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FILMES CRÍTICAS

Viva – A vida é uma festa. Tradição e amor aos que partiram em uma obra inesquecível.

Viva – A vida é uma festa. Tradição e amor aos que partiram em uma obra inesquecível.
  • Publicado em: janeiro 29, 2018

Viva – A vida é uma festa (Coco, 2017) é uma animação diferenciada. Sua temática é extremamente delicada por tratar de um assunto que, infelizmente, é visto como um tabu: a morte. E isso poderia gerar um filme que seria ou muito triste ou desrespeitoso, principalmente se levarmos em conta a temática da despedida das pessoas que amamos. Isso, contudo, não acontece.

Viva é uma obra-prima da animação que pode ser vista por crianças, jovens, adultos e idosos. É corajosa em sua abordagem sobre o pós-vida, assim como é respeitosa no tocante à inteligência do público e os sentimentos que despertarão quando se trata de falar sobre a saudade. Em suma, a Disney-Pixar acertou e trouxe até nós um longa de animação que certamente será o vencedor do Oscar desse ano.

Acompanhem comigo, antes, um curta-metragem chamado O Almoço de Dante. Não há spoilers sobre a animação nesse curta.

Agora, eu explicarei o que me levou a fazer as afirmações iniciais…

Um roteiro impecável.

Fiquei receoso de encontrar uma animação cuja abordagem tendesse para algo mais dramático, capaz de impactar negativamente as crianças (teoricamente o público alvo de animações). Meus receios foram infundados e, ao contrário, acompanhei o desenvolvimento de uma história extremamente bem construída, cheia de lições valiosas que não tiram o prazer do entretenimento em si.

Há a já consagrada “jornada do herói” na história. Há diálogos interessantes e uma reviravolta certinha, muito bem arquitetada. Há personagens interessantes, cujo destaque entre os vivos é o protagonista Miguel, além do divertido Hector, um morto bem malandro. Tudo isso, entretanto, ganha mais vulto ao percebermos as ótimas inserções e o trabalho de pesquisa feito pelo roteirista Adrian Molina e sua equipe.

As tradições mexicanas estão representadas de um jeito pouco visto, atento aos detalhes de um povo que aprendeu a respeitar seus mortos. A visão dos mexicanos sobre o além-vida é um bálsamo para os que perderam seus entes queridos; isto está presente a todo instante em Viva.

Criando o mundo de Viva.

Molina com sua história e Lee Unkrich com sua visão de diretor dão vida à Viva. Claro que há uma equipe imensa de animadores, desenhistas, pesquisadores e muitos outros envolvidos no árduo processo de criação. Entre eles destacam-se os dubladores que dão, literalmente, voz aos personagens. A versão original, em inglês, é ótima, mas é preciso enfatizar o quanto é belo o trabalho dos dubladores brasileiros, aqueles que permitiram que nossas crianças compreendessem a totalidade das vozes e sentimentos por trás de cada um dos personagens. Que seus nomes sejam mais destacados e respeitados no mercado e por nós, espectadores.

Quanto à pesquisa que citei, basta dizer que as tradições do México estão incluídas de forma coerente e correta. A presença de Alebrijes (seres mitológicos que hoje são obras de arte chamadas de Alebrijes de Oaxaca), a inclusão do caminho de pétalas para os mortos, a festividade do día de los muertos… tudo muito bem enquadrado a uma realidade tão estranha a nós, cuja importância aprendemos – através da animação – a respeitar e admirar.

A trama.

Não posso prosseguir sem dizer qual a história por trás desse sucesso.

Bem, Viva é a narrativa de um menino, Miguel Rivera (Anthony Gonzalez VIII) que tem seu sonho posto de lado por conta da tradição familiar. Sua avó segue à risca aquilo que lhe foi passado pela tataravó de Miguel, uma mulher que foi abandonada e, ainda assim, superou o trauma e seguiu seu caminho. Ela criou uma família de sapateiros e garantiu o futuro e a tradição familiar, além de fomentar um ódio enorme por música, já que o homem que a abandonou era músico. Logo, ninguém na família deve gostar de música. Isso, entretanto, não impede que o jovem menino tenha um amor escondido pela beleza proporcionada pelas canções, principalmente as executadas com violões.

Tudo continua dentro de sua normalidade até que o grande segredo de Miguel é descoberto por sua avó Abuelita (Renée Victor) e o restante da família. Decepcionados, eles destroem as coisas do menino que estão relacionadas à música e o proíbem de seguir com suas aspirações. Contrariado, Miguel foge para o túmulo de Ernesto de La Cruz (Benjamin Bratt) e tira o violão dele do pedestal. Ao tocá-lo, o menino acessa o mundo dos mortos. O problema, contudo, está no fato de que ele não pode permanecer na Terra dos Mortos por muito tempo ou se tornará um deles.

Com a ajuda de Hector (Gael García Bernal) e integrantes mortos de sua família, o jovem luta para encontrar Ernesto e obter sua ajuda para retornar ao mundo dos vivos.

Fugindo de seus familiares liderados por Mama Imelda (Alana Ubach), Miguel trilhará uma jornada além de tudo aquilo que ele imaginou. Neste caminho, descobertas, emoções, cores, medo e confiança serão apresentados em doses capazes de impressionar até o mais cético dos espectadores. No mundo dos mortos, a vida está tão presente quanto no nosso mundo, assim como a maldade que é tão peculiar aos seres humanos.

Acompanhem essa aventura que já é um clássico e o mais provável ganhador do Oscar de Melhor Animação.

Uma grande lição.

Ao contrário do que nossas tradições impõem, o Dia dos Mortos no México é um dia para ser festejado, uma ocasião onde as famílias voltam a se unir. Mais do que isso, tal como aconteceu com os romanos, esse dia serve para que lembremos da importância dos que se foram, de suas lições e, sobretudo, para que demonstremos nosso amor por eles. Respeito à família é a maior lição que Viva nos deixa. Assim como vimos em Divertida Mente, Wall-e e Toy Story, a emoção é uma constante nesse novo filme da Pixar.

Easter-eggs.

Logo no início de Coco, é possível – se estiverem atentos – ver um carro que transporta o já tradicional foguete do Pizza Planet. A imagem dura menos de três segundos. Agora, vejam um alebrije de Nemo (Procurando Nemo):

Pouco depois é possível ver piñatas de Buzz Lightyear e Woody (Toy Story), assim como o inconfundível Mike Wazowski (Monstros S.A.).

El Santo é um ídolo da Luta Livre no México. Uma verdadeira lenda, sua figura permanece viva na tradição das lutas através de outras pessoas que assumiram o manto do lutador mascarado. Entretanto, o verdadeiro El Santo morreu em 1984. Sua aparição em Viva é mais do que uma mera referência à cultura mexicana, e sim uma homenagem a esse ícone da Lucha Libre.

Sid, o menino que aterrorizou os brinquedos de Toy Story, morreu?

Ao que tudo indica, o garoto cresceu e não durou muito. A aparição de um morto com a mesma camiseta dele é um dos indícios de que o menino de má índole pode ter morrido.

Há muitos outros easter egg que vocês mesmos encontrarão, incluindo a famosa sala A113. Frida Kahlo (a mais famosa pintora mexicana) não é bem um easter egg, mas esteve presente em divertidas aparições. Divirtam-se!

Esperança e castigo.

Um dos mais interessantes pontos sobre A Terra dos Mortos é o fato de que bons e maus estão reunidos sem distinção. Para isso, fica a explicação – provável – de que os mortos ainda não foram julgados. Mas a verdade sobre isso é algo que está apenas com quem elaborou o roteiro.

Agora, honestamente, um dos mais impressionantes pontos da trama é a abordagem de algo que está em desuso nos tempos atuais: a esperança. De modo diferente de nossa cultura, a morte não é o fim. Os mortos e os vivos têm a oportunidade de se reunirem novamente em um dia muito especial, data em que os dois mundos se fundem.

El día de los muertos não tem nada de macabro, assustador ou terrível. Há apenas o reencontro de pessoas que se amam e foram separadas pelo advento da morte. A piedade de tal crença é uma das maiores fontes de esperança, pois acreditar que é possível estar perto de um ente querido que se foi traz um alento para a alma e garante a permanência dessas pessoas amadas em nosso coração e memória.

Quanto ao castigo citado, fiquem cientes de que toda essa outra vida não é garantia de esquecimento do que fizemos quando vivos. A esperança de estar novamente ao lado dos entes queridos é tão palpável quanto o castigo para os que foram maus na Terra. Aliás, o maior castigo para um morto ruim é o esquecimento. Vocês verão isso e se surpreenderão com o tom sombrio e a dor dos que não mais têm quem se lembre deles.

Versão original ou dublada?

Honestamente, as duas estão sensacionais. Porém não posso deixar de citar o apuro da equipe de dublagem brasileira que deu voz e vida aos personagens. As interpretações deles estão ótimas e mostram um profissionalismo que já é marca das versões dubladas da Disney e da Pixar. Isso sem falar que podemos curtir um filmaço como esse ao lado de nossos pequeninos.

Miguel foi dublado pelo jovem Arthur Salerno; Hector recebeu a voz do ator Leandro Luna; Nando Prahdo cedeu sua voz ao ícone Ernesto de La Cruz; Mama Abuelita foi dublada por Marilza Batista com muito talento, diga-se de passagem; Mama Amélia (ou Imelda) é interpretada pela atriz Adriana Quadros; Carlos Silveira fez o Papa Julio; Papa Rivera foi dublado por Márcio Araújo; Mama Coco foi interpretada por Maria do Carmo Soares; entre outros.

A trilha sonora em português está disponível no Spotify.

Viva é um musical?

Não! Há belíssimas canções e o tema engloba o amor pela música, sem que isso transforme o filme em uma sequência de canções que, em casos de produções menos consistentes, estragam a narrativa proposta pelo roteiro.

Viva consegue conciliar a música a um ritmo narrativo impecável, o que não atrapalha o desenvolvimento da trama.

Na divulgação da obra, o canal do Walt Disney Studios Br apresentou um clip com Rogério Flausino (Jota Quest) com a música-tema “Lembre de mim”. Fiquem com ele agora.

E mesmo não sendo um musical no sentido mais amplo da palavra, Remember Me, a música principal de Coco é marcante por conter um pedido especial que, creio, todos nós gostaríamos de sermos atendidos: não nos esqueçam!

O canal Inside the Magic disponibilizou linda versões das músicas executadas no filme por legítimos Mariachis (El Mariachi de Santa Cecilia). A simpatia e a musicalidade do grupo dão vontade de nos transportarmos para o local da exibição e curtir as músicas e a tradições mexicanas que são características de uma cultura maravilhosa. Fiquem agora com a apresentação completa de Los Mariachis no pavilhão mexicano do Epcot – Walt Disney World.

Por fim, resta dizer que esse é um dos mais tocantes filmes que vi até hoje. Belo, bem construído, cheio de esperança e alegria. Sobretudo, uma animação corajosa por abordar a temática da morte sem que isso o deixasse pesado. Vocês se lembrarão por muito tempo de cada um dos personagens e se emocionarão do início ao fim de Viva – A Vida é uma Festa, o futuro vencedor do Oscar de Melhor Animação.

P.S.: a interligação do caminho que os vivos fazem para os mortos com pétalas e sua versão no mundo dos mortos é de uma delicadeza impressionante. Perfeito!

P.S.2: o nome do vira-lata Dante não foi escolhido à toa. Prestem atenção nele.

 

Written By
Franz Lima

Escritor de contos de terror e thrillers psicológicos, desenhista e leitor ávido por livros e quadrinhos. Escrever é um constante ato de aprendizado. Escrevo também no www.apogeudoabismo.blogspot.com

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