Vamos começar esse post com um questionamento: alguém aí não leu em sua vida uma HQ da Turma da Mônica ou viu uma animação dela? Tem certeza? Pois eu acho que ao menos uma tirinha de jornal foi lida. Mesmo que você não seja um apreciador, certamente uma criança próxima a você gosta dela e, consequentemente, você também teve acesso a essa turminha.
Quer ser mais honesto ainda? Então pode confessar que você riu e curtiu algumas dessas histórias que atravessam gerações. Pode abrir o coração! Ninguém vai te zoar por isso.
Eu leio gibis (ainda não havia o termo ou a obra chamada de graphic novel) e tirinhas da Turma da Mônica desde 1978. São 41 anos rindo com essa galerinha. Hoje eu leio as HQ que compro para meus filhos, pois esse é um legado que faço questão de deixar para eles. Foi também recentemente que passei a colecionar as histórias da turminha que são contadas em outras edições mais primorosas, ilustradas e escritas por pessoas que não fazem parte da equipe fixa da Mauricio de Sousa Produções (MSP), autores, desenhistas e coloristas que ganharam liberdade para produzir novas visões de personagens icônicos como a própria Mônica, o Cascão, a Magali e o mais engenhoso menino do bairro do Limoeiro, o Cebolinha. Estou falando, claro, das Graphic MSP, edições que fogem ao padrão normal dos quadrinhos de Mauricio de Sousa e que iniciaram com Astronauta: Magnetar.
Mas existem três edições que são destaque pelo enfoque poético (sem perder o gosto pela aventura) e as artes impecáveis entre todas as Graphic MSP. As edições são Laços, Lições e Lembranças, todas desenhadas e escritas pelos irmãos Vitor e Lu Cafaggi. É com base em Laços que o roteiro foi feito, assim como os figurinos, paleta de cores e até mesmo na escolha do elenco. Obviamente a adaptação não é 100% da HQ, porém ficou algo tão bonito de se ver que não nos importamos com as pequenas nuances (aliás, algumas foram muito bem inseridas para dar mais corpo à história).
Vamos curtir o trailer antes de prosseguirmos?
A direção.
Daniel Rezende já era conhecido do público e teve a fama ampliada com o sucesso de Bingo, o Rei das Manhãs. Alguns ficaram até em dúvida quanto à capacidade de Daniel em dirigir um filme com temática infantil após o divertido e tenso Bingo, mas essa desconfiança foi infundada. Daniel conduz elenco e produção com maestria e nos entrega um filme leve, divertido e capaz de englobar tudo aquilo que conhecemos há décadas através dos quadrinhos de Mauricio de Sousa. A essência da graphic novel está nesse longa-metragem, mas a poesia da mesma está embutida na íntegra.
A História por trás da história.
Caso você não acompanhe a carreira de Mauricio de Sousa, então este post será vital para compreender melhor tudo que levou até esse live action.
Mauricio é um dos nomes mais respeitados no mercado da Nona Arte não apenas por ter um verdadeiro império criado a partir dos quadrinhos. Na verdade, Mauricio e a Turma da Mônica são reconhecidos mundialmente e hoje estão espalhados por vários países com o mesmo sucesso que encontramos no Brasil.
Foi através do tino de Mauricio que surgiu a ideia de produzir novas histórias dos personagens da Turma da Mônica com desenhistas e roteiristas diferentes. Assim, chegamos a Laços, graphic novel escrita e desenhada pelos irmãos Cafaggi em 2013.
Então, o que motivou a escolha de Laços para ser o primeiro live action da turminha?
Bem, apesar de haver títulos magníficos (Chico Bento: Pavor Espaciar, Penadinho: Vida, Louco – Fuga, Capitão Feio: Identidade, Lições, Lembranças e outras) no selo Graphic MSP, Laços é impecável por sua arte única e por apresentar uma história simples onde a amizade e o amor são as maiores lições. Logo, nada mais natural que um live action capaz de cativar o público alvo (as crianças) e ao mesmo tempo encantar jovens, adultos e idosos. E é isso que vocês terão… um filme para toda a família.
Escolha do elenco.
Serei muito honesto com vocês, leitores e fãs da Turma da Mônica, um filme em live action da turminha precisou de uma logística incrível. O processo de seleção das quatro crianças que dariam vida às personagens foi árduo e complexo, mas o resultado final ficou impecável. Desde o primeiro minuto de projeção nós já sabemos que estamos diante da Mônica (Giulia Benite), do Cebolinha (Kevin Vechiatto), do Cascão (Gabriel Moreira) e da Magali (Laura Rauseo). Eles são, na minha opinião, perfeitos para os papéis e mostraram uma competência tremenda para dar vida a personagens que já tinham voz (quem não se lembra das animações?) e corpo (através da Turma da Mônica Jovem, dos cinegibis, das HQ e do teatro).
Claro que a escolha foi acertada. O criador da turminha fez questão de anunciar quais atores foram escolhidos e nós nos emocionamos com esses quatro astros mirins. Eles deram vida a crianças que antes habitavam apenas nosso imaginação. Vê-los interagir e bagunçar é algo no minimo maravilhoso.
O elenco adulto ficou também muito bom, mas faço questão de destacar as atuações de Paulo Vilhena (seu Cebola) e Fafá Rennó (dona Cebola) que se encaixaram como uma luva nos papéis a eles confiados.
A busca pelo Floquinho.
Os laços afetivos entre o Floquinho e o Cebolinha são fortíssimos. Ainda que a graphic novel mostre melhor a origem desse apego, o filme dá o devido destaque ao relacionamento cheio de afeto. É por conta desse companheirismo que só uma criança e um cão podem apresentar que a história ganha em dinâmica. Afinal, o Cebolinha jamais “deixalia seu cacholo à mercê de um louco qualquer”.
É por meio do sumiço do Floquinho que a trama passa a destacar o nível de amizade entre as crianças. Aqueles sentimentos de comprometimento, solidariedade e companheirismo são facilmente perceptíveis ao longo da produção. É esse mesmo sumiço que evidencia o quanto são unidas as famílias das crianças.
Destaque para a atuação de Kevin no papel do Cebolinha. O menino mostrou força dramática ao mostrar o quanto é dolorosa a perda de um grande amigo, ainda que esse amigo seja um cãozinho.
Personagens inseridos e easter eggs.
Laços não é uma cópia completa de sua origem nos quadrinhos. Há alguns elementos inseridos que dão um novo ar à obra. Um desses elementos é a presença do Louco, personagem que atormenta o Cebolinha nas HQ, sempre no melhor sentido, óbvio. Quem deu vida à personagem foi o ator Rodrigo Santoro e isso pode indicar uma futura adaptação da graphic novel Fuga. A atuação de Santoro esteve à altura do Louco, mas tendeu mais para o poético/reflexivo do que a loucura propriamente dita. Na verdade ele foi posto nesse filme para atuar como uma espécie de Grilo Falante, a consciência do Cebolinha. Entre aparições e sumiços, ele dá ao Cebolinha ânimo para persistir em sua busca. Bem poético…
Aos espectadores mais atentos é possível perceber referências diretas ao Cranicola, Horácio e Jotalhão. Também há um momento bem ao estilo Marvel quando as crianças se deparam com ninguém menos que Mauricio de Sousa que faz um cameo no filme.
Personagens como Titi, seu Juca, Aninha, Xaveco, Cascuda, Denise, Maria Cebolinha, Jeremias e até a Xabéu aparecem e marcam a presença no longa-metragem.
Vilão.
Na verdade o vilão é o indivíduo que sequestrou o Floquinho, algo que está explícito em todos os trailers e até mesmo na HQ. Entretanto, esse homem não é de todo mal, recurso utilizado para deixar o filme mais leve. Há inclusive momentos divertidos com o sequestrador. Os garotos que tentam fazer bullying com o Cebolinha (da mesmo forma que nos quadrinhos) são apenas crianças mal direcionadas.
O verdadeiro vilão é movido na trama por dinheiro, muito dinheiro. Como sempre, o vil metal é capaz de provocar a morte de animais (algo implícito na trama… não se preocupem) em prol do lucro. Ao abordar de forma diferente os motivos por trás do sequestro, o roteirista Thiago Dottori põe adultos e crianças diante de um tema polêmico e pertinente, uma crítica social discreta e importantíssima.
Ritmo narrativo.
O longa tem uma excelente ritmo narrativo e é permeado por uma trilha sonora que ajuda a dar o tom para o espectador sobre os acontecimentos em tela. Destaque especial para o início do longa onde a dupla Cascão e Cebolinha são perseguidos pela Mônica. Impagável!!!!
Locações.
O bairro do Limoeiro é um lugar lúdico, pacato e lindo. Apesar das confusões da turminha, nós temos tempo e imagens de sobra para curtir um lugar onde qualquer um de nós gostaria de viver. Não está explícito o ano em que se passa a aventura, mas é possível identificar elementos de uma cidade do interior e o comportamento que só víamos nos idos anos 70 e 80 com crianças brincando nas ruas, cercas baixas no lugar dos muros com arame farpado e cerca elétrica de hoje, além de algo que é característico de lugares mais tranquilos: todos se conhecem pelo nome.
Laços.
O diretor e o roteirista permitiram uma mudança suave na trama através da inserção de laços para marcar o trajeto dentro da floresta. Apesar dessa sutil homenagem à fábula de João e Maria, os verdadeiros laços sobre os quais a história trata são os vínculos de amizade e lealdade, algo difícil demais nos dias atuais onde as amizades são a distância e a lealdade pode mudar conforme o vento.
Saudades e romance.
Um ponto maravilhoso que percebi na maioria dos adultos que estavam na cabine de imprensa foi a presença incontestável da saudade. Ao assistirmos Laços, automaticamente viajamos para um passado onde éramos crianças. Pode ter certeza que muitas coisas que aconteceram enquanto vocês liam um gibi da turminha voltarão à memória com uma força inesperada. É indescritível o prazer de assistir o quarteto que tanto amamos ganhar vida na telona do cinema e é claro que irei compartilhar essa experiência com meus filhos.
O romance desse tópico fica por conta da parceria – ainda que atrapalhada – do Cebolinha e da Mônica, da rápida passagem da Cascuda (namorada do Cascão) e do Titi, o eterno namorador do Limoeiro.
Personagens do live action que beiraram a perfeição.
Todos os quatros da Turma da Mônica foram representados com maestria pelos atores mirins. Apesar do Cascão e do Cebolinha estarem levemente diferente dos quadrinhos, não houve desconforto junto ao público, pois as atuações de Gabriel e Kevin estão ótimas. A Giulia (Mônica) gritando “Cebolinhaaaaaaaaaa” é tão boa que esquecemos a voz da animação que tanto marcou nossas vidas.
O pai do Cebolinha, seu Cebola, é outro feito com muito talento pelo ator Paulo Vilhena. Ele e a atriz Fafá Rennó realmente convencem e cativam os espectadores como os pais do “Tloca Letlas”.
As caracterizações dos demais integrantes do elenco estão ótimas e nos remetem ao universo dos quadrinhos. Honestamente, em alguns momentos, eu tive a impressão de estar lendo e vivendo as aventuras e sufocos da turminha.
Notas finais.
Os anos de espera por um live action da Turma da Mônica valeram a pena. Cores, emoções, humor e o carisma dos principais personagens criados por Mauricio de Sousa e ampliados pelo excelente trabalho dos irmãos Cafaggi estão na telona do jeitinho que sempre quisemos.
O capricho em todas as etapas da produção, a direção competente e o roteiro adaptado de uma graphic novel impecável transformaram Turma da Mônica – Laços na obra que Sidney Gusman, Mauricio de Sousa e nós, fãs, sempre sonhamos. Agora, basta escolher sua poltronas e levar a família para curtir um dos melhores filmes que o cinema nacional nos entregou.
Até bleve!