Cabaré Rouge – Leonardo, Bruno e Marrone em Porto Alegre
Sabe aquela sensação de estar num domingo à tarde preguiçoso na frente da televisão, por meados dos anos 1980, onde cenários escandalosos e com cores fortes doíam nos olhos, dançarinas em roupas mínimas eram filmadas em closes explícitos e artistas populares cantavam seus sucessos (via playback) radiofônicos sob a tutela de um apresentador? Pois então, essa é a ideia que me passou na cabeça ao assistir o espetáculo Cabaré Rouge, projeto do sertanejo Leonardo, que desta vez convida Bruno e Marrone para compor seu time nas apresentações pelo Brasil afora. E é claro que sem apresentador e sem playback. Esse show desembarcou no Araújo Vianna quinta passada e o NoSet conferiu essa noite regada a muito vermelho, bailarinas e modas bregas.
Com um cenário com cores vivas, com um luminoso ao estilo programas de televisão com os dizeres Cabaré Rouge e grandes telões emulando cores e paredes de boates, Leonardo entra no palco com Marrone por volta das 21h15min e já começam o baile com Viva a Vida, sucesso de Milionário e José Rico. O show tem essa função, resgatar clássicos da música sertaneja, música brega e misturar com sucessos dos artistas. Vem em sequência de medley dois petardos da música sertaneja brega dos anos 1980, Fuscão Preto e Pinga Ni Mim, e na terceira canção, surge Bruno para se juntar à dupla e cantar a inesquecível Ainda Ontem Chorei de Saudades, de João Mineiro e Marciano. O carisma dos três é algo incrível, eles param, conversam, falam de futebol, brincam com os gaúchos, mostram respeito e ainda tem tempo para pedir solidariedade aos flagelados das enchentes do Vale do Taquari, mostrando conhecimento de causa e empatia.
Com As Andorinhas prestam sua homenagem ao Trio Parada Dura, em mais um clássico sertanejo cantado a fio pela galera. Pouco falei do público, a casa estava lotada, não abarrotada, mas o destaque negativo é que as pessoas não podiam levantar e um show dessa magnitude popular, com sucessos e uma plateia participativa, dava aquela engessada no espetáculo. Culpa dos artistas, por essa ordem? Produção? Casa de espetáculo? Enfim, se tem culpados, com certeza prejudicou e amansou o show. Segue o show com sucessos de outros Cabarés (da época de Eduardo Costa), como Liguei Pra Dizer Que Te Amo, Sonhei Com Você, mais uma das Gargantas de Ouro do Brasil, Milionário e José Rico. Fecham mais um bloco com Leonardo cantando o sucesso da era em que ele e seu irmão mandavam no país, a linda Eu Juro. Por Um Minuto, sucesso de Bruno e Marrone, segue o set e é cantada com muita veemência pela galera, mas é com Evidências, clássico supremo da música nacional brasileira que todo mundo, desde os porteiros, serventes, garçons, seguranças, jornalistas e é claro plateia, abre um sorriso e se entrega à magnitude da melodia da canção.
Vontade Dividida, mais uma do Milionário e Zé Rico, mostra que os três sabem prestar homenagem aos pioneiros e o quanto foram importantes na formação do sertanejo dos anos 1990. Talismã, outro sucesso de Leandro e Leonardo, evoca aquela nostalgia no ar e mais uma canção atemporal. Vida Vazia, sucesso de Bruno e Marrone, segue o show, mostrando a força popular da dupla, com essa cantada a plenos pulmões pela galera. Um público diferente no Araújo, muita bota, chapéu, fivela, roupas mínimas, mostrando que o Araújo é casa de todos e essa diversidade de artistas que passam por lá só faz crescer mais ainda o nome do local, derrubando preconceitos que se mantinham em Porto Alegre, que sertanejo não se criava na capital. Amor de Primavera, dos cantores Di Paullo e Paulino e sucesso nas plataformas, alegra o povo e com Meu Ex-Amor, sucesso de Amado Batista, o goiano que abriu caminhos para essa nova safra de artistas de lá nos anos 1980 e 1990, mostra mais uma vez o respeito e reverência dos cantores com seus ídolos e responsáveis pela formação musical dos artistas. Uma nota sobre o espetáculo em si, o trabalho das bailarinas é incrível, trocam de figurinos diversas vezes no show, dançam coreografias mais ousadas, com direito a pole dance, interagem com os artistas fazendo aquele climão desejado pelo Cabaré. Os três também estão numa química ótima, embriagados (ou se fazendo um pouco), transmitem toda a farra que o povo quer assistir, mas não tem como negar, que se Leonardo capricha nos vocais depois de uma fase meio complicada, Bruno que tinha uma voz potente, nítida e marcante, hoje se aperta e muito para chegar nas notas, não sei se influência de algo a mais, desleixo ou cansaço vocal, já Marrone sempre discreto, segunda voz, óculos escuros para se esconder da timidez, servindo como estepe dos dois outrora potentes cantores.
Temporal de Amor, mega sucesso de Leandro e Leonardo e como mesmo disse o Bruno, que seja só de amor, é entoada e cantada junto, nessa que talvez seja uma das mais bonitas obras da safra sertaneja de 1990. Inevitável, linda canção também da dupla Bruno e Marrone, segue, mas como ponto negativo, o som do show estava muito alto, o microfone de Bruno estava indefinido, além de sua voz cansada, o que prejudicava as músicas da dupla. Os três prestam uma homenagem à talentosa e saudosa Marília Mendonça, com uma interpretação de Coração Bandido, um dos inúmeros sucessos da compositora e cantora que nos deixou tão cedo, momento emocionante do show. Com Bora Tomar Uma e Que Pescar Que Nada é aquela parte galhofeira do show, emulando o clima de cabaré, com bebida, pescaria e mulherada.
Pense em Mim, talvez o sucesso que abriu todos os caminhos para a geração de sertanejos dos anos 1990, é lembrada com uma bela interpretação dos três, com um sofisticado arranjo da excelente banda que acompanha o trio. Agora Vai é a resposta de Bruno e Marrone, um dos maiores sucessos da banda, cantada com muita emoção pela plateia. Diga-se de passagem, público afiado, conhecedor do repertório, estava ali pra se divertir e cantar com seus ídolos, diferente de alguns espetáculos com gigantes da MPB, onde a maioria do público é quase um poste, só vão para postar no Instagram e dizer que viu o fulano porque é cult, mas conhecer a obra é tão cansativo que é um detalhe. Não Aprendi Dizer Adeus também começa com um arranjo de sax e os três sentados na mesa do bar ao fundo, fazendo uma introdução intimista, mas na segunda parte Leonardo levanta, se esmera e emociona com uma interpretação das mais bonitas da noite.
Waldick Soriano é lembrado pelo trio. O rei da música brega dos anos 1970 é emulado com Leonardo com óculos rayban e chapéu que é passado pelos três integrantes, conforme o medley composto por Paixão de um Homem, Na Hora do Adeus e o clássico supremo que representou a época que a música brega era taxada com o rótulo de cafona, mas abriu os caminhos para a popularização no Brasil, Eu Não Sou Cachorro Não. Gigante homenagem ao saudoso Waldick Eurípides Soriano. Telefone Mudo, outro resgate do Trio Parada Dura, volta o clima cabaré sertanejo com aquele modão clássico e que corta o coração, mas é com Boate Azul, outro sucesso das antigas que hoje virou cult no gênero, que a galera vai ao delírio, levanta e se identifica com os integrantes da vida noturna e procura quem era aquela mulher da boate da zona sul. Grande momento do show que completa a fase casa de tolerância com Garçom Amigo, fechando a trinca de puteiro e fossa do show.
Voltando ao lado romântico, Leonardo ataca com o sucesso que o fez começar tudo de novo após a morte do irmão, com a intensa, otimista e lindíssima Sonhador, causando emoção, tanto no cantor quanto na plateia. A dupla Bruno e Marrone atacam de Choram as Rosas, também muito celebrada pela plateia, mas é com Dormi na Praça, do início dos anos 2000, responsável pela renovação do sertanejos e que abriu as portas para os universitários que vinham logo, ali que a plateia abandona o protocolo, levanta, dança e se esgoela cantando o sucesso maior da dupla goiana. E para fechar as portas do Cabaré, os três cantam Entre Tapas e Beijos, outro ícone de uma época que o Brasil se voltou pro centro-oeste, os programas de televisão tinham apresentadores com chapéus e a dor do amor estava nas infindáveis duplas. Mais um sucesso que ultrapassa fronteiras e mesmo politicamente incorreto, ainda está na boca do povo e fecha o espetáculo com estilo.
O mérito do Cabaré Rouge, primeiro, é a diversão dos três. Descontraídos, contam piadas, bebem(??), criam personagens e divertem a plateia. Segundo, é resgatar aquele clima de programa de auditório popularesco do passado com todos os ingredientes presentes no palco, e o terceiro,´esse resgate de sucessos da música sertaneja e brega brasleiro, além de enxertar sucessos dos três, o que acaba sendo uma aula de música verdadeiramente popular brasileira dos últimos 50 anos. Como nota negativa a equalização ruim do som, estourado e embolado, Bruno sentindo o peso dos excessos, tanto de pinga quanto da época que cantava loucamente sem técnica, acabando com sua potente voz, e a podagem no público que tinha que ver um show tão intenso sentado. Mas num balanço geral, tivemos uma noite divertida, com um Leonardo divertido, de bem com a vida como sempre e a dupla Bruno e Marrone se sentindo em casa. Uma noite diferente de Araújo Vianna, mas não menos importante, mostrando que a música brasileira é bem mais que Odara, baianos, guitarras e pop zona sul do Rio.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta