Farrokh Bulsara nasceu em Zanzibar, Tanzânia, em 1946. Filho de indianos parsis zoroastrianos (um grupo étnico-religioso), desde criança se interessava por artes e música, tendo tido aulas de piano e ballet. Devido à sua personalidade exótica e afeminada (adorava fazer composição de suas roupas utilizando peças femininas) e por ter uma arcada dentada diferente (ele tinha 36 dentes), sofria muito bullying, o que o levou a desenvolver um temperamento introspectivo. Se mudou para Londres com sua família em 1964, onde concluiu seus estudos e obteve sua graduação em designer gráfico. Já adotando o nome “Freddie”, dividia seu tempo cantando em bandas e trabalhando em lojas de roupas junto com sua namorada Mary Austin. Sua vida mudou em 1970, quando conheceu o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor. Juntos formaram o trio “Smile” e, logo depois da adesão do baixista John Deacon, nascia uma das maiores bandas de Rock de todos os tempos: Queen. Juntos, revolucionaram a história da música com suas letras, seu estilo, sua mistura eclética e inovadora de gêneros, instrumentos, ritmos e sua imprevisibilidade. E, óbvio, muito talento.
Ao adotar o sobrenome “Mercury”, inspirado em uma de suas primeiras composições, surgia para o mundo uma lenda. Um performer. Uma voz inigualável. Mas ao mesmo tempo em que Freddie transmitia uma energia efusiva e uma caricatura exagerada nos palcos, se mostrava uma pessoa avessa à entrevistas e que gostava de manter a sua privacidade. A passagem de Freddie Mercury por aqui foi marcante e agitada da mesma forma que sua emblemática música “Bohemia Rhapsody” e seus 6 minutos de harmonia e surpresas. Com uma personalidade tão marcante e com tanta história (e música) pra contar, fazer um filme sobre sua vida e sobre a trajetória da banda não deve ter sido uma tarefa fácil. E, de fato, demorou uma década para ser finalizado, passando por mudanças de atores e diretores. Em duas horas de montagem, muita coisa ficou de fora, compreensivelmente.
Apesar de ser uma cinebiografia, é uma obra de ficção. Alguns fatos foram romanceados, criados, cortados ou alterados para se encaixarem melhor no roteiro. Como diz o início de Bohemian: “Isto é vida real ou é apenas fantasia?”. Também é necessário dizer que a ordem cronológica em alguns pontos também foi alterada (como exemplo, a icônica apresentação do Queen no Rock in Rio, aquela do “Love of my life” praticamente à capela junto com o público, foi em Janeiro de 1985, enquanto a lendária apresentação no Live Aid ocorreu em 13 de Julho do mesmo ano. No longa parece que os eventos tiveram anos de diferença). Apesar de algumas informações textuais nos créditos finais citarem seus últimos dias, o longa se encerra exatamente no Live Aid, considerada uma das maiores apresentações ao vivo de uma banda da história. Resumindo, o filme narra a trajetória da banda entre 1970 e 1985, embora a banda ainda continuasse em atividade até 1991, e com direito a um disco póstumo (“Made in Heaven”) em 1995.
Devido a esse corte temporal, pouco se falou sobre sua relação com Jim Hutton, com quem Freddie manteve um relacionamento até sua morte. Alguns fatos de sua vida foram antecipados para que estivessem presentes no filme. Sua biografia informa que ele descobriu ser portador do vírus da AIDS em 1987, anos depois do Live Aid. Mas como esta informação não podia ficar de fora, o momento em que Freddie assume sua condição para a banda acontece antes (sem uma informação precisa quanto à data). Apesar de todos os rumores e notícias da imprensa, o cantor sempre negou a doença, e só a assumiu em 1991, através de uma nota para a imprensa divulgada por sua assessoria, 24 horas antes de sua morte.
O longa mostra que nem tudo foram flores na relação de Freddie com a banda, mas que, apesar de tudo, eles se consideravam uma família. Freddie fazia questão de afirmar que ele não era o líder, mas apenas o vocalista da banda. Ainda assim, não foram poucos os momentos de discussões. Em seus 134 minutos, o longa expõe o lado artista excêntrico e confiante de Freddie nos palcos e estúdio, mas mostra um ser humano cheio de conflitos, dúvidas, angústias e em busca constante de diminuir sua sensação de solidão. Apesar do pouco espaço para Jim (Aaron McCusker), o longa não esconde a bissexualidade do cantor, mas deixa claro a importância que Mary (Lucy Boynton) teve na vida do astro. Mary foi sua esposa, sua melhor amiga e, posteriormente, sua herdeira (Freddie deixou para ela sua mansão, metade de sua fortuna e os direitos autorais de suas músicas em testamento).
E, por último, é necessário fazer todos os elogios possíveis à entrega de Rami Malek. Sua atuação não pode ser considerada algo menor do que impecável. Nem parece que ele está dublando as músicas (aliás, um excelente trabalho da produção criando um mix de vozes em estúdio da voz de Malek, Freddie e do cantor Marc Martel, que possui a voz parecida com a de Freddie para parecer o máximo possível com a voz original do cantor. Nas músicas, ouvimos 100% a voz de Freddie Mercury). Os atores dos demais integrantes da banda – Gwilym Lee (Brian May), Ben Hardy (Roger Taylor) e Joseph Mazzello (John Deacon) – também ficaram com uma excelente caracterização, muito parecidos com os músicos. Infelizmente, os demais membros da banda não assumem um papel tão grande quanto Freddie, mas o filme aponta, mesmo que de forma rápida, algumas curiosidades. Além de serem compositores, todos os membros são graduados. Brian May inclusive é PhD em Astrofísica!!!!
Fica então um filme correto, competente, que não se aprofundou demais em nenhuma questão pessoal, não polarizou, foge de polêmicas, não se focou particularmente em nenhum drama, escândalo ou episódio. Filmes biográficos geralmente carregam esse fardo, mas pra mim esta obra não precisava ser um filme memorável, Queen e Freddie Mercury já fizeram por onde se tornarem tudo isso. Pra mim, atendeu às minhas expectativas e foi uma emoção muito grande conferir esta obra nos cinemas. Encare o filme como uma homenagem e uma oportunidade de conhecer a obra musical da banda (e, acreditem, faltou MUITA músca boa). Para os que tiveram a sorte de acompanhar pelo menos um pouco a carreira do Queen, o longa é uma excelente oportunidade nostálgica de relembrar algumas de suas músicas, suas apresentações memoráveis, o domínio de palco de Freddie com suas “chamadas e respostas” no show, em que a platéia se tornava parte da banda e reproduzia os gritos de Êh Oh ou acompanhava a banda através de sons e gestos com as mãos e os pés (como nos sucessos “We Will Rock You” e “Radio Gaga”), ao mesmo tempo é uma boa maneira de apresentar a banda para esta nova geração.
Fica um pequeno spoiler pra você ir preparando o espírito: os últimos 20 minutos do filme são quase a reprodução do show do Live Aid na íntegra. Prepare a garganta, esqueça que tem gente do lado e curta o show, ou melhor, o filme. Ao final da exibição, fica a vontade de ouvir novamente todos os sucessos e também bate aquela nostalgia, lembrando desse grande artista que nos deixou tão precoce. Uma extensão vocal que atinge quatro oitavas que o fez ser único e eterno! Fica a nossa gratidão por sua obra. Mamma mia!!!! The Show must go on!!! God save the QUEEN!