A biblioteca dos rejeitados – “O Mistério de Henri Pick”

Trabalhar com criatividade tem seus altos e baixos, os escritores pelo mundo conhecem o gostinho amargo de ser rejeitado por uma editora. Mas imagina se existisse uma biblioteca que expõe os manuscritos rejeitados!

O longa francês de 2019, “O Mistério de Henri Pick”, começa com essa ideia fora do comum. O roteiro do filme é assinado por David Foenkinos, Vanessa Portal e Rémi Bezançon, que também é responsável pela direção. A distribuição para o Brasil é de responsabilidade da A2 Filmes e você pode assistir na Amazon Prime Video.

Daphné Despero é a editora júnior de uma grande editora francesa, cresceu dentro do mundo da literatura e quer fazer seu nome dentro deste, por descobrir livros que são verdadeiras obras primas. Ao seu lado está o namorado de longa data, Fréd Koskas, que acaba de lançar seu primeiro romance (e o ver fracassar).

Ao visitar o pai por alguns dias na cidade de Crozon, na região da Bretanha, Daphné é lembrada de uma livraria bizarra de lá, que tem uma sala apenas para expor manuscritos rejeitados por editoras. Ela pensa que pode encontrar um tesouro perdido por lá … e encontra!

Entre títulos estranhos e tentativas fracassadas, lá estava ‘Os Últimos Dias de um Amor’, de Henri Pick, um pizzaiolo local, conhecido pela pizza de quatro queijos, não pelo talento com as palavras, mas que havia falecido dois anos antes.

 Embora a família não fizesse ideia que Pick era um escritor, autorizam a publicação póstuma da obra, que se torna um sucesso instantâneo. Um dos sinais que isso aconteceu é aparecer em um programa de TV especializado em literatura e cultura, apresentado pelo crítico literário e ranzinza Jean-Michel Rouche.

A obra mexeu mais com Jean-Michel do que ele esperava, o que o levou a ser ainda mais incisivo com a viúva de Henri Pick, Madeline, e Daphné no programa, acusando-as grosseiramente de tudo aquilo ser uma fraude orquestrada por elas. Mas ele teve sua punição, no mesmo dia ele foi demitido e sua esposa anunciou que estava dando um fim oficial na relação.

Com o orgulho ferido e instigado pelo mistério que era aquele livro, Jean-Michel começou a investigar por conta própria, tanto sobre o livro quanto sobre o próprio Henri Pick. Ele precisou ir até Crozon, conhecer a biblioteca, o local onde era a pizzaria de Pick, tentar conversar com Madeline novamente, juntar peças desse enigma, o que virou quase uma obsessão.

 Nessa missão Jean-Michel ganha uma aliada inusitada, a filha de Henri, Joséphine Pick. Ela mesma é uma grande leitora, costumava ler a antiga coluna de crítica de Jean-Michel, mas se decepcionou com a forma que ele vem tratando a história, afinal está degradando a história de seu pai. De toda forma, ela acredita que o ajudando a desvendar o tal mistério, provando que seu pai realmente é o autor do livro, a mãe terá paz.

É uma surpreendente trama de mistério, um pouco diferente de Sherlock Holmes, não envolve assassinatos nem casos de amor escondidos e sórdidos, mas não serei eu a responsável por estragar a graça de juntar essas peças.

Só uma dica: nem todo mundo que parece inocente é inocente (clichê, mas aqui trabalho com clichê).

E falo que é surpreendente porque o início do filme nos entrega tons de comédia e de drama, o romance e o mistério vão se revelando aos poucos. E digo mais, nem é um romance escancarado, como estamos acostumados a ver, é até algo que é deixado em aberto, envolvendo Jean-Michel e Joséphine.

Eles não se tornam um casal, mas têm aquela química de “enemies to lovers”, tornando a investigação ainda mais interessante. Isso porque ele é extremamente elitista e preconceituoso quando se trata de literatura, ele julga tudo e todos nesse meio, já ela quebra estereótipos comuns para ele, abrindo os olhos dele para outras realidades. Seus diálogos são recheados de um sarcasmo jocoso, com um ritmo gostoso de assistir, esperando o que pode vir nas próximas cenas.

Já o casal que começa em destaque, Daphné e Fréd, torna-se apenas um elemento que auxilia na evolução da estória principal. São interessantes, conseguem dar complexidade em alguns pontos, mas estão longe de terem o mesmo peso de Jean-Michel e Joséphine.

Tenho gostado cada vez mais de ver filmes franceses, mas percebi que não é tão fácil encontrar um filme ao estilo de “O Mistério de Henri Pick”, uma comédia sem exageros, com drama e romance nos níveis certos. Mas o humor não é nada parecido com o brasileiro, nesse caso é algo bem mais sútil.

Embora a tal investigação envolva muitos nomes, o elenco principal se resume a essas quatro pessoas: Daphné, Fréd, Jean-Michel e Joséphine.

Daphné Despero é interpretada por Alice Isaaz, famosa por filmes como “Doce Veneno”, “Nata da Cultura” e “Rosalie Blum”, mas principalmente por “Mademoiselle Vingança”. Fréd é vivido por Bastien Bouillon, conhecido por séries, curtas e filme como “Jumbo” e “High Society”.

Jean-Michel é interpretado por Fabrice Luchini, veterano nos filmes e séries francesas, ele é famoso por filmes como “Pedalando com Molière”, “As Mulheres do Sexto Andar”, “Dentro de Casa” e até uma participação em “Astérix e Obélix: Ao Serviço de Sua Majestade”.

Joséphine é vivida por Camille Cottin, famosa pela série cômica “Dix Pour Cent” (“Call My Agent”), tendo ganhado reconhecimento internacional por sua Andréa Martel, mas vem aparecendo em outras produções com maior peso, como “Killing Eve”, “Stillwater” (lançado no Festival de Cannes 2021) e “House of Gucci”.

Esse filme chamou minha atenção no catálogo por causa de Camille Cottin, porque assisti “Dix Pour Cent” esse ano. Quis a ver em uma produção diferente, de estilo diferente, e ela brilha muito mais no humor sarcástico e sútil de “O Mistério de Henri Pick” do que em sua caricata Andréa Martel. 

Curiosa estou em ver Camille Cottin ao lado de Lady Gaga e cia, em “House of Gucci” (ainda não assisti).

Até Mais!

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