Estreia nessa semana nos cinemas o filme Mais Que Amigos (Bross, 2022), um filme que já vimos praticamente centenas de vezes. É uma comedia romântica, um casal improvável, percalços que fazem de tudo para separar os amantes, dúvidas para se entregar à paixão, musiquinhas piegas e final mais clichê impossível. Só que seria apenas mais um filme, mas o casal em si é um casal homossexual, e talvez pela primeira vez nos cinemas, e com carimbo de grande estúdio, vemos uma comédia romântica gay nas telonas, com direção de Nicholas Stoller.
Bobby Leiber, em primeiro lugar, é um chato de mão cheia. Com um humor sarcástico, contrastando com sua total falta de amor à sociedade, tem um podcast famoso em Nova York que fala sobre a comunidade LGBTQIA+. Ao mesmo tempo, pretende ser curador de um museu sobre o tema em Manhattan. Bobby tem dificuldade de encontrar paixões, e se entrega a qualquer relacionamento fugaz em aplicativos. Uma noite vai a um clube noturno e acaba conhecendo Aaron Shepard, um advogado um pouco bronco e fã de Garth Brooks. Em suma, bem diferente do padrão de Bobby, mas como o amor não tem lógica, os dois engatam um romance, que tem tudo para dar errado e, ao mesmo tempo, Bobby precisa correr contra o tempo para conseguir quem financie o projeto do museu.
Mais Que Amigos pode ser considerado um marco para o cinema. Talvez um dos únicos filmes em que a predominância dos atores é homossexual, inclusive alguns interpretando heteros na trama. Nicholas Stoller assina o roteiro com Billy Eichner, da divertida história de amor quase impossível entre o chatonildo Bobby e o indeciso Aaron. O personagem Bobby lembra muito as tiradas de Woody Allen, seu humor sutil, piadas rápidas e constante ironia, aliados a uma decepção grande com a humanidade. E o filme usa e abusa de clichês da comunidade gay, com inúmeras referências a personalidades como Barbra Streisand, Liberace, Freddie Mercury, Harvey Milk, Stonewall e uma divertida tiração de sarro com a Debra Messing, a Grace do Will and Grace, musa hetero dos homossexuais e responsável pela primeira série de sucesso onde um gay era protagonista. O filme começa com uma pegada muito boa, piadas certeiras e uma amostra do universo LGBTQIA+ (inclusive tiram sarro deles mesmos), mas vai perdendo um pouco o fôlego na metade da trama, dando uma melhorada (recheada de clichês previsíveis) no final, mas que soam verdadeiros e não devem nada as grandes comedias românticas do estilo.
Billy Eichner, além de roteirista, faz Bobby, o neurótico podcaster e curador do museu, que em muitas vezes lembra os personagens do Woody Allen fazendo um belo papel, mas quase como uma metralhadora de referências, acaba meio que se perdendo e confundindo o público com o excesso, o que não compromete e, principalmente na parte final, está muito engraçado. Luke MacFarlane é Aaron, a inusitada paixão de Bobby, e ele está muito bem como o homossexual às vezes machista, mas frustrado com a carreira e em dúvida de se entregar ao amor verdadeiro. Os dois mantém uma interessante química que funciona na maior parte do tempo.
Mais Que Amigos está pra preencher este hiato de vermos casais homoafetivos em uma história de amor contada aos moldes clássicos dos heteros que somos e fomos bombardeados desde os anos 1990. Quase uma referência a Mensagem Para Você, de Meg Ryan e Tom Hanks, de 1993, Billy Eichner e Luke MacFarlane se amam, brigam, duvidam um do outro, sentem saudades, tudo isso contado de uma maneira nada caricata, mas sim humana e divertidíssima, um filme que é extremamente fundamental e espero que abra as portas pra muitos outros no estilo. Já vi gente dizer que as cenas de sexo grupal, promiscuidade e algumas tomadas mais explícitas dos relacionamentos tenderão a aumentar o preconceito com os homossexuais e que o filme poderia ter sido mais sutil nesse ponto, mas creio que apenas para o público conservador talvez isso ainda choque, o que é uma pena, pois nos Estados Unidos o filme fracassou feio nas bilheterias, talvez pelo simples fato de algumas pessoas ainda abolirem o amor entre iguais na telona, enfim o processo é lento, porém está em constante movimento.
Mais Que Amigos é uma divertida comédia romântica, que usa e abusa dos clichês dos mais legais aos mais cafonas do gênero, tem bons personagens, atira de uma maneira inteligente para tudo que é lado, mostrando que a própria comunidade LGBTQIA+ tem seus próprios exageros. E apresenta tudo isso de uma maneira adulta, hilária e inteligente, as dificuldades para um casal dar certo e o quanto os dois lados tem que ceder para juntar os laços, enfim, um belo programa, sem panfletarismo, sem crítica pesada e sim uma história universal de amor que acontece toda hora, só que aqui apresentada de uma maneira leve e divertida.