Se você conhece bem essa coluna sabe da forte ligação que tenho com histórias das grandes guerras mundiais, especialmente daquelas que se desenrolam paralelamente às batalhas, como cada passagem trágica afetou o mundo.
Pude assistir mais uma história emocionantes dessas, o filme alemão “Quando Hitler Roubou Meu Coelho Cor-de-rosa”, de 2020, baseado no livro de mesmo nome da autora Judith Kerr. O longa está sendo distribuído no Brasil pela A2 Filmes e acaba de chegar às plataformas digitais.
Conhecemos a família judia Kemper: o pai é Arthur Kemper, jornalista com ácidas críticas ao então candidato de oposição, Adolf Hitler; a mãe é Dorothea Kemper, pianista profissional, tendo trabalhado anos na orquestra; os filhos são Max e Anna. Anna tem 09 anos quando essa história começa, ela pode ser descrita como uma menina de grande imaginação, com uma relação muito forte com a família, especialmente com o pai, com a babá dela, Heimpi, e seus amados brinquedos, o mais antigo deles é um coelho cor-de-rosa surrado. A maioria dos bichinhos de pelúcia foi dada por seu padrinho, Julius.
Eles eram muito bem-sucedidos na Berlim dos anos de 1930, mas a clara oposição a Hitler e o fato de serem judeus, levou os Kemper a uma jornada perigosa, mas necessária.
Primeiro foram para Zurique, na Suiça, onde Arthur achava que poderia estar seguro com a família, mas os planos eram irem para o interior. As finanças não ajudaram em nada, ele estava sem emprego e ainda teve que pagar as custas de um hotel caro enquanto Anna se recuperava de um resfriado fortíssimo. Enfim eles conseguiram ir para o interior, viver em uma espécie de pousada, mas conseguiram que Anna e Max estudassem na escola local. Embora fosse um lugar seguro mesmo, o pai não iria conseguir nenhum emprego, a Suíça não queria arriscar sua neutralidade autorizando um jornalista “atacar” o governo que se levantava na Alemanha.
Foi aí que eles fizeram sua terceira viagem, para Paris, França. Um local que não era tão seguro para eles, mas teria mais oportunidade de emprego para o pai. Enfrentaram sérios problemas com um orçamento apertadíssimo, mas não deixaram Anna e Max sem estudos, que enfrentaram dificuldades para aprender o novo idioma. Eles passaram um ano em Paris vivendo assim, até que Arthur conseguiu uma oportunidade melhor. Desde que Anna começou a lhe falar das tarefas de história, sobre Napoleão, Arthur se inspirou em falar dessa personalidade história, escrevendo um roteiro/livro, que enviou para um editor inglês.
A quarta viagem dessa família foi a definitiva, para Londres, onde teriam que aprender um novo idioma, uma nova forma de viver, mas o mais importante, na visão de Anna, era que estavam todos juntos. Essa jornada não foi nada tranquila para Anna, ela saiu de um lugar onde passou a vida inteira, onde conhecia todos, onde tinha consigo todos os brinquedos que ganhava, onde Heimpi cuidava dela como poucos, onde se sentia segura. Agora ela teria que fazer novas amizades, tomar cuidados que não imaginava que seria preciso, teria que se afastar do seu coelho cor-de-rosa, de Heimpi e de seu amado padrinho. Mas ela sabia que seria para o melhor quando via o pai, seu porto seguro sempre, de quem herdou o talento da escrita criativa.
Ela é o ponto central da história porque é ela que não deixa que a família se rompa em nenhum momento, era para ela que o padrinho enviava cartas com notícias de Berlim, foi ela que primeiro aprendeu francês, incentivando o irmão mais velho a fazer o mesmo, sem rebeldias. É por ser do ponto de vista dela que essa história não é tão dura como poderia ser, tão triste como realmente deve ter sido. A inocência de seu olhar, dando importância em detalhes quase despercebidos, foi responsável pelo o efeito emocionante desse longa.
As relações familiares sob o olhar dela também são fizeram isso. Ela admirava a mãe, mas não tinha muita proximidade, por isso Heimpi tem grande papel em sua infância. Ela ver o pai quase como um heroi, sempre se sentindo segura com ele, tem uma relação linda e próxima com ele. Ela e o irmão têm aquela dinâmica clássica de irmãos, movida a implicâncias, mas de proteção mútua. Seu padrinho talvez tenha sido a pessoa que melhor passou o cenário geral para ela, por vezes somente com trocas de olhares.
O título do filme é curioso, porque o tal do coelho cor-de-rosa (de pelúcia) só aparece no comecinho do filme, sendo citado umas duas outras vezes, porque Anna escolhe outro bichinho de pelúcia para a acompanhar na viagem (a mãe disse que ela só poderia levar um). Isso não é explicado explicitamente, mas suponho que o título vem do fato de Heimpi ter prometido fazer outra mala, com o coelho cor-de-rosa, e enviar para Anna, ainda na Suíça.
Heimpi cumpre sua promessa, mas a mala, assim como tudo que ainda havia na casa dos Kemper em Berlim, é confiscado pelo Terceiro Heich, braço do governo nazista que se levantava. De forma indireta e alegórica, Hitler de fato rouba o coelho cor-de-rosa de Anna Kemper.
Nos créditos do filme é falada um pouco da história de Judith Kerr, autora do livro que baseou o filme. Aparentemente a história é uma biografia, o primeiro nome dela é Anna, ela é nascida na Alemanha, filha um jornalista crítico ao nazismo, que precisou tirar a família do país por perseguição quando ela tinha, mais ou menos, 10 anos. Ela se tornou uma grande escritora e ilustradora, vindo a falecer em 2019.
O elenco principal é formado por: Riva Krymalowski, como Anna (foi sua estreia em filmes); Marinus Hohmann, como Max; Carla Juri, como Dorothea Kemper; Oliver Masucci, como Arthur Kemper; Justus von Dohnányi, como Julius; e Ursula Werner, como Heimpi.
Uma curiosidade é que Oliver Masucci, que interpreta esse chefe de uma família judia e corajoso jornalista, que batia de frente com os nazistas, já deu vida ao próprio Hitler, no filme “Ele Está de Volta”, de 2015.
Até mais.