Conto: “Dissecando”. Vocês não se arrependerão por ler…
Agora eu o contemplo, frágil e inerte sob a mesa. Planejo o que fazer, ainda que saiba o quão incerto será nosso futuro. Relembro que é justamente essa incerteza que dá prazer. É do improvável que alimento meus sonhos.
Analiso-o enquanto repousa deitado. Ele não reage enquanto o disseco. Deixo água e comida próximos a mim. Serão longas horas juntos.
O dia passa rápido. Realmente o tempo voa quando estamos nos divertindo. Posso dizer que já o conheço quase tão bem quanto seu criador, mesmo com algumas lacunas. Seus segredos mais íntimos revelados aos poucos. E é por isso que me divirto tanto. Descobertas lentas, mas constantes.
Olho para o calendário e percebo que já se passaram dois dias. Rápido, não? Só mais alguns minutos e tudo terá acabado.
O fim chega. Eu o coloco ao lado, novamente fechado, sem vida. Contudo, analisando friamente, a verdade é que minha cabeça não é mais a mesma. O que vivemos juntos está impregnado na minha alma. O verdadeiro dissecado sou eu.
Eu sonho com tudo que havia dentro de você.
Durmo, acordo e continuo minha vida. Porém não consigo me desvincular de você. Longe de casa, entro em devaneios com o que revelou. Quem foi o verdadeiro dissecado? Quem realmente mudou?
Paro em frente ao espelho e não consigo ver a mesma pessoa de antes. Tudo que me contou transita em minha cabeça ininterruptamente. Palavra por palavra.
Volto para onde o deixei. Eu o toco e sinto que está frio. Novamente eu o abro e volto a contemplar seu interior, ainda repleto de detalhes que não vi antes. Recomeço todo o trajeto novamente, agora buscando o que me escapou aos olhos. Preciso completar a jornada.
Estamos novamente unidos: homem e livro.
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