Crítica: Gloria Bell
O produtivo diretor e roteirista chileno Sebastián Lelio especializou-se em fazer filmes sobre o universo feminino. Começou com Glória, de 2013, que recebeu o Urso de Prata de Berlim pela atuação de Paulina García. Depois, dirigiu Uma Mulher Fantástica [2017], que narra com sensibilidade as desventuras da transexual Marina Vidal. O filme ganhou o Urso de Prata de melhor roteiro e o Óscar de melhor filme estrangeiro em 2018 (a resenha você pode conferir neste link: https://noset.com.br/cinema/uma-mulher-fantastica). Logo em seguida, Lelio filmou Desobediência [2018], onde narra os conflitos de Ronit, uma fotógrafa obrigada a retornar à cidade natal e ser confrontada com tensões familiares, morais e religiosas. E, por fim, temos Glória Bell [2018].
Como o nome sugere, seu último filme é uma refilmagem do primeiro, com algumas atualizações na história e variações no local e contexto. A diferença significativa está nas atuações. Em Glória, Paulina Garcia está ótima. Em Glória Bell Julianne Moore está excelente. O filme é dela. Todos os planos convergem e fecham em Glória. Ela é o centro do roteiro, da narrativa e das imagens. E merece cada um desses destaques, devolvendo uma interpretação irretocável. Em nenhum momento, o público que já a viu em centenas de outras produções tem a mínima dúvida de que Julianne é Glória. Não há qualquer distanciamento entre a atriz e a personagem.
Glória é uma mulher de meia-idade, separada há mais de dez anos e com dois filhos adultos. Ela aparece como um personagem marcante nessa época de empoderamento feminino. O filme a retratada de forma crua, em seus melhores e piores momentos. Em sua força e em suas fraquezas. Acolhida pela família ou em seus momentos de solidão. sua solidão. Na busca pela felicidade em um momento na qual a vida parece estar se esvaindo rapidamente pelos dedos, enquanto tentamos agarrar o tempo.
Se o centro da narrativa é Glória, são as relações com as pessoas no seu entorno que estabelecem o andamento da história. E o filme explora cada uma destas relações de forma crível e tocante. Lelio, além do básico, utiliza sublinguagem, símbolos, música, gestos, ou seja, todo o arsenal que o cinema deve explorar, sem subestimar a inteligência do público.
Julianne é secundada por John Turturro, outro que sempre entrega boas atuações. O par romântico conhece Glória na “boate” que esta frequenta regularmente, tanto para dançar como para espantar a sua solidão. Arnold é um homem recém-separado, que fez uma redução bariátrica e vacila entre o desejo de uma vida e as responsabilidade da vida anterior. O elenco ainda traz Michael Cera e Caren Pistorius como Peter e Anne, os filhos de Glória, Brad Garrret, com seu ex-marido, e Holland Taylor, como a mãe, todos com boas atuações.
É interessante prestar atenção às músicas da boa trilha sonora, que marcam de forma representativa, com suas letras, diversos momentos do filme. Também são dignos de destaque o corte e a montagem, que concedem agilidade a uma história que poderia facilmente resvalar para um drama lento.
O filme é especialmente significativo para aqueles que, como Glória, atingem a meia-idade separados e com filhos. Para os que se equilibram entre relações familiares fragmentadas e exigências profissionais cada vez maiores, tentando manter-se à tona em um mundo que parece querer lhes afogar.
Embora Glória Bell não seja filme que se possa dizer magnífico ou que vá se tonar objeto de culto, é difícil apontar nele algum defeito. Todas as escolhas foram felizes: roteiro, ritmo, fotografia, trilha sonora e, principalmente, as atuações somam-se para esse retrato comovente da beleza e feiura da vida adulta.