Para a cultura pop o ano de 1984 foi de extrema importância nos Estados Unidos. O cinema lotava com os hoje clássicos Gremlins, Exterminador do Futuro, Indiana Jones e o Templo da Perdição e Os Caça-Fantasmas; Mr. T desfilava pancadaria e estilo no Esquadrão Classe A na TV; o personagem Michael Knight desafiava os perigos com a sua Super Máquina; Madonna embasbacava o mundo com sua performance de Like a Virgin; Michael Jackson vendia seu disco Thriller como água e uma parte da América se encantava com Bruce Springsteen e a canção Born in USA, uma parte, porque uns achavam que era um sonho ufanista (inclusive Ronald Reagan, que usava a música para celebrar seu segundo mandato que estava pra ocorrer) e outra que entendia que era uma crítica ao descaso com veteranos de guerra num Estados Unidos em crise. Nesse contexto, surgia um garoto de 21 anos que abalava as estruturas do basquete universitário americano e era a terceira escolha para entrar na NBA. Esse garoto, de nome Michael Jordan, contratado pelo Chicago Bulls para fazer história, participou de uma das maiores disputas de marcas de tênis do esporte e essa batalha é a premissa do filme Air – A História por Trás do Logo (Air, 2023), com direção de Ben Affleck.
Em 1984, a Nike era apenas a terceira marca de tênis mais utilizada por jogadores de basquete dos Estados Unidos, perdendo para a Converse e para a Adidas. Sonny Vaccaro é um vendedor do setor esportivo da Nike, fazendo um belo trabalho no basquete universitário do país, mas ele precisa alavancar a empresa e está em busca de novos atletas. Surge então a ideia de contratar a mais nova estrela do esporte, Michal Jordan, que fez história na equipe universitária da Carolina do Norte e iria estrear na NBA pelo Chicago Bulls. Mas o jogador já tem meio que acertado um contrato com a Adidas para seus tênis e Vaccaro precisa contar com ajuda de Phil Knight, CEO da Nike, para abrir a mão da verba, e principalmente, convencer Deloris Jordan, mãe do craque, que faz exigências inéditas pra época, que acabaram sendo fundamentais para a criação do Air Jordan, calçado que marcou história na moda dos anos 1980 e 1990, revolucionando o marketing esportivo e os contratos entre empresas e jogadores.
Com roteiro de Alex Convery, Ben Affleck está de volta na direção para nos contar um dos episódios mais importantes do esporte como negócio em todos os tempos. Mas o que tinha tudo para ser uma grande sacada e um filme memorável, Affleck nos apresenta um filme extremamente burocrático e por vezes entediante. Mesmo com inúmeras referências, imagens de época e uma reconstituição ótima do incrível ano de 1984, o filme poucas vezes realmente engrena, tanto nas atuações didáticas demais, quanto nas inúmeras cenas de reuniões intermináveis dos acertos das arestas do contrato mais famoso do esporte até então. Claro que as referências à época são um verdadeiro bálsamo de nostalgia, com uma montagem e recortes de imagens de arrepiar, além é claro, para quem gosta de basquete, só ao citar nomes da época como Barkley, Magic Johnson, Larry Bird, Moses Malone e os futuros astros, Ewing, Olajuwon, Stockton e Michael Jordan, já provoca uma saudade de uma era de gigantes da bola ao cesto. O filme decepciona no ritmo extremamente irregular, até começa bem e empolgante, mas se perde no seu miolo e tem um final precipitado e que não sabe usar a emoção para um momento tão empolgante. E nem mesmo a excelente trilha sonora com petardos do ano salvam a modorrenta história desperdiçada por Affleck.
Matt Damon, fiel escudeiro do diretor, é Sonny Vaccaro, o ousado marqueteiro da Nike, que conseguiu a façanha de trazer Jordan pra empresa, nos premia com uma atuação correta e sem grande brilho. Aflleck faz o excêntrico todo poderoso Phil Knight, chefão da empresa em um papel mais caricatural que uma atuação digna. Jason Bateman, como Rob Strasser, executivo da empresa e Marlon Wayans, especialista em basquete do núcleo esportivo, parece que vestiram melhor o papel dos seus personagens e passam dignidade às atuações. Viola Davis, sempre ótima, nos dá uma discreta, mas corajosa Deloris Jordan, a coruja e protetora mãe de Jordan, sempre buscando os melhores negócios para o filho.
Air – A História por Trás do Logo, às vezes parece mais um documentário sobre esse momento tão marcante da história do business esportivo, em tom didático, tem como acerto mostrar de forma simples e direta os meandros das batalhas de empresas esportivas atrás de astros para patrocinar e como elas faziam qualquer coisa para captarem suas estrelas. Até quem não conhece bem o meio esportivo e o basquete em si, pode entender bem essa fábula que foi o contrato de Michael Jordan na Nike e a revolução com a criação de seu tênis especial, que mexeu com o mundo dos esportes. Mas fora todo esse valor histórico e mérito de passar para o cinema essa fascinante história e, principal, um filme sobre Michael Jordan, sem Michael Jordan, que só aparece de costas ou em imagens de arquivo, Air não consegue fugir de um roteiro burocrático, redondo demais, por vezes sem sal e entediante, onde mesmo o timaço de atores não consegue segurar a onda e o conto de fadas de um novato, que por pura aposta e insistência, fechou o maior contrato da história e se tornou o maior jogador de basquete de todos os tempos, merecia uma homenagem mais dinâmica, mais moderna e mais mágica, características básicas que o homem do logo sempre apresentou nas quadras.