Benito di Paula no Araújo Vianna em Porto Alegre
Sambista, sambeiro, pianista, cantor romântico, cafona, elegante, visual marcante, são alguns adjetivos para definir um dos mais populares e amados cantores da verdadeira música popular brasileira, e por que não, como ele definia seu ídolo Ataulfo Alves, e eu não tenho dúvida nenhuma de qualificar, mestre Benito di Paula. No alto dos seus quase 82 anos, o versátil artista pintou domingo por Porto Alegre, com seu insubstituível piano de cauda e acompanhado do seu filho, o talentoso cantor Rodrigo Vellozo, em mais um espetáculo no Araújo Vianna. E eu conto para vocês um pouco dessa mágica noite.
Chega a ser covardia para mim falar do Benito. Sou fã confesso dele, suas canções me tocam, me emocionam, tanto suas românticas, seus sambas animados, seus sambas tristonhos, é sempre um prazer assistir ao Benito. Com um bom e fiel público, vestindo um terno branco, bigode e cabelos negros, combinando com a gravata, o mestre, por volta das 20h15min adentra ao palco, agradece a plateia e vai para seu habitat preferido: o seu piano. E começa o show com um dos seus maiores sucessos, Como Dizia o Mestre, aquela que diz que a valentia do homem acaba quando a mulher que se ama vai embora. Não preciso dizer que todo mundo cantou junto e cantou mais ainda com Do Jeito Que a Vida Quer, mais um clássico do seu cancioneiro. Chega o momento que Benito chama seu filho, Rodrigo Vellozo. O rapaz tem aquela função de organizar o show do pai, senta ao lado do Benito, avisa a próxima canção que vai rolar, e é claro, canta e toca piano muito bem. Chega ao palco e canta Na Cadência do Samba, do outro mestre, o Ataulfo Alves, mostrando todo seu talento, com uma voz limpa e suave, além de grande pianista.
Para mostrar que ainda está em forma, Benito e Rodrigo cantam Infalível Zen, música do último disco dele, de 2021. Meio atrapalhado, o cantor brinca com a plateia, dizendo que velho tem mania de esquecer as coisas e realmente esquece que a próxima é Parabéns à Você, do Fundo de Quintal, que prontamente Rodrigo avisa o pai. Depois vem aquele momento em que Benito, com seu jeito peculiar e talento incrível, desconstrói suas próprias canções, mexe no arranjo, andamento e apenas com piano e voz toca Osso Duro de Roer e revisita uma mais lado B, do seu disco de 1975. O mesmo faz com um dos seus grandes sucessos dos anos 1980, com Amigo do Sol, Amigo da Lua, mas essa conta com um coral apaixonado cantando com o cantor e encerrando com a participação da banda.
Benito então vai a 1976 e toca a também esquecida, mas linda, Além do Arco-Íris, essa pra quem conhece mesmo o repertório da fera, mas é com Ela Veio do Lado de Lá, do seu antológico disco, Um Novo Samba, que o Benito mostra a força do seu repertório e o quanto tem de maravilhas opções de músicas para tocar. O mesmo vale para O Homem da Montanha, de 1976, outra canção mais escondida. Nesse bloco Benito surpreende a plateia com três hits antigos não tão pedidos, mas não podemos esquecer que na década de 1970, ele era um dos maiores vendedores de discos do país e todas as suas canções tocavam nas rádios e estavam na boca do povo, como estavam na boca da plateia do Araújo Vianna.
Rodrigo assume o piano e apresenta para plateia sua música que fez em homenagem ao irmão, falecido precocemente anos atrás. Com uma tocante interpretação de O Mestre-Sala da Minha Saudade, o rapaz desperta a emoção da plateia e não podemos negar como a voz dele é de um timbre lindo e afinadíssimo. Um pouco perdido, mais uma vez, Benito é informado pelo filho que tem que tocar a homenagem ao Rei do Baião e engata a lindíssima Sanfona Branca, que fez para outro de seus ídolos, Luiz Gonzaga. Benito é isso mesmo, mistura Ataulfo, Luiz Gonzaga, Chico Buarque, Vinicius, uma esfinge musical que é difícil definir com rótulos, nem apenas sambista, nem cantor romântico e sim artista brasileiro popular. Além de Tudo segue o baile e como diz a canção é tão agradável ouvir o benito que podíamos esperar até a madrugada ouvindo sua voz e seu piano magistral. Mas é com Ah Como Eu Amei que Benito destila emoção. Aquela que é, ao meu ver, uma das letras mais bonitas da música brasileira, é executada com um sentimento arrepiante do cantor, ele para, canta, mareja os olhos, ouve a plateia, enfim, mais um daqueles momentos para sempre, que ficam guardados nos corações de quem viu e ouviu. Mas o homem é uma máquina de música boa e depois emenda Vai Ficar na Saudade, em mais uma linda interpretação, com alma, que só um cara como Benito pode nos apresentar. Aliás, na terça seguinte é o aniversário dele e a plateia o ovacionou com um parabéns e alguns presentes, retribuídos por Benito, que não cansa de elogiar o povo do Rio Grande do Sul e que ama a todos .
Mulher Brasileira, uma dos maiores sucessos nacionais, segue o show, com direito a Benito de pé comandando a massa para fazer o coral, orquestrando vozes, dividindo o refrão, levando êxtase à plateia. Encerra o show com Violão Não Se Empresta a Ninguém, seu primeiro grande sucesso, e acena para a plateia, agradecendo junto ao filho, por mais esse show.
Mas peraí, faltava alguma coisa. Tem aquelas canções que se o artista não toca, a plateia quebra o local, o contratante não paga o cachê e o artista sai de camburão do palco. Falo de Retalhos de Cetim e o mestre Benito canta magistralmente seu maior sucesso, e no refrão, talvez um dos mais conhecidos da música brasileira, ganha a companhia do povo cantando junto a triste história do cara que foi abandonado pela cabrocha. Mais um momento sublime entre tantos, mas isso é lógico, é um show do Benito. Mas faltava também o cartão de visitas que ele fez pro dono do Snoopy, e logo depois da cabrocha, emenda Meu Amigo Charlie Brown, com aquele refrão gostoso de cantar, e com o auditório de pé, idolatrando o cantor. Teve direito até a troca de letra, onde ele diz que Povo de Porto Alegre coisa igual não há. Tudo Está no Seu Lugar tinha a cara de ser a saideira, aquela canção que deixa todo mundo pra cima, mas Benito ainda tem tempo de tocar sua homenagem ao ilustre filho de Porto Alegre, Lupicínio Rodrigues, com uma versão singela e delicada no piano de Felicidade, para delírio da galera. Com Proteção às Borboletas, uma das duas músicas mais bonitas, enfim fecha o show, música que fez muito sucesso e foi censurada na Argentina dos anos 1970 e com aqueles la la la ia nos refrões que faz todo mundo cantar junto, Benito sai de cena, acena pra galera, agradece e abre aquele sorriso incrível dele e satisfeito por ter feito o Araújo Vianna feliz por mais de duas horas.
Lógico que Benito di Paula, até pela idade, anda mais em marcha lenta. Muitas canções estão em andamento mais lento, ele se tornou mais intimista, explorando muito piano e voz, dando suas rateadas normais. Como falei antes, Rodrigo serve para organizar o show e o pai fica orgulhoso disso e a banda do artista muitas vezes nem é acionada, tamanha a introspecção das interpretações de Benito. Mas nada disso atrapalha o prazer de ver o Benito, ouvi-lo cantar, encantar, suas exageradas mas verdadeiras execuções, suas letras maravilhosas, seus arranjos e sua alegria, mesmo quando canta sambas tristes, ainda o fazem ser um cara único, diferenciado, com certeza jamais teremos outro Benito di Paula, um artista genuíno, talentoso e que é a cara do Brasil, canta a melancolia e a alegria no mesmo tom emocional e faz a gente viajar nas suas inesquecíveis canções. Parabéns ao artista que completa mais um ano para sua vitoriosa vida e carreira, e como diria o Rei do Baião, um dos ídolos do mestre Benito: como é bonito Benito sonhando com o piano e tocando coisas de amor. Resumindo: como é bonito termos o privilégio de assistir e se emocionar contigo, Benito.