É o Tchan no Araújo Vianna
Não tem como não se falar em anos 1990 em Terra Brasilis sem lembrar de um dos seus maiores ícones. Para o bem ou para o mal, de 1994 até início dos anos 2000, um grupo de samba baiano, no embalo da axé music, fez o país todo requebrar com canções safadas de duplo sentido e muito balanço. Falo, é claro, do É o Tchan. Os baianos Compadre Washington e Beto Jamaica comandavam a festa, mas os dançarinos do grupo viraram ícones nacionais, Carla Perez, Jacaré, Scheila Carvalho e Sheila Mello. Com discos temáticos nos lugares mais aleatórios (confia), vendiam CDs como água e suas coreografias ainda fazem a cabeça de uma geração que hoje é ávida pela nostalgia noventista.
Aproveitando essa onda, o grupo que comemorou 30 anos em 2024, mas com a dupla de cantores com mais de 40 anos de serviços prestados ao axé, desde os tempos de Ilê Aiyê até os primórdios do grupo como Gera Samba, anda fazendo shows pelo Brasil afora mostrando que os anos 1990 e o tchan é difícil de segurar. Ano passado fizeram um show antológico em um Araújo Vianna lotado em Porto Alegre, com o time quase completo, Beto, Washington, Jacaré e as Scheilas (uma sem C) e esse ano repetiram a dose, mas sem a Carvalho e o Jacaré, em mais uma noite inesquecível de música popular (a verdadeira) brasileira. E o NoSet, na primeira cobertura de 2025, estava lá para acompanhar o que um dia foi o novo e revolucionário som de Salvador.
Sexta-feira de verão em Porto Alegre, a cidade é naturalmente esvaziada, mas mesmo com esse porém, um ótimo público compareceu ao Araújo Vianna naquela estrelada noite. Muita gente de cosplay de dançarina, roupas e sapatos confortáveis e faixinhas na cabeça estava lá pra dançar muito ao som dos baianos. Como negativo, um gigante atraso de quase uma hora deixou o povo (com razão) muito inquieto, coisas que muda ano passa ano, e esse problema de shows no Brasil se repete com a total falta de respeito com horários. Enfim, por volta das 22 horas uma arretada banda sobe ao palco e serve de cama sonora para o novo grupo de dançarinos brincarem. Mas é com a chegada de Beto Jamaica e o lendário Compadre Washington que o Araújo se entrega de vez para o ritmo de samba de roda moderno da boa terra. Voltando no tempo, começam o show com Paquerei, um dos primeiros sucessos, aquela do novo som de Salvador. Mesmo com 31 anos de vida, o É o Tchan contagia, hipnotiza e não deixa ninguém parado. E o que se viu depois foi uma sucessão de hits da banda, de todas as fases, mas na quarta música Beto Jamaica anuncia a chegada dela, com 60 de cintura, 1,70 de altura e 105 de bundinha. Então surge ela, a nova loira do Tchan, Sheila Mello, esbanjando talento, abundância (como diria o compadre) e muita simpatia, fazendo Porto Alegre vibrar.
Sheila, uma das melhores dançarinas do Brasil, continua em forma e esbanjando vigor nas físicas coreografias do grupo. Fica umas duas músicas e depois sai provisoriamente de cena. O show segue no ritmo de festa, Compadre Washington chama tanto homens e mulheres pro palco pra dançar com eles o Melô do Tchan, em um momento impagável do show, em que o público era estrela. Um palco democrático, onde uns eram melhores, outros mais desengonçados, mas todos rebolavam e encenavam as coreografias num instante em que apenas a diversão era o mote. Teve a Dança da Cordinha, com direito à corda no palco e os novos bailarinos dando show e também muitas espalhadas pela plateia imitando os artistas.
É o Tchan seguiu com sucessos de quando o grupo fazia pirraça no mundo todo (ao menos nos temas das capas dos discos), na selva, no Egito (aquele que fazia a cobra subir), no Japão, e é claro, no Hawai, logicamente com todos os passos telegrafados pelo povo.
Beto Jamaica, com sua desenvoltura de história como vocal de grupos de axé, fez uma homenagem ao ritmo fazendo um pot-pourri com Faraó, Amor Perfeito, Eva, Araketu é Bom Demais e um Eu Te Amo do Roberto Carlos no meio. Como bons marketeiros anunciam a música do É o Tchan pro carnaval da Bahia de 2025. A canção Jogadinha é cantada mais de uma vez pra ver se a galera aprende o refrão. Não teve muito sucesso, mas valeu a intenção.
Vale destacar a presença de Compadre Washington, que com seu jeito bonachão e divertido contagia a galera, sempre com tiradas divertidas e extrema alegria. Beto Jamaica já é mais centrado, canta melhor mas não perde em animação. Uma dupla perfeita para um grupo que já é história popular e cultural do Brasil. Seguem homenagens com músicas como Pimpolho do Art Popular, e uma justa homenagem ao gigante Anderson Leonardo do Molejo, que nos deixou ano passado, com Brincadeira de Criança e Dança da Vassoura.
Sheila Mello volta e meia dá seu ar da graça e a galera, a cada vez que a loira surgia no palco, delirava. Diga-se de passagem, um dos públicos mais animados que vi em 90 coberturas de Araújo. Não tinha ninguém lá pra ficar parado, a diversão e o sacolejar eram a ordem da noite. Claro que falando de shows, mais uma vez como em muitos shows de samba, pagode e axé, a equalização estava muito ruim, vozes muito altas estourando os tímpanos alheios e o som sempre no talo. A banda era boa, mas muitas vezes o tecladista se atrapalhava ao soltar as trilhas e umas músicas ficavam uma massa sonora desconexa. Logicamente, a dupla Beto e Washington não tem mais a voz que tinha outrora e hoje estão muito mais comedidos. Compadre sempre enganou mais que cantou, mas Beto era um bom cantor, hoje está cantando de maneira mais contida nos agudos.
Mas voltando, ainda tivemos covers como A Boquinha da Garrafa, com muita gente quebrando os quadris na plateia, Olha a Onda e números impagáveis como A Tomada, além de Bomba dos gloriosos Braga Boys. Rolou também um dos maiores clássicos do grupo, com direito a mais uma leva de espectadores com seus bambolês para dançar Bambolê no palco, com Sheila voltando e arrasando em talento e simpatia. No final do show o Araújo já tinha virado uma avenida de Salvador em dias de carnaval, com direito a Arerê da Ivete Sangalo, Água Mineral do Carlinhos Brown, vai e vem da plateia que pulava como pipoca e muito tchan, suor e cerveja, chopp ou qualquer coisa que pudesse matar a sede depois de tanta diversão.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta