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MÚSICA

Samba 90 Graus – Araújo Vianna

Samba 90 Graus – Araújo Vianna
  • Publishedsetembro 16, 2025

Houve um tempo, mais ou menos há uns 30 anos, que o Brasil teve a música dividida comercialmente em três gêneros. Um deles, o carnavalesco, ritmo contagiante da axé music, outro, as românticas, e então, modernas duplas que faziam o que se chamava de sertanejo, por último o pagode, ou samba romântico. Deste último, tendo como precursor os paulistas do Raça Negra, que misturavam o samba rock com teclados e naipes, muito romantismo exacerbado nas letras e um visual característico. Chamado de samba paulista, uma penca de bandas surgiram na esteira do Raça Negra e rechearam as rádios com sucessos inesquecíveis e seus frutos, com suas roupas parecidas, cortes de cabelo parecidos e coreografias, batiam ponto semanalmente nos programas de auditório como Gugu e Faustão. Lógico que, como toda a febre, só sobraram e marcaram mesmo alguns grupos, com destaque para o Só Pra Contrariar, Soweto, Grupo Raça, Katinguelê, entre outros. Três outros, em especial, fizeram bastante sucesso, como o Negritude Júnior, do carismático Netinho de Paula, o Exaltasamba, que revelou Péricles e que teve Thiaguinho como substituto de Chrigor, e o Art Popular, do excelente Leandro Lehart, mas que teve o ótimo Marcio Art como seu vocalista por muito tempo. 

Netinho, Chrigor e Marcio Art, então, juntaram as forças e se uniram para um projeto que promete muita nostalgia, sucessos na ponta da língua do povo e muita música popular de verdade. Chamado de Samba 90 Graus, os três pagodeiros românticos atravessam o Brasil num baile de primeira do estilo e Porto Alegre, sábado passado, no Araújo Vianna, recebeu esse encontro das três feras, que o NoSet acompanhou de perto.

Um Araújo lotado, com caras diferentes das habituais, mas  prontas pra curtir, cantar, sambar e se entregar nessa máquina do tempo com destino aos anos 1990. Esse era o cenário de sábado passado no coração do Parque Farroupilha. Mas como de praxe, um atraso de 45 minutos deixava impaciente a galera e eu, em mais um desrespeito incrível dos artistas e suas produções com os pagantes e fãs. Não tem como um show marcado para às 21h começar às 21h45min. Isso é uma vergonha. Pronto, depois do desabafo, no palco tínhamos três blocos no centro e uma banda espremida, cada um em um lado do palco, à esquerda a rapaziada da percussão e à direita a da harmonia. Com muitas luzes (péssimas para fotos) e telões de led por todo lado, o trio surge e cada um assume um dos blocos do centro. O que segue então é Netinho de Paula, Chrigor Lisboa e Marcio Art comandando por mais de duas horas dezenas de clássicos da carreira de seus consagrados grupos, algumas pitadas de carreira solo e muitas homenagens. Não faltou Cohab City, Vem pra Cá, Gente da Gente, Absoluta, Falando em Segredo, 24 Horas de Amor, Utopia, No Pagode e Eternamente Feliz.

Não preciso falar que desde a primeira música até a última o povo ficou de pé, numa animação contagiante no Araújo, e estávamos apenas no começo do show. A banda, com uma excelência, executava com esmero, mesmo em segundo plano, esmagado nos lados, com destaque para as duas backing vocals. Quem dá um show à parte é Netinho de Paula. Ele é uma simpatia pura, com sorriso de orelha a orelha, dança, canta, discursa, se emociona. Chrigor, infelizmente, está bem engessado, quase parado e com uma voz que pouco lembra os anos 1990, com momentos bastante constrangedores em algumas interpretações, e Marcio Art é um senhor cantor, com um timbre forte e alto, ele continua cantando demais. Destaque negativo é mais uma vez a equalização do som. Parece que o samba não combina com o Araújo, tudo muito alto, soando agudo demais e os vocais embolados, perdidos em tanta massa sonora. Nem o show do Sepultura foi tão alto e incomodou tanto os ouvidos quanto algumas partes do espetáculo (sem contar quando o Chrigor cantava). Mas o trio é afiado, manda um Maneiras, do Zeca Pagodinho, tem aquele momento A princesa e o Plebeu, quando Netinho relembra seu quadro Dia de Princesa na TV e levam uma menina da plateia ao palco e entregam rosas.

Rola Sem Abuso, Carona de Amor e Me Apaixonei pela Pessoa Errada. Tem a homenagem ao Raça Negra, o grupo que abriu as portas para os pagodeiros dos 90, com Que Pena. Os Morenos são lembrados com Marrom Bombom, ou como Netinho diz, Marrom Negão. Tocam ainda Pela Vida Inteira, do Jeito Moleque. Marcio Art assume mais uma da sua ex-banda com Som da Razão em medley com Gandaias e com o clássico Zé do Caroço, agitando a massa. Netinho então avisa que agora vem as pedradas românticas dos anos 1990 e quem viveu paixões nessa época com outras pessoas que saibam que foi apenas uma ponte para ser a pessoa que é hoje. Depois do discurso manda ver com Olhos Vermelhos, Indiferença e Quer Casar Comigo?, no momento paixão antiga do show. Chega a vez de Chrigor mandar canções do Exalta, aquelas de cair a lágrima quente, como Louca Paixão, Desliga e Vem e Quem é Você, fechando uma versão de Pra Não Pensar em Você, do Zezé di Camargo, de doer os ouvidos de tão mal interpretada. Sorte que Marcio Art assume e manda três clássicos de amor do Art Popular, Primeiro Beijo, Encontro e Iraê. Mas show com Marcio Art pede trovoadas, raios e chuvas. O cantor sobe num dos quadrados do meio do palco, com o telão com aquele tempo feio atrás e provoca a catarse no Araújo cantando Temporal. Poucas vezes vi tanta gente hipnotizada e cantando junto uma música, mas também é impossível não se emocionar com o show vocal do cantor. Vale o ingresso a interpretação de Márcio Art para esse super clássico do pagode. Depois desse momento ele até poderia sair do palco, mas ainda manda uma Nani para o público ainda embriagada com o temporal.

Netinho assume e manda um sucesso da sua ex-banda, Que Dure Para Sempre e Chrigor atende até um celular antes de cantar Telegrama. Depois, Marcio Art assume a festa com os dois companheiros mandando sucessos dançantes do Art, como Amarelinha, Pimpolho, Mata Papai e Fricote. Marcio passa o cetro pra Netinho, que comanda o fim do baile com Tanajura, com ajuda da excelente banda, mas infelizmente com instrumental altíssimo, e fecha a noite de pagode com Beijo Geladinho, finando duas horas e 20 minutos quase sem parar de sucessos que lavaram a alma do povo.

Queria poder falar que o Samba 90 Graus foi uma grande experiência, com a presença de três ícones do pagode dos anos 1990 e início dos anos 2000. Mas infelizmente os problemas de som, o atraso e o próprio Chrigor diminuíram muito o tamanho do show. Netinho continua o cara de sempre, animado, canta muito e agita a massa e Marcio Art é puro talento, mas o show às vezes parece bagunçado demais, com muitas luzes e telões que acabam perdendo o foco que é a música. Claro que sucessos não faltaram e talento não é problema, mas confesso que esperava mais. Acredito que as 4 mil pessoas que foram por serem fãs não se arrependeram e tiveram um noite inesquecível, vendo seus ídolos e cantando como se tivessem 16 anos novamente, mas ficou uma sensação de que poderia ser melhor. Fica o registro de ver um Araújo repleto de gente como a gente, que paga pra cantar junto, dançar, beber, pular e não apenas tirar selfie, colar a bunda na cadeira e não saber uma música do artista que está tocando.

Written By
Lauro Roth