Lulu Santos apresenta show Barítono no Auditório Araújo Vianna
Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu a um segundo. Começo esse texto com essa frase da canção de Lulu Santos e Nelson Motta para comemorar um momento especial. Justamente no show de um dos autores da frase, o NoSet RS completou 80 coberturas de show, desde março de 2022 no Araújo Vianna. Foram 74 shows diferentes, nenhum igual ao outro, cada experiência única e marcante e com direito a bis somente no Caetano, no Zeca Pagodinho e agora no Luiz Maurício, nosso querido Lulu Santos. Se nós completamos 80 vezes Araújo, o artista carioca ia para o show de número 90 da turnê Barítono, sendo o terceiro em Porto Alegre (iria fazer outro no sábado). E como sempre, em cada uma das outras 79 coberturas, o NoSet estava lá como privilegiado, pela segunda vez, para ver o maior hitmaker pop do Brasil.
Contrariando a massa, e repaginando seu repertório, Lulu com esse show, baixou o tom de seus sucessos, encontrando o tom ideal para suas interpretações, saiu daí o barítono. Muita gente não entendeu o acerto e conforto vocálico do nosso guitar hero e acaba achando que as canções perderam o punch, mas Lulu sabe o que faz. Com um bom público, no seu show extra, o cantor, com uma pontualidade exemplar, sobe ao palco e de quebra já emenda três sucessos que dispensam comentários. A trinca Toda Forma de Amor, Um Certo Alguém e O Último Romântico enlouquecem o Araújo Vianna. Ninguém mais sentou naquele festival de sucessos com LuLu cantando em tons abaixo, mas jamais perdendo a aura.
O seu time de apoio é fantástico. Jorge Ailton, seu irmão espiritual no baixo, Sérgio Mello arrebentando na bateria, Robson Sá dançarino, simpatia e backing vocal, Hiroshi Mizutani nos teclados e o faz tudo Tavinho Menezes, mais que uma simples banda de fundo, um show à parte. O que vemos e ouvimos em sequência são aqueles petardos sonoros que embalam o Brasil há mais de 40 anos. Advinha o quê, Tudo Azul, aquela homenagem classuda à rainha Rita Lee com Caso Sério. E como o tempo voa, ele não perde o tempo e manda Tempos Modernos e clama para o amor não ir pra Nova Iorque com Tudo com Você. Na turnê habitual, explica o porquê de tocar Esse Brilho no Olhar, depois de 30 anos, mas dessa vez, encurta tudo e manda de primeira a música, mostrando que está mais seguro do que nunca. Mais uma vez, como no show do ano passado, tem que dar um crédito à técnica da banda. Com uma sonoridade precisa, no ponto, Lulu faz o show com um som cristalino, com uma equalização exemplar, dando gosto de ouvir e curtir o caminhão de sucessos do artista.
Seguindo, Jorge Ailton manda ver com Pra Sempre, mostrando que além de exímio mestre das quatro cordas, canta muito bem. E parece que não tinha nem dedos pra contar de tanta música boa e seguimos curtindo Tudo Bem, A Cura e confessando e admitindo fraqueza, a emoção desabou em mim com Apenas Mais uma de Amor, umas das mais lindas canções do Brasil, sem sombra de dúvida. Como somos feitos de mais som que silêncio (ainda mais num show desses), o Araújo todo cantou junto e bateu palmas (sim, Lulu gosta de palmas) com Certas Coisas. Com auxílio de Jorge dividindo vocais, prova que a plateia e o cantor sabem porque ele estava ali no Araújo, tocando uma vibrante Um pro Outro, umas das minhas preferidas do cancioneiro de quilômetro de quilates do Lulu. Mesmo que o sábado ainda estava batendo na trave, uma sexta à noite também pode causar surpresas e com a sequência Sábado à Noite, Já É e Assim Caminha a Humanidade, o salão de festas estava em êxtase. Como diria o poeta no palco, ainda vai levar um tempo pra mensurar esse momento. Tirando trocadilhos à parte, esse show foi muito mais solto que o que vimos ano passado. Lulu mais rodado, mais dono de si com sua voz e arranjos, fez um show leve, empolgante e competente, o que dá mais inspiração para um artista com mais de 70 anos ter coragem e se reinventar. No final do show, com um mar de braços e mãos, Lulu solta o fundo do mar do teor de suas canções invocando sereias, a Califórnia e as ondas da nossa existência, fazendo do medley com Sereia, De Repente Califórnia e Como uma Onda, numa prova que aproveitar os pequenos grandes momentos da vida é a chave de tudo.
Para o bis, mostrando que temos que sempre querer o que nós temos, toca Tão Bem, pra delírio da massa, antecedendo uma visceral Casa, com direito a um solo apoteótico do Lulu, que a cada ano toca melhor, provando por que é um dos maiores guitarristas do Brasil e há muito tempo. Depois de fecharmos os olhos e apenas seguirmos o ritmo, mais uma vez o velho Araújo explode com a homenagem do Lulu ao nosso síndico Tim Maia, com aquela versão pulsante e dançante de Descobridor dos Sete Mares, com todo mundo dançando e refrescando o “cecê”, como diria o mestre Tim ao levantar os braços.
Lulu é um patrimônio nacional. Mais solto, confortável e ciente de que a reformada no seu set foi um grande acerto, nos apresentou um show gigante, espetáculo de primeira, com todos os detalhes nos trinques. Um repertório invejável, provando que mesmo com tudo mudando o tempo todo no mundo, inclusive sua voz e carreira, ele é uma unanimidade musical e faz um bem danado de bom para quem tem o privilégio de ouvir, cantar e dançar Lulu e ainda bem tivemos novamente!
Crédito das fotos: Vívian Carravetta