Leo Jaime e Blitz no Teatro do Bourbon Country
Os anos 1980 foram considerados no Brasil a década perdida. Por um lado, até pode ter sido mesmo, abandonamos uma ditadura, batemos na trave de termos uma eleição direta no fim desta, o primeiro presidente civil em muito tempo morreu antes de assumir e a economia realmente foi um caos. Inflação, corrupção, planos e mais planos furados e uma moeda que não valia nada. Mas na parte cultural o Brasil jamais esquecerá os anos 80. Um estilo de vida, uma nova juventude e uma música popular com a cara da juventude estourou, tudo isso sob a alcunha de um termo criado por Arthur Dapieve, o tal Brock, ou o rock brasileiro dos anos 1980. Em Porto Alegre sexta passada tivemos uma celebração da tão cultuada década, com dois representantes do melhor em termos de música que foi produzido. O Teatro do Bourbon Country recebeu a Blitz com mais de quarenta anos de carreira, com seu show atemporal e também Leo Jaime, um dos cantores mais populares da época, hoje muito mais que um cantor, um multimídia que esbanja simpatia, talento e sucessos. E o NoSet conferiu esses dois shows e conta agora como foram.
O Teatro Bourbon Country teve lotação esgotada para receber as duas atrações, com direito a um aquece no saguão do Teatro com DJs da festa Balonê, pioneiros em eventos celebrando os anos 1980. E sobre o local, o Teatro do Country tem uma acústica e sonorização exemplares, além de compacto e aconchegante, um local perfeito para as duas atrações. Pena as cadeiras fixas, era um show para abrir as poltronas e curtir junto. Por volta das 21h10min, entra no palco o goiano Leo Jaime, com guitarra em punho e abrindo os trabalhos com Eu Vou Comer a Madonna, que hoje ele canta “eu vou pegar a Madonna” por motivos mais politicamente corretos. Mantendo o pique manda ver Ilegal, Imoral ou Engorda, onde a banda mostra toda sua pegada rock e Leo Jaime mostra sua destreza no instrumento. Inserindo riffs de clássicos do rock, fazendo inserções nas suas músicas, segue com Pop Star, sucesso do João Penca e seus Miquinhos Amestrados, de onde fez parte no início da carreira. Leo Jaime, para quem não se lembra, era um dos caras mais descolados dos anos 1980, cantava, dançava, compunha, era um ótimo instrumentista e com o tempo se reinventou, trabalhou com jornalismo, escreve livros, participa de programas de televisão e se tornou um bom contador de histórias. Com uma simpatia única, conversa com sua plateia, conta suas peripécias, responde a galera, enfim uma baita pessoa além do termo artista.
Mas ali queríamos ver Leo cantar e ele larga Solange, sua versão de So Lonely do The Police, que fez por encomenda para Solange, uma censora barra pesada dos anos de chumbo. A Vida Não Presta, uma das suas melhores canções, é uma das primeiras a movimentar a tímida platéia, essa emendada com Just My Imagination dos Temptations, num arranjo sensacional da banda. Segue Mensagem de Amor, de seu disco de 1987, composição do amigo Herbert Vianna, cantada em uníssono pela galera. Rock Estrela, canção de Leo para o filme homônimo segue a senda de sucessos, essa com citação a Come as You Are do Nirvana e seguida por Nada Mudou, que continua atualíssima, e com a banda inserindo The Pretenders no meio da canção, num belo exemplo de junção de duas grandes canções. Sofisticação em grande momento do show .
Com a plateia mais solta e animada, ele segue com dois covers de sucesso da década em que Maradona era rei e Sarney era o presidente. Boys Don’t Cry do The Cure e Should I Stay or Should I Go, transformando o Teatro do Bourbon Country num festão dos anos 1980.
Antes de tocar O Pobre, sucesso do disco de maior vendagem da sua carreira, Sessão da Tarde, de 1985, ele faz piadas impagáveis com o que é realmente ser pobre no Brasil, mostrando mais uma vez o total domínio de palco e retórica que Leo conquistou nesses anos .Vindo a seguir As Sete Vampiras, talvez seu maior sucesso, faz o povo ir pra frente, dançar, cantar e se divertir em grande momento do show. O mesmo com Conquistador Barato ou Bambolê, onde Leo Jaime emula os tempos que era o cantor solo do Brock mais famoso do Brasil, galã e idolatrado.
Como falei antes, ele ainda continua um showman, gentleman, dança, canta com uma voz impecável, tem postura de rockstar com a guitarra, tem uma presença de palco discreta mas contagiante dando um senhor show. O show prossegue com sua homenagem ao Barão e Cazuza com Maior Abandonado, ataca em sequência de Será do Legião e termina o show com A Fórmula do Amor, do Kid Abelha, mas que com seu duo com Paula Toller no disco de 1985, fez a música ser sucesso nacional. Ali o público, antes comedido, já estava eufórico e de pé pedindo bis, que é atendido com Eu Preciso Dizer que te Amo, canção de Cazuza, Dé e Bebel Gilberto, mas que Leo gravou em 1995, em um dos seus últimos grandes sucessos,.fechando com chave de ouro seu show. Realmente um showzaço, de um dos maiores artistas de sua geração, que continua com uma voz marcante, charme e simpatia única que mesmo depois de uma longa pausa ainda merece ser conferido, apresentando uma super banda e sucessos na boca do povo.
Mas a noite estava na metade e ainda tinha a Blitz. O que falar da Blitz, ultimamente habitué dos palcos gaúchos, fazendo shows memoráveis e sempre iguais. Mas quem se importa? Queremos ouvir a banda tocando seus sucessos que por três anos transformaram a banda que abriu as portas para a nova música brasileira, em 1982, ser a Blitz mania, tamanha dimensão que a banda teve entre 82 e 86. Um jogo ganho, mas sempre um espetáculo e tanto, Evandro Mesquita, Juba (bateria) e Billy Forghieri (teclados), juntos desde essa fase, somados às cantoras e performances Nicole Cyrne, Andrea Coutinho, Rogério Meanda na guitarra e à baixista Alana Alberg, antes das 23h subiram ao palco e com o profissionalismo de sempre mandaram o clássico Weekend, seguido por Bete Frígida e A Verdadeira História de Adão e Eva. Três petardos que fizeram todo mundo levantar. Essa hora já não tinha mais cadeira numerada, povo de pé, cantando e dançando com a banda. Destaque para a qualidade sonora da banda, músicos exímios e Evandro Mesquita sempre com a disposição de um eterno menino do Rio e as duas cantoras dando seu show de performance e vocal de sempre. Segue aquele apanhado de sucessos como Dali de Salvador, a aguardada Geme Geme, Saquarema (oásis de Evandro Mesquita dos anos 1970).
Com Mania de Você eles homenageiam a rainha Rita Lee, e Evandro emocionado, lamenta a perda de três vozes femininas marcantes em um espaço de pouco mais de um ano, Elza Soares, Gal Costa e Rita. Segue o show com uma canção nova dele e com Frejat sobre os sombrios dias de pandemia Agora é a Hora. Mas é com A Dois Passos do Paraíso que a plateia canta, se emociona, filma e vibra com a história de Arlindo Orlando, com direito a inserção de One Love de Bob Marley. O Homem de Avental é aquele blues que brinca com o homem na cozinha, destaque para o exímio guitarrista Rogério Meanda e a precisa baixista Alana Alberg, mandando ver no arranjo. O mesmo vale para Juba, tocando cada vez mais bateria, dessa vez com um percussionista também preenchendo a massa sonora da banda, e Billy, mago dos teclados e programação, discreto mas extremamente preciso.
O que segue depois é a festa baile do Blitz. Tocando clássicos como Aluga-se de Raul Seixas, Perdidos na Selva do Gang 90, Bete Balanço do Barão e Sonífera Ilha, prestam homenagem a seus colegas de geração, e se o clima era anos 80, parecíamos transportados para a década, com o público em polvorosa relembrando a época em forma de show e canção. O baile segue com a famosa canção riscada do álbum de 1982 pela censura, Cruel, Cruel, Esquizofrenético Blues, sonzeira e tanta. Biquíni de Bolinha Amarelinha segue o show e abre pra Você Não Soube me Amar, aquela música do verão de 1982, que abriu caminhos para todo o movimento e hoje é com certeza um dos hinos da canção brasileira. Não preciso dizer que o teatro quase foi abaixo. Enfim, ainda tivemos Babilônia Maravilhosa, hino do Saldanha da novela Top Model e da carreira solo de Evandro. Encerrando um show num grande carnaval Egotrip com direito a instrumentos de bateria de escola de samba, porta-bandeira e roadies tocando junto, um grand finale para uma inesquecível celebração.
A dobradinha Leo Jaime e Blitz esquentou a sexta-feira fria de agosto em Porto Alegre, com ambos mostrando que nostalgia aliados ao talento e competência ainda podem gerar bons frutos, pois a década perdida jamais se perde dos corações e mentes daquela geração que jamais abandona seus ídolos. E que se depender do povo que lotou as dependências do Teatro do Bourbon Country, mesmo com a Blitz fazendo seu feijão e arroz de sempre, altamente temperado e saboroso, e Leo cantando sucessos de mais de 35 anos, esbanjando simpatia e qualidade, essa chama nostálgica jamais os irá abandonar e quem agradece somos nós, privilegiados, que presenciamos isso tudo de camarote.