Nando Reis apresenta Estrela Misteriosa no Araújo Vianna
Em quase três anos de coberturas de shows para o NoSet em Porto Alegre, com certeza o artista que mais prestigiamos foi o Nando Reis. Tanto em carreira solo, como em parcerias com AnaVitória e Pitty e na célebre turnê dos Titãs, empunhando seu contrabaixo, foram quatro vezes que assistimos o artista. Nando, depois de um tempo, voltou a gravar. Recém soltou o seu mais novo projeto Uma Estrela Misteriosa, um álbum triplo de inéditas canções. Com produção de Barrett Martin e participações de luxo de nomes como Mike McCready, Peter Buck, Krist Novoselic, Duff McKagan, além de seus fieis escudeiros, Felipe Cambraia, Alex Veley, Walter Villaça e seu filho Sebastião Reis, é um projeto grandioso em tempos, já que hoje em dia as músicas são lançadas em conta-gotas e soltar um álbum triplo é algo ambicioso. Mas como o ruivo gosta mesmo de palco, juntou um time dos bons e está viajando o Brasil para mostrar esse novo projeto. Esse show esteve em Porto Alegre sexta passada, no Araújo Vianna e mais uma vez o NoSet estava lá acompanhando José Fernando Gomes dos Reis nos palcos.
Conhecido por lotar plateias, e tendo um público fiel aqui no Rio Grande do Sul, confesso que achei digamos assim falando, fraco o número de pessoas no Araújo. Pouco mais de meia casa cheia para conhecer o novo projeto do artista, que por volta das 21h35min subiu ao palco. Com Barrett Martin na bateria, a lenda Peter Buck na guitarra, seu filho Sebastião no violão, e seus habitués de palco Felipe Cambraia no baixo, Alex Veley nas teclas e Walter Villaça na guitarra, Nando já mostra o cartão de apresentação de seu novo disco com uma sequência de três novas canções. Rio Creme, Rhipsalis e A Chave. Das três, a segunda empolgou mais, e como de praxe para canções novas, o público esboçou pouca reação, sentado, com tímidos aplausos. Nando também anuncia que no show teremos intérprete de Libras para surdos, num projeto de estimular a inclusão nos seus espetáculos. Estrela Misteriosa, que dá nome ao álbum, talvez a mais bonita canção do projeto, segue o show, mas também pouco embala a pacata plateia pouco afeita a novidades.
Mas foi só Nando tocar Segundo Sol, que os tímidos espectadores começaram a se empolgar, na sua composição imortalizada na voz de Cássia Eller. Só que Nando veio colocar a estrela pra fora e mandou mais uma do novo disco, Começar é Poder Mostrar, em mais uma fria recepção da galera. Um dos pontos negativos do show foi o excessivo volume do som. Estava tudo muito alto, com a voz de Nando estourando e a banda tocando nas alturas, o que desagradava os ouvidos. Uma das características do novo projeto é uma mistura progressiva (sem tanto virtuosismo) com músicas cadenciadas, que hora explodem em massas sonoras, e às vezes seguem a cadência típica do Nando. Composições diferentes do seu estilo, mas não fugindo do padrão de letras do artista. E não deixa de ser um prazer assistir Peter Buck, um dos co-fundadores do R.E.M. tocando no show. Buck esbanja elegância e acordes certeiros, deixando Villaça com os solos mais complexos e pesados.
A plateia se anima de novo com Dois Rios, outra que fez sucesso na voz de Samuel Rosa e do Skank, e mesclando novas e inéditas, toca a fraca Azul Febril. Luz dos Olhos, em que mostra todo aquele doce romantismo de Nando, segue o baile, mas mais uma vez quebra o clima apresentando Tentação, do novo disco. Não sei qual é a lógica de montagem de um repertório quando se tem tanto sucesso. Eu colocaria umas cinco novas de vez e arquivaria o disco, vamos combinar, ninguém se importa tanto com músicas novas, uma triste realidade que sempre falo, a culpa é do povo, que não tem cabeça aberta a novidades e dispersa totalmente com canções inéditas. Ou eu faria um show só com músicas novas, o que seria um termômetro pra ver quem é fã do artista ou dos seus sucesso. Enfim, voltando ao show, ele ganha a plateia de novo com N, e mais uma vez interpreta uma nova, dessa vez, Depois de Amanhã.
Com Sou Dela, algumas pessoas começaram a se levantar das cadeiras, até o momento parecia que estavam coladas a elas, mas logo sentam de novo com a fraca Corpo e Colo do novo disco, era quase um exercício de senta e levanta.
Nesse instante, Nando brinca com a plateia anunciando que vai tocar uma nova canção e quer que o público aprenda na hora. Com um simples refrão e melodia singela, a galera responde bem e canta com ele Dois Réveillons, num belo momento de interação público e artista. All Star Azul, em que mais uma vez fala da importância de Cássia Eller na sua vida, anima mais uma vez o público e o show engrena de vez quando ele toca uma maravilhosa versão de Relicário.
Nando então, pega o microfone e fala sobre seus anos de dependência de drogas e, principalmente, o alcoolismo. Diz que está limpo desde 2016, se emociona com a luta diária que é enfrentar uma dependência química e o estigma que um alcoólatra tem na sociedade. Se diz um vencedor daquele dia e fala o quanto perdeu grandes momentos de sua vida acabado no vício. Depois toca uma canção nova que fez pra sua filha, Daqui por Diante, uma letra otimista e quase uma música de Natal, num dos momentos mais bonitos do show.
Depois do forte desabafo ilustrado em canção, levanta pela primeira vez o Araújo com Pra Você Guardei o Amor, cantada em voz alta pelo povo, seguindo e mantendo o padrão, cantando a nova A Tulha. Emocionado por estar tocando com o filho, Nando deixa o violão de lado, pega o microfone e canta a singela homenagem que fez quando Sebastião Reis nasceu, a empolgante O Mundo é Bão Sebastião, que junto com Des-Mente de disco da Estrela, a banda faz aquelas jams clássicas em versões longas e arranjos vibrantes, características desde a época dos Infernais, ex-banda de apoio dele. O mesmo segue para a lindíssima Os Cegos do Castelo, em que a plateia vibra com um Nando alegre, que chama os intérpretes de Libras pra dançar junto, com direito a Alex Veley levar o teclado pra frente do palco, fazendo o Araújo virar uma festa.
Para o bis, guarda Por Onde Andei, uma das mais esperadas do público e fecha o show com Marvin, cover de sua ex-banda, os Titãs, ao menos um final esperado e sem grandes invenções, que deixou a plateia feliz com canções, como diria uma piada, “das antigas”.
Minha definição do novo show de Nando Reis, Estrela Misteriosa, é que ele é ao mesmo tempo o melhor e o pior show dele. Diria o melhor, por que ele ousa, não se acanha em apresentar as músicas novas de seu mais novo trabalho (o primeiro sóbrio de sua vida ), faz um repertório das antigas, deixando muito sucesso de fora, tem o apoio de uma super banda, com arranjos mais pesados e robustos e comanda com muita simpatia e talento duas horas de espetáculo. O pior seria, não no jeito de ser um show ruim ou mal tocado, e sim, porque um cara como o Nando, um artista popular, tem muitos fãs que vão ao show para cantar junto e o excesso de canções novas pode ter ou afugentado (pelo público baixo) ou assustado quem foi, ou seja, talvez decepcionado a galera mesmo.
Tentando definir em algumas palavras, Nando tem um show ousado, competente, com canções novas, que acredito que não terão o grau de popularidade de outrora (o mundo mudou), mas mostra que está em forma poética e sonora e não tem medo de experimentar, e principalmente renovar, mesmo que isso possa incomodar parte de seu imenso público.