Acústico Bandas Gaúchas 20 anos – Araújo Vianna
Talvez um dos maiores acertos, e que se tornou um fenômeno na MTV, foram os famosos unplugged. Em portugues básico, os acústicos. Diversos artistas sentaram num banquinho, pegaram seus violões e rearranjaram seus sucessos, em espetáculos que marcaram os anos 1990 e 2000. Logicamente que o que fez sucesso lá, teve reflexo aqui e diversos artistas, como Titãs e Capital Inicial, renovaram seu público com shows marcantes recheado de sucessos e até o Roberto Carlos se encantou com o projeto, chegando a gravar um acústico, que devido a questões contratuais com a Globo, nunca pode ser transmitido pela MTV e o DVD e o CD que foram sucessos de vendas, jamais puderam ser relançados.
Em 2005, uma gauchada que fazia sucesso aqui na aldeia, mas ainda não se arriscava muito acima do Rio Mampituba, foi convidada para encabeçar um espetáculo nos moldes desses acústicos. Era o Acústico MTV Bandas Gaúchas. Wander Wildner, Cachorro Grande, Bidê ou Balde e Ultramen foram as bandas recrutadas para tocar nesse projeto, gravado em São Paulo, o que para os envolvidos foi uma virada de página e tanto na carreira, já que na época a MTV era uma iluminada vitrine. A junção rendeu um DVD e um CD, onde as bandas tocaram cada uma cinco canções. E comemorando os 20 anos dessa aventura gaúcha na MTV, os mesmo grupos mais o Wander foram convocados para revolver aquele momento, só que ao invés de tocar apenas cinco músicas, tocariam dez. E é claro que o local escolhido para tanta nostalgia foi o templo do Araújo Vianna, e por coincidência em duas datas, uma delas o dia 20 de setembro, data magna do estado (na verdade foram três shows, um primeiro na sexta foi especial para convidados de patrocinadores). Eu estive lá no dia 20 mesmo, na chuvosa noite de sábado, para conferir esse momento histórico.
Abarrotado era pouco para definir o estado que estava o Araújo. Como se diz aqui no Rio Grande, mais de 4 mil viventes esperavam sentados ou de pé nas laterais do espaço para voltar no tempo 20 anos e conferir as quatro estações. Nem mesmo o aguaceiro que caía na rua impediu de a casa lotar. Muitas famílias, pais e mães levando seus filmes pequenos, e gente que em 2005 tinha por volta de 25 anos, eram o público da noite. Já se ouviam alguns apupos, quando às 19h30min Wander Wildner e sua banda subiram ao palco. Sentado com violão em punho, hoje uma pessoa zen, limpa e com uma cabeça bem distinta de 2005, abriu o show com Rodando El Mondo. Acompanhado por ótimos músicos, entre eles o Arthur de Faria na gaita, engatou a segunda música Mantra das Possibilidades, que estava no histórico show. Bebendo Vinho, que hoje tem a letra alterada porque Wander não bebe mais, fez o Araújo cantar junto. O mesmo com Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro e Eu Tenho uma Camiseta Escrita Eu te Amo, lembrando da época brega punk, com suas canções de amor, sofrência e solidão (isso que sofrência nem existia ainda como termo musical). Fecha com Ritmo da Vida, a última canção que tocou no show da MTV. Ele segue o baile com um punhado de covers, como o seu para Redemption Song, de Bob Marley, Killing Moon, do Echo and The Bunnymen, canta Secos e Molhados com Sangue Latino, Um Índio, do Caetano Veloso (aquele mesmo que na sua época de Replicantes queria fosse à puta que pariu…). Segue com Dê um Rolê, dos Novos Baianos. Depois, chama dois meninos no palco, um no violão e outro no vocal, e fecha o show com Boas Notícias. Um show correto, que começou bem, mas quando encheu o set de versões e covers, somado a sua presença ínfima no palco, apenas sentado, cansou um pouco a galera, empolgando pouco. Ah, teve parabéns à você, afinal era seu aniversário de 66 anos.






Cada troca de palco era em torno de 25 minutos, e prestes a começar o show do Carlinhos Carneiro e Rodrigo PIlla, interpretando Bidê ou Balde (mais questões contratuais e direitos de nomes), o Araújo estava mais cheio ainda, com filas para o chopp e nos banheiros, prova do sucesso do evento. Contando com ex-integrantes da própria Bidê acompanhado a banda, um tecladista mascarado e uma backing vocal, a dupla sobe ao palco e Carlinhos chega a sentar na cadeira. Mas em menos de 10 segundos, nos primeiros acordes de Microondas, já está de pé, pulando, dançando, com seu jeito Carlinhos Carneiro de ser. Por motivos óbvios, E Porque Não?, que fazia parte do disco de 2005, não está incluída no set. Seguem o baile com Deixa Desafinar, Matelassê e colocam o Araújo pra dançar com Buddy Holly e Tudo Bem. Nessas alturas Carlinhos já estava mais louco (hoje de cara) do que nunca, aproveita e chama ao palco o arroz de festa do rock gaúcho, Rafael Malenotti, e os dois tecem elogios mútuos e mandar ver no clássico Melissa, empolgando de vez o Araújo, com o povo de pé. Tocam Mesma Cidade e depois Cores Bonitas, essa interrompida por Carlinhos, que chama no palco Jade, sua esposa e mãe de sua filha, a pede em casamento, ajoelhado, com direito a alianças e tudo. E ela aceita. Carlinhos então vibra como nunca, contrastando com a cara de espanto e surpresa da noiva. Cena para entrar nos grandes momentos da história do Araújo e do rock gaúcho. A próxima canção, Faço Tudo a Pé é cantada por Pilla, que é o compositor dela. Seguem o show com Lucinha, Bromélias e findam o baile com Mesmo que Mude, onde Carlinhos invade as cadeiras do auditório, passando pelo meio do público, porque queria encontrar seu sogro e pedir a aprovação dele pro casamento. O Bidê, que não é mais Bidê, faz um agitado show, ajudado pela intensidade de Carlinhos, que não pára um segundo, sempre ligado em 220.






Ultramen é a terceira banda da noite. Uma banda que mistura tantos ritmos e usa DJ em um formato acústico pode até ser estranho, mas o que vimos foi Tonho Crocco levantar a massa do início ao fim. Começando com Ultramanos, Máquina do Tempo e Preserve, três pedradas que levantaram a massa. O festival de porradas sonoras segue com Na Crista da Onda, Santo Forte e o super sucesso A Dívida. Pedro Porto no baixo, Leonardo Boff no piano, Zé Darcy na bateria e DJ Anderson não se intimidam com o formato e fazem um show sensacional. Teve ainda Coisa Boa, a homenagem ao Luiz Wagner com Grama Verde, um Araújo enlouquecido com Tubarãozinho e um final antológico com Amigo Punk, do Graforréia, e Peleia. Disparado o melhor show da noite, Tonho Crocco comandando a massa e fazendo, às 23h30min da noite, a galera cantar junto.






Com mais tempo que o normal para a troca de palco, a Cachorro Grande subiu ao palco mais de meia noite. Depois do show da Ultramen, não se poderia esperar tanta animação da plateia, cansada, desde as 19h dentro do Auditório. Mas eis que surge a Cachorro Grande, com Gabriel Boizinho na bateria, Marcelo Gross na guitarra e Beto Bruno no vocal. Os três eram os remanescentes daquele show de 2005, já que Pedro Pelotas não estava lá e quem tocou piano foi Mari Kerber e hoje quem toca baixo é Eduardo Barreto. A lenda Luciano Malásia tocou percussão com a banda. Com uma plateia cansada, mas não querendo se entregar, a banda apresentou o mais do mesmo de sempre, com Sexperienced, Hey Amigo e Que Loucura. Para o Cachorro o formato acústico não funciona tão bem, sem a guitarra de Gross fica amenizada a porrada sonora da banda. O Dia de Amanhã relembra o início de tudo, com Debaixo do Chapéu. Ainda teve O Bom Brasileiro, um resgate da canção Lili, o sucesso Dia Perfeito e Sinceramente, essa numa linda versão com piano e acaba com a empolgante Você Não Sabe o que Perdeu, agitando de vez o cansado público do Araújo. E claro, teve Gross quebrando o violão e as loucuras de sempre dos Cachorros, isso quase uma hora da manhã de domingo, encerrando a nostálgica noite, que relembrava uma era em que o rock gaúcho fazia a cabeça da gurizada.







Indo para o show, peguei um uber que me indagou – por que o rock não faz mais tanto sucesso entre a juventude? Não tenho a resposta certa, mas creio que o rock deixou de fazer a cabeça da gurizada quando ela não conseguia mais se identificar com seus ídolos. Música jovem tem que ser feita por jovens, e uma banda com cinquentões dificilmente vai atrair adolescentes, salvo quando os pais, como naquele sábado, inspiram os filhos para curtir seus ídolos. A nostalgia é ótima, relembrar é viver, mas às vezes penso que o rock não sai mais do lugar por causa dessa eterna idolatria pelos mesmos. Não era bem o caso do Acústico Bandas Gaúchas, mas é curioso saber que Carlinhos tinha 26 anos, Tonho Crocco uns 30, Beto Bruno por aí também, era gente jovem que vendia seu produto para gente jovem. A noite de sábado passado foi histórica, tivemos momentos memoráveis, com fortes emoções que lembraram esse tempo, mas fica a impressão que vivemos demais da nostalgia e às vezes nos fechamos para o novo. Enfim, as quatro bandas não têm nada que ver com isso e o que ficou foi um encontro que estará na memória das mais de 11 mil pessoas que passaram pelo Araújo nas três noites, e quem presenciou isso jamais vai esquecer.