Um hotel de estrada guarda algumas histórias sinistras, imagina então quando ele é localizado bem na fronteira de dois estados badalados dos EUA. “Maus Momentos no Hotel Royale”, de 2018, mas ambientado em 1969, mostra que sinistro é pouco!
O hotel Royale não fica só na fronteira entre a Califórnia e Nevada, ele é dividido internamente, de um lado a ensolarada Califórnia, do outro a tentadora Nevada. Isso fez do hotel ser famoso por muitos anos, visitado por grandes figurões de Hollywood, da política e de outros ramos. Mas guardava um segredo para si, além de todas as histórias que passaram por ali.
Em 1969, quando o hotel já está decadente e virou um hotel de estrada “comum”, quatro hóspedes sem correlações chegam ao Royale com o aparente intuito de simplesmente passarem a noite: o Padre Daniel Flynn, a cantora Darlene Sweet, o vendedor Dwight Broadbeck e a hippie Emily Summerspring.
Só que cada um teve um motivo estranho ou obscuro para estar ali.
O padre não era padre, na verdade ele era Dock O’Kelly, um antigo ladrão de grande escalão que acabara de sair da prisão, voltou no Royale porque foi ali que escondeu o resultado de seu último grande roubo. Mas a idade o pegou, junto com problemas da memória, então ele não sabe exatamente em qual quarta está.
Darlene é uma cantora mesmo, sem segundas intenções, só precisa de uma grande oportunidade na vida, coisa que em Los Angeles não estava conseguindo. Mas ela tinha medo do que poderia acontecer, era uma negra querendo ganhar a vida honestamente, mas em um país que desconfia de negros e julga uma mulher por querer ganhar a vida sozinha.
Dwight não é mesmo um vendedor. Todo o discurso prepotente que faz quando ver o padre e Darlene chegando ao hotel era mais para os manter afastados. Ele era um policial disfarçado, Seymour Sullivan, locado no Royale para investigar o que realmente acontecia por trás das paredes. Ele descobriu que na verdade uma das paredes de cada quarto continha um espelho falso e uma câmera, usada para gravar os hóspedes.
Emily não era uma hippie qualquer, na verdade ela tinha se unido ao movimento hippie por causa da irmã, Rose. Elas foram seriamente violentadas na infância, Emily sempre se preocupou com Rose, cuidando para que a menina pudesse ter uma vida feliz. Então elas se uniram ao “bando” de Billy Lee, que não era nada diferente daqueles que batiam nelas quando criança. Emily decide tirar Rose do bando a força, levando-a para o Royale, como se fosse um sequestro.
Para receber esse pessoal todo tinha Miles Miller, o único funcionário do hotel, era zelador, porteiro, bartender, o faz tudo. Ele parecia um menino novo e ingênuo, mas na verdade tinha muitos pecados nas costas, o que o levou a se aproximar do falso padre. Milles na verdade fora atirador de elite do exército, teve que tirar muitas vidas involuntariamente, quando voltou da guerra ele procurou algo mais calmo para fazer, mas foi parar no Royale. Seus chefes nunca apareciam, simplesmente ligavam, diziam que algum figurão iria se hospedar e o ordenava a gravar o quarto em que ele estaria.
Com isso, Milles tinha em suas mãos histórias que poderiam acabar com várias carreiras e outras o que o tiraram o sono. Por isso ou pelas marcas de guerra, Milles se entregou às drogas injetáveis, que aplicava enquanto não tinha que trabalhar.
Quando Seymour encontra o compartimente para filmagem ele ver Rose amarrada no quarto de Emily, seu instinto policial o faz procurar saber o que estava acontecendo, salvar uma refém, mas ele acaba sendo morto por uma nervosa irmã mais velha. Enquanto isso, Dock, ainda de padre, tentava dar um “boa noite Cinderella” em Darlene, porque provavelmente o dinheiro estava em seu quarto.
Darlene o ataca e tenta fugir do hotel, mas ela só consegue ver quando Emily mata Seymour. O padre a alcança e explica a sua história, prometendo dividir o dinheiro. Isso depois dele ter visto o compartimento para filmagem, quando Milles tenta se confessar para ele, mas ele é atingido pelos estilhaços de espelho no momento que Seymour é atingido (ele estava por trás do vidro do quarto da hippie).
E a partir daí tudo vira pânico. Enquanto Dock e Darlene tentam encontrar o dinheiro no quarto dela, Emily tenta entender o compartimento de filmagem. A hippie solta a irmã, achando que ela está bem por estar só com ela, mas faz Milles de refém. Só que Rose não ficou quieta, ela chamou o único que, na cabeça distorcida dela, poderia a salvar, Billy Lee.
Não demorou muito para Billy Lee chegar lá, fazer todos os presentes (vivos) de refém e tentar executar cada um deles. Só quem sobrevive a essa noite de mistérios e execuções foram Dock e Darlene.
Essa é uma dessas obras primas do cinema que sempre tem uma boa surpresa na próxima cena. Cada personalidade é tão bem construída que quase dá para acreditar nas primeiras impressões, tudo embalado naquele estilo noir dos anos de 1960/1970.
O hotel em si tem uma história muito interessante e intrigante, mas algo perigoso para quem é paranóico. Quem garante que o hotel que você sempre vai não tem um espelho falso, usado para espionar o que você faz entre quatro paredes?
Brincando, muito teoria da conspiração isso.
Mas a ideia é promissora, de ter em mãos histórias que podem usar como chantagem para muitos desses figurões. Será que realmente não existia? Milles passa boa parte do filme dizendo que ficou só com uma fita, de alguém muito famoso, todos vêm quem é, mas não é revelado para o público. Será que é alguma história do próprio país, alguma coisa escondida nas cinzas de um hotel de beira de estrada que resultou no fim da carreira de algum político?
O filme é longo, mas nunca cansativo, o visual deixa o expectador encantado enquanto a história vai se desenrolando. Imagina um hotel com uma linha fronteiriça no meio do saguão? É uma coisa um pouco encantadora, a concretização do velho desejo que “estar em dois lugares ao mesmo tempo”. O encanto continua com a atuação, mostrando nuances das personalidades características da época.
O falso padre é vivido por Jeff Bridges e, lógico, dá para desconfiar que ele não é um padre desde o começo. O compartimente estranho, muito mais solicito com Darlene, como se quisesse cortejar (linguajar da época kkkkk), mas era um padre. Ainda assim, ele conseguiu confortar o menino assustado que Milles aparentava ser até o último instante, além de dar a Darlene a oportunidade que ela precisava.
Seymour Sullivan é vivido por Jon Hamm. Não existe outro nome para interpretar um policial disfarçado de toda prepotência de um vendedor daqueles, Hamm se consagrou por um série de época e tem aquele charme do cinema noir dos anos de 1960. Primeiro foi o ponto de comédia, aquele que contava as piadinhas infames, que dá um nojinho a primeira vista.
Cynthia Erivo dá vida a Darlene, com a mesma voz poderosa da personagem, bem como o olhar co objetivo de alguém forte demais para desistir no primeiro obstáculo. Ela foi peça principal na trama, mas também aliviou a tensão cantando músicas como “Try a Little Tenderness”. Ainda citou algumas músicas religiosas, afinal dialogava com um padre, apesar de a personagem ter criação protestante. Ela falou de “Nearer My God To Thee”, essa eu queria que ela tivesse cantado, teria conseguido tirado mais emoções de mim.
Obs.: “Nearer My God To Thee” é a última música que os músicos do filme “Titanic” tocam, um pouco antes do navio se partir em dois. Tem várias versões, algumas do gênero gospel, adotada tanto por católicos quanto por protestantes, mas é uma canção que toca muito no coração. Busquem a versão brasileira, “Mais Perto de Ti”, certeza que irão se emocionar!
Milles é interpretado por Lewis Pullman, ainda pouco conhecido na indústria, mas com certeza conseguiu seu espaço. Ele consegue a compaixão de todos (especialmente do expectador) com seu arrependimento, ele tem aquela aparência de menino assustado, que viu mais do que deveria. Dá vontade de consolar, e não pensem malícia, é consolar mesmo, porque ele sempre parece que vai chorar, mas já conseguiu aguentar tanto na vida. Prova disso é passar horas com estilhaços no rosto, mas implorando pela vida.
Emily é resultado da atuação de Dakota Johnson. Sim, a eterna Anastasia Grey de vocês. Honestamente, não foi grande coisa de atuação para mim, ela pareceu apática igual a primeira impressão dela em mim, mas foi um pouco melhor do que nos filmes de “50 Tons de Cinza”. O que a salvou foi a atuação de Cailee Spaeny, que deu vida a Rose, ela sim, deu show!
Rose parecia uma personagem saída de um filme de terror, sempre com aquele olhar perdido, dava para esperar um exorcismo ou qualquer outra aparição assustadora quando ela aparecia. Era a alienada que acreditava em seu líder espiritual cegamente, mesmo ele tendo feito mal para ela e para a amada irmã.
Ah líder espiritual, o louco Billy Lee, foi interpretado por Chris Hemsworth (meu Thor). Sou bem suspeita para falar dele, mas algo posso dizer imparcialmente, é um personagem super diferente de tudo que já vimos de Chris nos cinemas. Ele não é o heróis, nem sequer tem boas intenções ou é sério. É daqueles vilões caricatos, um líder hippie e ateu, aliás, se acha o próprio Deus.
Cena mais engraçada: quando Billy Lee chega ao Royale, faz todos de reféns e começa a dançar, sem noção ele!
Mas imagina ver o Thor dançando uma baladinha? Muito estranho, mas cômico!
“Maus Momentos no Hotel Royale” nos transporta diretamente para o final da década de 1969, passeia pelos clichês de filmes policiais e inova ao unir todos em uma só trama, servindo quase como um filme mosaico, com uma trilhar linda e um visual impecável.
Beijinhos e até mais.