No boxe – ou como é conhecido, a “nobre arte” – existe uma regra em que o juiz abrirá uma contagem de 10 segundos assim que um dos oponentes sofrer um golpe e não conseguir se levantar imediatamente. Passado esse tempo e ele continuar sem condições de prosseguir com a luta, a derrota é declarada por nocaute. Assim como no próprio título, 10 Segundos Para Vencer, a frase também tem referência em um certo momento do filme, quando seu personagem principal faz uma promessa a seu treinador de jamais ouvir a contagem em sua carreira. Dita com ares de profecia, ela encontra o encaixe perfeito no jeitão de cinebiografia esportiva clássica e no plot tipificado nos estudos de roteiro em algo como a Trajetória do Êxito: o personagem que busca o sucesso profissional e pessoal simbolizado em alguma atividade repleta de obstáculos e que exige um grau de superação crescente.
O boxe, no caso aqui, encontra um palco perfeito. No Brasil, o nome de Éder Jofre é amplamente citado como o maior no esporte e mundialmente colocado próximo de lendas como Muhammad Ali e Sugar Ray Robinson. A história do longa busca retratar parte de sua infância e sua trajetória até a decisão do mundial de penas em Brasília, no ano de 1973. O momento de concentração antes da luta é usado como o “flashback de filme todo”, onde aquele ponto é resultado dos momentos cruciais de sua vida e carreira. O início é na infância em São Paulo e o conflito começa entre uma paixão pelo desenho e a influência do boxe através do trabalho de treinador que exercia seu pai, o argentino e ex-lutador José Jofre (Osmar Prado), ou Kid Jofre. Apesar de passar tempo com papel e cera, o garoto inevitavelmente aprende a canalizar os problemas da família na possibilidade de ser o próximo campeão.
É uma pena que, diferente de algumas obras similares que eram sobretudo focadas em personagens complexos e na investigação por trás de figuras míticas (Ali, Touro Indomável), essa tem grandes dificuldades de se livrar de uma abordagem que privilegia um exagero novelesco no lugar de compor um ambiente mais humano. Por trás de boas atuações, há uma a tentativa de ultrapassar muita exposição, diálogos repletos de frases edificantes e uma falta de naturalidade que afasta o investimento em pessoas reais e conflitos fortes o suficientes para tentar suplantar a unidimensionalidade do roteiro. E ele até tenta, mas acaba limitado a um embate básico entre a vida profissional e a família cujo o alcance é basicamente atingido após pouco tempo de projeção. Sabemos que Éder (Daniel de Oliveira) está num confronto constante com a exigência de seu pai enquanto procura manter estável o relacionamento com a mulher, Cida (Keli Freitas). Fora esse arco principal, o restante ganha no máximo um rabisco sem qualquer tipo de camada, principalmente em personagens que deveriam ser determinantes na sua vida, como a própria esposa e o irmão.
Portanto, fica complicado torcer para dispositivos… digo, personagens que se comunicam integralmente através de frases como “eu acredito em você”, “não desista” e “me faça um campeão”, entre várias outras surgindo em diversos momentos repletos de artificialidade, seja pelo tom declamatório ou pela trilha sonora insistente. Fora isso, ainda há algumas repetições que são incompreensíveis até para o público casual – perdi a conta de quantas vezes escutei o treinador explicar que “ele precisa perder peso para lutar” enquanto já o vemos perdendo peso para lutar; ou um promotor de eventos poderoso nos EUA (que parece um vilão de novela) cobrando o empresário de que Jofre deveria aguentar um mínimo de 5 rounds para receber uma quantia combinada, faltando saltar por detrás de um muro com a mão aberta para lembra-lo de 10 em 10 minutos. O resultado é que as interações soam como filosofia barata e os diálogos tornam muito difícil enxergar os personagens com alguma complexidade.
Mas a história do pugilista ainda é naturalmente cinematográfica e ao menos o diretor José Alvarenga Jr. (com bastante experiência na TV e em comédias) consegue retratar o ambiente dos anos 50 ao 70 de forma bastante impressionante através de uma direção de arte caprichada e bem detalhista, não só na composição dos ambientes internos como na paisagem urbana e num trabalho computacional competente que recria alguns momentos icônicos da carreira do protagonista de maneira convincente. Contanto ainda com a fotografia de Lula Carvalho, que emula um ar de época em tons pasteis amarelados e iluminados com belos contrastes em preto & branco, a narrativa certamente coloca o espectador no clima, além de se sair razoavelmente bem nas sequências de luta ao não recorrer a cortes exagerados – mérito de coreografias bem ensaiadas e da entrega de seu ator principal (não vá esperando algo como Creed, mas é o suficiente).
Como se notou, o filme vai tentando se equilibrar entre um melodrama ruim e uma trama que se sai bem quando deixa seus atores brilharem sem que dependam diretamente de uma maioria de diálogos engessados. Infelizmente, o elenco de apoio pouco alcança, já que são basicamente recursos superficiais para alavancar o caminho do arco principal (só Ricardo Gelli diverte moderadamente no papel do tio frustrado). Já Daniel de Oliveira apresenta sua dedicação costumeira e uma imponência física impecável; e Osmar Prado tem a bagagem e talento para aproveitar as brechas e ainda conseguir imprimir subtextos e equilibrar as emoções do personagem muito bem – bastando notar como ele aproveita o momento certo para demonstrar sentimentos reprimidos em uma cena específica mais do que o texto todo o tinha permitido fazer.
Ao adentrar em seu 3º ato, 10 Segundos Para Vencer finalmente ganha um pouco de peso ao dar um vislumbre das consequências vindas dos conflitos pessoais, já que só conhecemos o boxeador numa linha biográfica bem convencional. Uma pena que não foi o suficiente para que realmente conheçamos quem é o homem apelidado de Galinho de Ouro, o que viveu por trás das transmissões de rádio e das lutas, não o que poderíamos ler em um resumo biográfico.
Nota:
Trailer
Data de lançamento: 27 de setembro de 2018 (1h 54min)
Direção: José Alvarenga Jr.
Elenco: Daniel de Oliveira, Osmar Prado, Ricardo Gelli, Keli Freitas, Sandra Corveloni, Rafael Andrade Munoz, Samuel Toledo