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MÚSICA

The Wailers – Natural Mystic Tour no Araújo Vianna

The Wailers – Natural Mystic Tour no Araújo Vianna
  • Publishednovembro 2, 2025

Existem dois discos na vida de qualquer fã de reggae que, literalmente, abriram as portas para a grande maioria dos simpatizantes do estilo se apaixonar pelo gênero. O primeiro foi uma compilação de 1984, chamada Legend, que incluía os maiores hits do Bob Marley and The Wailers. 11 anos depois, uma outra seleção de músicas do mestre jamaicano e sua banda, chamada Natural Mystic, saiu no mercado, abrangendo algumas canções que falavam mais do lado espiritual do artista, além de algumas pedradas de protesto. Quando o reggae virou uma febre Brasil nos anos 1990, com a dificuldade de informações, ou de conseguir os discos de estúdio da banda nos anos 1970, esses dois CDs viraram o catecismo para a galera cair de cabeça na obra do Bob Marley. Essa segunda coletânea completa 30 anos esse ano e para comemorar esse lançamento, os The Wailers estão rodando o mundo com a turnê  The Wailers – Natural Mystic Tour 30TH Anniversary Tour.

E como não tem nada mais certo que turnê do The Wailers no Brasil, a banda anda percorrendo o país para apresentar o show. Porto Alegre recebeu a banda na quinta-feira passada no Araújo Vianna e o NoSet estava lá para conferir uma pegada de reggae regada a muita poesia, ritmos e fumaça.

Acho que os Wailers já devem ter vindo umas 300 vezes para o Brasil. Se bobear tem uma casa alugada em cada estado, tamanho a frequência que a banda abarca em palcos nacionais. Claro que hoje é praticamente uma banda cover que emula os áureos momentos em que junto ao Bob Marley desfilava seus sucessos. O mais próximo da formação clássica é a presença de Aston Barrett Jr., o baixista e hoje líder da banda, filho da lenda Astor – The Family Man Barrett, o baixista clássico do grupo jamaicano. Mas quer saber de uma coisa? Não tem nenhum problema! E para as mais de 2 mil pessoas que estavam presentes menos ainda. O que presenciamos foi uma verdadeira aula de reggae, com uma sonoridade que só quem é nativo da Jamaica sabe fazer.

Para abrir o show, uma atração local, os esforçados rapazes da Califa Surf Band. Num formato de duas guitarras e um baixo, fizeram um show curto, com alguns covers e umas composições próprias que lembram muito o reggae meloso do Armandinho. Se não empolgaram, ao menos não comprometeram e ainda deram uma animada na galera saudando a atração principal que logo estaria no palco, mandando uns vivas aos jamaicanos no final da performance.

Por volta das 21h40min, com direito a apresentação de um cara do staff da banda, o time composto por Wendel “Junior Jazz” Ferraro e Owen Dread Rein nas guitarras, Aston Barrett Jr. no baixo, Andres Ipez Lopez e Carl Benjamin na bateria, subiram no palco metendo um som instrumental. Como no ano passado, no mesmo Araujo, um som impecável. Uma batida empolgante,vguitarras precisas como relógio nas palhetadas, baixo que atravessa o estômago, batera marcada e aquele teclado criando a atmosfera das músicas, tudo numa equalização perfeita. Tudo pronto pra MiItchell Brunings e as backing vocals entrarem no palco, para delírio da galera já de pé no show. Ao contrário do show do ano passado, nesse vi gente mais jovem contagiado pela banda se mesclando aos veteranos amantes de reggae. Seria sonhar demais se tocassem a coletânea de cabo a rabo na íntegra, mas eles estão atrás de sorrisos e galera cantando, então abrem o show com duas confirmadas, Living Up Yourself, seguida por Stir It Up. A galera, já tomada pela brisa do ambiente, era só sorrisos. Apenas na terceira canção que o disco em questão é lembrado com a ótima So Much Trouble In The World. Brunings tem uma voz muito parecida com Bob Marley e consegue empolgar a galera falando frases em português intercalado com inglês, ajudado pelo coro das competentes backing vocals. Segue o setlist com a confirmada I Shot The Sheriff, pra depois tocarem Crazy Baldhead, originalmente de 1976, do disco Rastaman Vibration, e mais uma da coletânea de 1995. Intercalando músicas da coletânea Legend com o Natural, mandam a arrasa quarteirão Is This Love, para mais uma do disco de 1976, Who The Cap Fit, essa com Junior Jazz soltando a voz, e que voz do veterando guitarrista. Segue o baile com o hit No Woman No Cry, depois tocam uma das minhas músicas favoritas da carreira deles, One Drop, originalmente lançada no disco Survival, de 1979 (não faz parte de nenhuma das duas coletâneas, mas sim da compilação Gold, de 2005). Nessa canção, Bob Marley fala abertamente que o rastafarismo é mais que uma filosofia de vida e sim uma fé política, na belíssima letra. Momento encantador do show.

As canções seguintes são duas pedradas da banda. Mais uma vez com Junior Jazz cantando, mandam mais duas do Natural Mystic: a primeira Africa Unite e a segunda Waiting In The Vain. Com um telão com um Leão de Judah cuspindo fogo, mandam ver com Iron Lion Zion, com uma bela interpretação de Brunings.

Para encerrar o show (lógico que antes do bis), atacam de Three Little Birds, num medley com One Love, fazendo todo mundo cantar junto, com a banda pedindo paz, amor e união. Jammin e Get Up, Stand Up fecham com estilo o show, mesmo que a banda tenha mandando às favas o Natural Mystic de vez.

Para o bis Aston Barrett assume a guitarra e na frente do povo canta uma emocionada Redemption Song, e com Owen Reid no baixo, a banda surpreende e toca uma nova composição, de 2024, Evolution, do último disco, com Aston cantando, algo raro em shows da banda no Brasil. O showzaço, enfim, chega ao fim com mais dois clássicos, Buffalo Soldier e Could You Be Loved, em versão extendida, prorrogando o show para delírio da galera presente.

Das certezas da vida é que não demora muito e os The Wailers voltam ao Brasil. Se um país soube abraçar tão bem o estilo, esse país é o Brasil, e particularmente, o Rio Grande do Sul tem uma cultura de reggae muito forte e o legado de Bob Marley atravessa décadas intacto. Como falei acima, seria muito melhor se a banda tivesse coragem e tocasse todo o álbum homenageado na íntegra, com certeza os presentes não iriam ficar decepcionados, mas fica difícil um show da banda sem One Love, No Woman No Cry e I Shot The Sherriff, e com tanta música boa, não é fácil selecionar. Mas outra certeza da vida é que assistir os The Wailers é uma prazerosa viagem sonora, com um reggae de qualidade e pedigree made in Jamaica que só quem conhece de verdade o riscado tem o cacife de fazer. E se mantiver a obra de Bob Marley viva nesse eterno tributo, o que para uns é um caça níquel insípido e sem personalidade, eu entendo como uma oportunidade de vivenciarmos, nem que seja por duas horas, aqueles lendários anos em que aqueles caras com dreadlock da América Central, com seu ritmo inebriante e letras profundas  mudaram o mundo da música. Afinal eles são os The Wailers.

Written By
Lauro Roth