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Projeto Flórida: Um puta conto de fadas

Projeto Flórida: Um puta conto de fadas
  • Publicado em: fevereiro 28, 2018

Era uma vez uma menina de seis anos de idade chamada Moone (Brooklynn Prince). Ela morava com sua mãe a jovem e rebelde Hayley (Bria Vinaite) num dos quartos do Magic Castle Motel. Ao lado dos seus amigos, filhos de moradores em busca de aluguel barato nos motéis a beira de estrada, Moone passa os dias aprontando com os turistas a caminho da Disneylândia, compartilhando um único sorvete comprado com esmolas e dando trabalho a Bobby (William Dafoe) dono do hotel.

Mesmo que sua mãe, após sua demissão da boate onde trabalhava, viva de ajuda do governo, revenda perfumes e peça para a garçonete Ashley (Mela Murder) mãe do Scooty para dar sobras dos restaurantes para a sobrevivência das duas, nada atrapalhava as alegrias da infância de Moone: zombar dos adultos, fazer selfies com a mãe e aprender novos palavrões.

Orlando, na Flórida, é conhecido como o lugar mais mágico da Terra. Repleto de parques temáticos, hotéis resorts e diversas atrações turísticas. É o sonho americano, ou melhor humano, fazer uma viagem para conhecer o reino mais feliz da terra: a Disneylândia. Para isso, é preciso atravessar a Highway 192 na cidade vizinha de Kissimmee com seus móteis baratos, luzes de neon, armadilhas de turistas, fazendas pantanosas, casa abandonadas, lojas fechadas por bancarrota e por seus moradores sem-teto.
Sean Baker filmou tudo com lentes anamórficas de 35 mm. Criadas para que uma imagem mais larga pudesse se encaixar dentro dos limites físicos da película 35 mm, caso contrário, a imagem teria sempre sua base e topo cortados do quadro pelo projetor. Não por acaso, há muitas cenas panorâmicas em planos contínuos e abertos para o cenário de desolação e grandeza diante do elenco mirim.

Ao lado do diretor de fotografia Alexis Zabe, Baker escolheu essa técnica devido à alta saturação de cores e tons pastéis no ambiente urbano e ensolarado da Flórida. Deste modo, a riqueza de cores não estaria prejudicada nas telas com a lenta captura de imagem. O retorno para o digital foi para as cenas noturnas com Arri Alexa de resolução 2K e para a última sequência foi usado um iPhone 6S Plus.

Todas essas diferenças técnicas foram resolvidas na pós-produção para torná-lo um falso documentário dramático em formato 4k com ajuda de correção de cores na Technicolor PostWorks New York.

Originalmente, o filme teria mais cenas internas na Disneylândia como meio de contrastar fantasia e realidade da personagem de Moonee, porém devido uma série de restrições sobre proteção de imagem de empresa e liberdade criativa e expressiva de Baker, foi feita uma filmagem clandestina dentro do parque e o roteiro foi adaptado a partir disso. Inclusive no Epcot, existe o último Cinemascope do mundo cujo projetor permite melhor visualização das lentes anamórficas.

Tem uma cena curta e rápida envolvendo uma brasileira (Carolina Grabova) e seu marido fluente nos dois idiomas (Andrew Romana) a caminho da lua-de-mel no Magic Kingdom, mas graças ao cunhado João se hospedam no Magic Castle. Muito choro, taxista impaciente e nada de gorjeta para as crianças por trazerem a mala.
A atuação das duas estreantes é notável. Bria não fez teste de elenco para o papel, foi descoberta com seu perfil no Instagram. Sua personagem representa a geração que cresceu tendo em mente um ideal de felicidade a ser vivido a qualquer custo, mesmo quando as circunstâncias da realidade não permitem. Apesar das dificuldades financeiras e existenciais, ela permanece uma boa mãe e ainda vive o momento intensamente, apesar da censura social.

Brooklyn é a alma do filme. Ela usufrui das limitações trazidas da infância sem se abalar pela realidade. Não que seja esquizofrenia infantil ou negação do real, ela é criança e precisa brincar. Fala palavrão, cospe nos carros, toma banho enquanto a mãe atende clientes, simplesmente porque essa realidade permite e isso não a deixa infeliz. Ama a mãe e é amada por ela.

Bobby é uma espécie de bom samaritano para os sem-tetos. Permite transformar seu motel em condomínio clandestino, contanto que não falte dinheiro para o aluguel. Ainda é a voz do juízo ausente na Hayley e o guardião das crianças contra os perigos do mundo (como pedófilos). É rígido e severo quando preciso e de coração aberto.
Eis o cenário para essa fábula infantil sobre miséria, felicidade e família. Com direção de Sean Baker (‘Tangerine’), que também assina o roteiro ao lado de Chris Bergoch (‘Tangerine’), “Projeto Flórida” chega aos cinemas brasileiros em 1º de março de 2018 e será distribuído pela Diamond Films.
Assista e diga se Moone viveu feliz para sempre.

Sobre Projeto Flórida:

Direção: Sean Baker

Roteiro: Chris Bergoch, Sean Baker

Produção: Alex Saks, Andrew Duncan, Chris Bergoch, Francesca Silvestri, Kevin Chinoy, Sean Baker, Shih-Ching Tsou

Fotografia: Alexis Zabé

Trilha Sonora: Lorne Balfe

Montador: Sean Baker

Elenco: Aiden Malik, Andrew Romano, Angel Garcia, Bria Vinaite, Bronwyn Valley, Brooklynn Prince, Caleb Landry Jones, Carl Bradfield, Carolina Grabova, Christopher Rivera, Edward Pagan, Ginger Cook, Giovanni Rodriguez, Jasineia Ramos, Jim R. Coleman, John Sutton, Joop Katana, Josie Olivo, Karren Karagulian, Kelly Fitzgerald, Krystal Nicole Watts, Latanya Ortiz, Marisol Rivera, Mela Murder, Patti Wiley, Rosa Medina Perez, Sabina Friedman-Seitz, Sandy Kane, Shih-Ching Tsou, Sonya McCarter, Terry Allen Jones, Troy Kohlmaier, Valeria Cotto, Willem Dafoe

Written By
Redação

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