Zezé di Camargo Rústico no Araújo Vianna
Domingo de festa da democracia no Brasil, a festa de verdade foi a noite no Araújo Vianna. Zezé di Camargo voltou para Porto Alegre, dessa vez sem o irmão Luciano, para apresentar para o povo gaúcho o seu show Rústico. O que começou com lives na pandemia, o cantor goiano montou uma banda, criou um set list com novas e velhas canções e viaja pelo Brasil mostrando que sozinho também sabe fazer bonito. E o NoSet esteve lá mais uma vez para contar tudo aqui.
Com um ótimo público, mas longe de lotação esgotada, uma produção de poucos amigos para os jornalistas e fotógrafos, com menos de meia hora de atraso, a banda do cantor sertanejo sobe ao palco. Com dois guitarristas, entre eles o grande Felipe Duran, bateria, teclados, gaita, baixo e dois backings, com um telão espetacular ao fundo, o grupo faz um número instrumental misturando sucessos da carreira da dupla até a entrada esperada de Zezé, para delírio dos seus fãs. Começa o show com No Dia em que Eu Saí de Casa, clássico imortalizado no filme Dois Filhos de Francisco, com uma sempre emocionante interpretação do cantor.
Esbanjando charme e simpatia, ele abandona os óculos escuros e segue com Fera Mansa e faz todo mundo cantar junto com Menina Veneno. Três petardos da carreira da parceria dele com o irmão. Zezé conversa com o público, se emociona ao lembrar os dramas da enchente no nosso estado e segue o baile com a lindíssima canção de Márcio Greyck, Vivendo por Viver. Aí em diante, usa e abusa de medleys com seus sucessos como Saudade Bandida, Faz Mais Uma Vez Comigo, Me Leva pra Casa e Dou a Vida por um Beijo. É incrível que cada canção dessas esteja nos corações e memória da gente, independente se gostamos ou não do cantor. Músicas populares de primeira, de uma época em que o popular ao menos se esmerava em fazer obras marcantes.
É sempre bom falar do Zezé. É indiscutível o talento e história de um dos maiores cantores sertanejos de todos os tempos, com sua voz aguda e característica, moldou uma geração e inspirou muita gente. Mas Zezé hoje não é mais a sombra do que era. Sofre muito para alcançar certas notas, insiste em não baixar tons das músicas, e no jargão musical, dá muito na trave engasgando e falhando a voz. Em comparação ao último show que cobrimos, ano passado, está mais solto, com uma voz melhor e tem um casal de backings cobrindo eventuais deslizes do Zezé. Minha função é não passar pano pro artista, é nítido o desgaste vocal dele, mas que é compensado pela sua simpatia e animação constante.
Voltando ao show, ele segue com a fábrica de sucessos com Sem Medo de Ser Feliz, a power ballad e uma das minhas preferidas Pra Não Pensar em Você e depois emenda mais um medley com Toma Juízo e aquela música que tem a cara de balada do Bon Jovi, Preciso Ser Amado. Outra característica do show, além de um telão muito bem colocado decorando o palco de uma maneira fantástica, é a liberdade da banda do cantor. Os dois guitarristas, em especial o Felipe Duran, tem liberdade pra andar pelo palco, os backings idem, gaiteiro que vai pra frente do palco, fugindo daquele esquema de simples banda de apoio, dando um clima e um punch diferente e contagiante para os velhos sucessos do cantor.
Em um momento intimista, Zezé senta em um retorno do palco e fala da canção que mudou sua vida, no distante 1991, puxando com a plateia um emocionado É o Amor, naqueles momentos inesquecíveis do Araújo e da música popular realmente popular do Brasil. Segue com A Ferro e Fogo e pede uma pausa para trocar de camisa, fazendo piada com o suor chegando a locais que causam sensações desagradáveis do corpo. Nesse momento da saída dele, a dupla de backings esbanjando talento canta Mentes pra Mim.
O filho de Pirenópolis então volta com uma regata branca, expondo a tatuagem do velho Francisco no braço e divaga sobre canções lado B de seus discos, e à capela, manda um Coração Está em Pedaços, que não era pra ser música de trabalho na época, e depois outro sucesso, Na Hora H, outro exemplo de como as gravadoras às vezes erram no gosto popular. Logo após entram no palco dois trompetistas e Zezé emenda dois sucessos clássicos da música sertaneja, Estrada da Vida de Milionário e José Rico, Do Outro Lado da Cidade de Guilherme e Santiago, e uma nova de seu repertório, Vou Ter que Tomar Uma. Outro detalhe do show são os canhões que despejam confetes e serpentinas dando um clima de decoração de carnaval para o Araújo. Em seguida, em mais um momento emocionante, o cantor fala da importância de Teixeirinha para sua formação musical e o quanto admira Querência Amada, cantada à capela por ele e pelo povo, que a cada vez que é lembrada nos palcos da vida emociona cada vez mais os gaúchos, ainda mais nesse trágico 2024.
Segue com Frente Fria, outra canção nova de Zezé, diga-se de passagem, lembrando o velho jeito sertanejo pop de compor. O bailão do Camargo segue com a lindíssima Você Vai Ver, fazendo os apaixonados dançarem juntinhos, que emendada com Pão de Mel, com seu indefectível “Ai ai ai ai ai ai ai ai, esse amor…” pra delírio de uma plateia já em pé. Sonho de Amor, que fez sucesso na voz de Patrícia Marx, vem em seguida e antecede a dançante Mexe Mexe, transformando o Araújo numa festa de peão. Para encerrar duas horas primorosas de sucessos, tocam Flores em Vida, versão de uma música de Vanessa da Matta, com direito a discurso do cantor, de que temos que viver nossa vida intensamente e só nós somos donos de nossos destinos.
Zezé di Camargo Rústico explora pouco as inéditas do disco de mesmo nome do cantor, mas acerta em repaginar os inúmeros sucessos de sua carreira com arranjos mais robustos e pulsantes, transformando o show em quase um grande greatest hits de Zezé di Camargo e Luciano. Se Zezé ainda tem voz… provou que tem, como falei antes, ainda sofre para chegar em algumas notas, mas segura bem duas horas de show com um carisma irresistível, bom humor e simpatia, em um show que só faz bem para quem compareceu. Gostem ou não do cantor, ele faz parte, há mais de 33 anos da nossa história, com canções que marcaram e ainda marcam muita gente, e eu faço parte desse time.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta