Atômica é o filme de espiã que Salt não conseguiu ser. Uma protagonista sexy, manipuladora e totalmente “badass”, da forma que os filmes Femme Fatale deveriam ter. Possui sequências de ação que, se tivessem feito um filme solo da Viúva Negra da Marvel, poderia ter. Um setlist 80’s fantástico que retrata fielmente não somente a época em que se passa a história, mas que encaixa com o roteiro e combina com as cenas. E ainda carrega a complexidade, inteligências e reviravoltas que marcam os filmes de espionagem “sérios”.
Como classificar “Atômica”? Ou, melhor dizendo, é possível simplesmente categorizar um filme como de ação ou de espionagem? Quando nos referimos ao termo “espião” costumamos associá-lo a duas vertentes cinematográficas: ou filmes mais parados, que dão mais ênfases às conversas, com um enredo mais culto, como é o caso de Ponte dos espiões, ou filmes com mais adrenalina, recheados de perseguição, tiros e aquele toque sedutor, caso clássico da franquia 007, mas que já se podem incluir concorrentes como Kingsman ou mesmo a franquia Bourne. Atômica tenta juntar os dois modelos, eu diria que na medida 50-50%.
Mais alguns dados importantes. O filme é dirigido por David Leitch, co-diretor do acerto John Wick. Tudo que deu certo no recente filme com Keanu Reeves, foi utilizado aqui como uma versão revista e ampliada. Uma ótima fotografia, uma paleta de cores fria que deixa o filme com um aspecto noir em alguns momentos, e quentes que reforçam o clima de ação e pancadaria, planos-sequência incríveis (plano-sequência são cenas longas filmadas sem cortes ou mudanças de câmera) e sequências de ação com um mix de realismo e HQ’s (porque nas revistas ou histórias de ‘heróis’ ninguém morre no primeiro tiro ou apaga no primeiro soco).
E eu ainda não citei até agora o principal do filme, a pessoa que consegue dar vida, veracidade, fôlego, sensualidade e fúria a tudo que já foi relatado aqui. Charlize Theron. A sul-africana de 42 anos interpreta a personagem principal de uma forma arrasadora, que leva “Atômica” a figurar entre seus melhores trabalhos (meus favoritos dela são “Monster, desejo assassino”, “Uma saída de mestre”, “Advogado do Diabo”, “Doce novembro” e, claro, “Mad Max – Estrada da fúria”). Em Mad Max ela já havia provado que poderia se sair muito bem nas cenas de ação, mas aqui ela eleva ainda mais o conceito. E não pense que se resume a um tiro aqui ou um soco ali. O longa contém um plano-sequência de mais ou menos 15 minutos entre sua personagem e 5 antagonistas que deveria se tornar referência. Tirando um ou outro problema de “quase imortalidade” das HQ’s (não esquecendo que o próprio longa é baseado na HQ The Coldest City), aqui temos a perfeita filmagem de cenas de luta de forma crua e realista. Ela bate, mas apanha. E muito. Sabe os filmes de ação que o/a protagonista nem desarruma o penteado? Esquece.
Foi uma parte do filme tão boa de acompanhar que até em certa parte comprometeu o que vinha sido mostrado até então, porque você fica com a vontade de que tivesse tido mais tempo de cena assim. Em verdade, tenho que confessar que “Atômica”, entre uma cena de ação e outra, possui pausas muito grandes para conversas e explicações. Também é verdade que esse é um item obrigatório em filmes de espionagem. A política, a complexidade do enredo, saber em quem confiar, descobrir quem está falando a verdade, imaginar quem está traindo ou vai trair.
Adianto que são muitos personagens e os momentos de conversa, embora em certos momentos sejam bem parados e esfriem o filme um pouco, são necessários para conseguir entender a trama. Até porque o filme é contado na forma de flash-back, em que são misturadas as cenas do interrogatório da personagem Lorraine (Charlize) com os momentos anteriores, em que ela estava em missão. Como até agora não falei nada sobre a sinopse, segue: Lorraine Broughton é uma agente disfarçada do MI6, enviada para Berlim durante a Guerra Fria, no auge da tensão entre as Alemanhas Oriental e Ocidental pré-queda do Muro de Berlim, para investigar o assassinato de um oficial e recuperar uma lista perdida de agentes duplos. Ela deve trabalhar ao lado do agente local David Percival (James McAvoy), mas ao partir para a missão recebe o conselho de seu superior: não confiar em ninguém.
O filme possui um bom elenco de apoio além de Charlize e McAvoy, com John Goodman, Til Schweiger, Eddie Marsan e Toby Jones. O envolvimento da personagem com outra espiã, a francesinha Delphine Lasalle (Sofia Boutella, do recente “A múmia”, que na verdade é Argelina), bem evidenciado nos trailers, acabou sendo alvo de críticas da ala conservadora. A verdade é que tem sim uma ou duas ceninhas mais ‘quentes’, mas que fazem parte do contexto da vida de espiões, que precisam usar todas as suas armas e recursos para conseguirem seus objetivos.
Resumindo e concluindo: as sequências de ação se alternam com as necessárias, porém arrastadas, por vezes confusas e monótonas cenas de diálogos entre os personagens. Mas que são compensadas pelo impacto das cenas de ação muito bem coreografadas e empolgantes, a trilha sonora maravilhosa com David Bowie, The Clash, George Michael, New Order, Peter Schilling, A Flock of Seagulls e Queen, e o magnetismo de Charlize em tela.