetos. Ela era filha de um dos clientes do pai, alguém muito esnobe e que os humilhou muito, ainda assim P.T. não desistiu de construir uma vida ao lado de Charity, que também o amava desde muito nova.

Eles enfrentaram o pai dela e se casaram, vivendo em condições muito aquém do que P.T. queria, mas ele achava que em pouco tempo isso mudaria. Não mudou, eles passaram uns anos vivendo assim, ainda tiveram duas filhas, Helen e Caroline, que eram a magia da vida deles.

Por outro lado, P.T. não conseguia se manter em nenhum emprego, e da última vez nem foi culpa dele, a empresa simplesmente faliu. Nesse momento, quando ele parecia estar na pior, sua criatividade aflorou, lembrou-se de seus sonhos de criança e do que já havia visto e vivido depois que perdeu o pai. Teve a ideia de pedir um empréstimo para investir no museu de cera.

Na época, século XIX, os museus de cera até tinham os “covers” de pessoas famosas, mas o que atraia eram as cenas de horror, fossem de crime ou de guerra, com muito sangue e partes humanas dilaceradas. P.T. Barnum apostou nessa esquisitice para atrair o público, mas o resultado não foi o esperado.

Depois de um dia difícil, P.T. ouviu suas filhas dizendo que o museu precisaria de mais coisas vivas, só assim as pessoas se interessariam. Ele levou a sério, começou a procurar pessoas “estranhas”, aquelas que, geralmente, são excluídas da sociedade por seus “defeitos”, tal como: um jovem de 21 anos que não tinha nem 1m de altura; uma mulher com uma voz poderosa, mas que tinha barba; pessoas com tatuagens por toda a pele; dentre outras características.

Ele viu que poderia fazer sucesso com isso, mas exagerou um pouco, por exemplo: russo alto se tornou um irlandês da sorte, mas ganhou mais centímetros com uma perna de pau, o homem mais gordo do mundo já era gordo, mas recebia enchimento. Mas a maioria do que se apresentava era real, como a voz de Lettie, a mulher barbada, e o talento dos irmãos W.D. e Anne Wheeler, trapezistas.

O sucesso realmente veio, mas junto com ele vieram os obstáculos. P.T estava colocando em destaque quem a sociedade achava que deveria estar escondido, aquilo era uma audácia que beirava a um crime, na visão de uma parcela dessa sociedade. Um dos exemplos mais revoltantes é o caso dos irmãos Wheeler, que são negros e, na época, eram vistos como animais e nunca que poderia receber esse tipo de destaque no entretenimento.

Nem preciso dizer que ver uma mulher gorda e barbada no mesmo palco que dois negros parecia ser um pecado imperdoável para esses “haters”, né?

O circo de P.T. recebeu muitos ataques, mas seu audacioso dono acolheu todos seus funcionários, fez com que eles se sentissem dentro de uma família, algo que eles nunca haviam experimentado. Suas filhas também sentiram o peso de serem parte dessa família, a ponto da que sonhava em ser bailarina não querer mais fazer aulas porque as colegas a excluíam.

Barnum continuava um sonhador e, ao ver o preconceito com a filha, começou a planejar os próximos passos, algo que faria a sociedade os respeitar. O começo foi positivo, convenceu o playboy produtor de peças Philip Carlile a ser seu sócio, perdendo seus privilégios de herdeiro, mas depois as coisas foram piorando.

Ele conheceu Jenny Lind, cantora de ópera conhecida por toda a Europa, viu nela a oportunidade de elevar e diversificar seus negócios, apresentando-a para os EUA. Ela até fez sucesso, mas as antigas prioridades de P.T. começaram a afundar, isso porque ele negligenciou o circo e seus funcionários, além de ter escondido de Charity as condições de seus investimentos.

O circo literalmente pegou fogo após um ataque dos “haters” da cidade, Barnum não havia como se reerguer sozinho, mas, apesar dos erros que ele cometeu, as famílias que ele criou tinham laços mais fortes. Ele conseguiu se reconciliar com Charity e, ao lado de Philip, construir o circo apenas com tendas, tornando o formato que entrou para a história.

Isso tudo embalado com uma trilha sonora criada especialmente para o filme, respeitando as nuances da trama e os talentos do elenco, com destaque a música “This is Me”, que foi indicada ao Oscar de 2018 na categoria de Melhor Canção Original, com direito a apresentação estrelada pela própria atriz Keala Settle, que interpreta Lettie, a mulher barbada.

Outra música que acompanha a trama é “A Million Dreams”, começando a ser cantada pelo jovem Barnum, vivido por Ellis Rubin, passando para o adulto Barnum, vivido por Hugh Jackman, e Charity, vivida por Michelle Williams, passando pelas vozes das filhas do casal no filme, Helen e Caroline, vividas por Cameron Seely e Austyn Johnson.

Um trecho diz assim: “I don’t care, so call me crazy/ We can live in a world that we design”. A tradução livre é: “Não me importo, podem me chamar de louco/ Nós podemos viver em um mundo nós desenhamos (sonhados, planejamos). Essa mensagem é bem poderosa e faz sentido para quem precisa daquela forcinha para acreditar nos seus sonhos.

As cenas coreografadas são de tirar o fôlego, o visual enche os olhos de qualquer fã de musical, além de um elenco estrelado, com vozes marcantes. Já adiantei um pouquinho, mas vou falar novamente deles e de alguns outros que merecem destaque.

P.T Barnum não poderia ter sido interpretado por ninguém menos que Hugh Jackman. Cresci o assistindo como Wolverine, só bem depois soube que ele sabia cantar e dançar, comprovando isso em “Os Miseráveis” e me encantando com “O Rei do Show”.

Detalhe de bastidor: Jackman estava se recuperando de um câncer de pele na época que começaram os ensaios, o que o fez ser cauteloso e não cantar, só encenar, mas não se aguentou na hora de “From Now On”.

Charity ganhou toda a doçura que Michelle Williams, famosa pela série “Dawnson’s Creek” e grandes títulos de cinema, como “Brokeback Mountain”, “Blue Valentine”, “Ilha do Medo”, “Sete Dias com Marilyn”, “Suíte Francesa” e, mais recentemente, pela minissérie “Fosse/Verdon”.

Jenny Lind é vivida por Rebecca Fergunson, conhecida pelos filmes da franquia “Missão Impossível”. Lettie, a mulher barbada, é interpretada por Keala Settle, mais conhecida por sua carreira na Broadway do que nos cinemas, mas que deixou sua marca nas telonas.

É impossível não se arrepiar com Keala Settle cantando “This is Me”, seja no filme, no palco do Oscar e em especiais da TV. Para quem ama bastidores, procurem no YouTube o vídeo dela do ensaio musical, a primeira vez que ela canta a música, ao lado de Hugh Jackman, sem caracterização alguma, só o poder da voz dela já faz arrepiar.

W.D. Wheeler, o trapezista, é vivido por Yahya Abdul-Mateen II, que vem fazendo seu nome no cinema por meio de filmes como “Aquaman” (estará no segundo também) e “Os 07 de Chicago”, já confirmado nos filmes “A Lenda de Candyman”, “Matrix 4” e “Furiosa”. A irmã dele, Anne, é vivida por Zendaya, que nem precisa de sobrenome, além de ser a atriz mais jovem a ganhar um Emmy de Melhor Atriz, pela série “Euphoria”, ela também está no universo Marvel, por meio dos filmes do Homem Aranha, dentre outros títulos, como “Malcolm & Marie” e “Duna”.

Philip Carlyle, o playboy que aprendeu a amar o circo e a enfrentar a sociedade ao lado de Anne, é vivido por Zac Efron, que vem se mostrando tão versátil quando Hugh Jackman, vai desde musicais como “Hairspray” até o drama “Ted Bud: A Irresistível Face do Mal” (pena que fez harmonização facial recentemente).

Deixei para falar de Zendaya e Zac Efron por último porque eles foram uma grata surpresa quando assisti pela primeira vez, lá em 2017. Eles dois são oriundos da Disney, ele ficou famoso por ser o Troy Bolton de “High School Musical”, ela em séries como “No Ritmo”, mas souberam superar a imagem de astros adolescentes.

Em “O Rei do Show” eles apresentam outro lado da atuação deles, mesmo já tendo outros trabalhos fora da Disney na época. A estória dos personagens ajuda, Anne é tudo aquilo que Phillip nunca sonhou em se apaixonar, ele tem que superar os preconceitos pessoais para que ela o aceitasse (porque ela sabia se valorizar, apesar dos pesares).

Até Mais.

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