O inusitado e o inesperado são elementos muito usados nas comédias românticas, tanto ajuda no humor como pode ser fonte da mensagem que a história busca passar. Posso dizer tranquilamente que passar a primeira semana de férias com um jumento (o animal) não é o esperado ou desejado por quem queria passar esse tempo com o “namorado”, certo?
Mas foi o que aconteceu com Antoinette, no longa francês “Minhas férias com Patrick” (“Antoinette dans les Cévennes”, no original), dirigido e roterizado por Caroline Vignal, que se inspirou no livro “Viagem com um burro pelas Cevenas” (1878), do escritor escocês Robert Louis Stevenson (o mesmo que escreveu “O Médico e o Monstro”). É distribuído no Brasil pela Califórnia Filmes. Esse livro é como se fosse um diário de viagem de Stevenson, onde ele registou sua experiência ao visitar as Cevenas, que é uma cadeia de montanhas localizada no centro-sul da França. Stevenson fez a viagem no século XIX, alguns dizem que foi em busca de uma mulher por quem estava apaixonado, a questão é que ele fez uma grande caminhada por essa cadeia de montanhas na companhia de um jumento/burro, que também era seu meio de transporte.
O livro fez tanto sucesso na França que o local passou a ser um ponto turístico francês, ganhando até proteção da UNESCO, e a caminhada passou a ser roteiro principal, principalmente no verão, com ou sem um jumento.
O que Antoinette tem a ver com essa história?
A estória de Antoinette é mais moderna, ela é uma pessoa boa que fez as escolhas erradas, mas Patrick, Stevenson e as Cevenas a ajudaram a encontrar o caminho certo, com direito a alguns perrengues, que garantiram o humor dessa narrativa.
Antoinette é professora do equivalente ao nosso ensino fundamental menor (alunos em torno dos 10 anos), ela acaba se tornando amante do pai de uma de suas alunas, Vladimir. Apesar da situação peculiar, eles planejam passar a primeira semana de férias dela juntos, viajando como um casal.
Quando a data das férias chega perto Vladimir cancela tudo com Antoinette, dizendo que teve que aceitar os planos de férias em família, com a filha e a esposa, para as Cevenas, fazer a caminhada de Stevenson.
Antoinette já está acostumada com relacionamentos fracassados, mas ela é romântica e com pouco juízo, então ela decide também ir para as Cevenas, fazer a tal da caminhada, com direito a jumento e tudo mais, tudo no intuito de encontrar com Vladimir (mesmo que ele esteja com a esposa e isso se torne desconfortável para todos).
Pelo que foi passado no filme, a tal caminhada é muito bem organizada. São 06 dias de caminhada, cada dia um trajeto diferente, com pousadas servindo de pontos de apoio para os pernoites.
Nas contas de Antoinette, ela chegaria no mesmo dia que Vladimir, o que não a exigiria fazer todo esse trajeto, ter todo esse trabalho, mas não foi isso que aconteceu, então ela encara o desafio, pelo menos no primeiro dia. É aí que entra Patrick, o jumento irlandês temperamental que “trabalha” na trilha.
Patrick não aceita ordens, ele faz o que quer e quando quer, nem mesmo andar para manter Antoinette dentro do cronograma da caminhada e ela também não gosta da ideia de gritar ou bater nele para fazer com que ele ande. Isso causa o atraso e algumas dores de cabeça para ela, mas aos poucos eles vão se entendendo.
No dia seguinte, partindo da segunda pousada da caminhada, Antoinette percebe que quando ela conversava com Patrick como se fosse um amigo ele começava a andar, não empacava, foi aí que começou a amizade sincera entre eles dois e quase uma sessão de terapia intensiva, porque ela falou e analisou os relacionamentos nesse “papo” com Patrick.
Sim, “papo”, porque Patrick também se comunica, com alguns relinchos que parecem gritos.
Finalmente, já no terceiro dia, Vladimir aparece na pousada com a família, ele havia saído um dia atrasado e o atraso que Patrick deu a Antoinette fez com ela estivesse na mesma pousada que ele, mesmo que os cronogramas não estivessem em harmonia. Apesar da felicidade dela, esse é o momento mais delicado da história, não só por causa da esposa, que já sabia dos casos do marido, mas pela filhinha, que era aluna de Antoinette.
Bastou um dia, um longo dia, mas somente um dia, para Antoinette entender que aquilo não teria futuro, que deveria desistir da caminhada e deixar Vladimir resolver os próprios problemas. E ela quase vai embora sem se despedir de Patrick, quando ela consegue dizer adeus a ele a caminhada a Stevenson a surpreende novamente (positivamente)… Mas esse spoiler eu não darei!
Ah, detalhe engraçado, esse passeio geralmente é feito em grupo, mas ela estava sozinha e os demais membros da excursão, ao confraternizar no jantar, perguntar a Antoinette porque ela estava sozinha. Ali mesmo, sem conhecer nenhuma daquelas pessoas, ela fala seus planos e seu grande amor, sem puder algum de dizer que ele é casado e tudo mais.
É um ato que beira a inocência, pelo menos essa foi a impressão que a cena transmitiu. Melhor ainda foi o desenvolvimento da “fofoca” entre os viajantes, tornando Antoinette famosa na temporada, por incrível que pareça as pessoas estavam torcendo por ela, possivelmente por esse tom de inocência no relato dela.
Já comentei por aqui, mas vale a pena relembrar, as comédias românticas francesas são diferentes das “tradicionais” (EUA e Inglaterra, por exemplo), o humor é diferente, nem todos gostam, mas “Minhas Férias com Patrick” talvez seja mais acessível, arranca risada mais facilmente.
A produção tinha tudo para ser um besteirol, afinal o co-protagonista é um jumento, mas a construção da estória, com esse resgate histórico que une a França com a Escócia (uma junção estranha para mim até então), e o uso do clichê inimigos-amigos (Antoinette e Patrick, lógico) deu um equilíbrio muito bom, tornando-se um filme carismático, que te faz rir e refletir.
O longa recebeu 07 indicações ao César, maior prêmio do cinema francês, com uma vitória, na categoria de Melhor Atriz, para Laure Calamy, que interpreta perfeitamente a sonhadora e atrapalhada Antoinette.
A comédia já está no cotidiano de Laure Calamy, ela está no elenco de uma das principais séries cômicas da França desde 2015, “Dix Pour Cent” (“Dez Por Cento”), ela dá vida a outra apaixonada, Noémie.
Outros nomes que formam o elenco são: Benjamin Lavernhe, Olivia côte e Jean-Pierre Martins.
Até mais!