Alô criançada! O Bozo Chegou! Trazendo alegria pra você e o vovô. Estamos trazendo muito amor. 1, 2, 3 e … vamos nós! Eu sou um palhaço, meu nome é Bozo! Bozo! Bozo! Vamos brincar! Sempre rindo, eu e você! Eu sou o Bozo, o palhaço de todos vocês!!!!!!
Que alegria!!! O filme é sobre um palhaço que passou mais de uma década animando as nossas manhãs, só pode ser uma comédia infantil. Vamos rir o filme inteiro, voltar a ser criança, torcer pelo cavalinho malhado… Bom, não é bem assim… Não é (só) uma comédia. Não é infantil. Mas é um filme que vale muito a pena ser visto.
A gente tem uma mania estranha de achar que todo filme protagonizado por palhaço tem a obrigação de nos fazer rir (exceção óbvia para o palhaço de It – A Coisa). Lembro bem quando o excelente filme do Selton Melo, “O Palhaço“, foi criticado justamente por ter sido incompreendido nesse mesmo sentido (relembre minha crítica aqui). Antônio Marcos também já tinha cantado sobre tal personagem a algum tempo na linda música “Sonhos de um palhaço“. Temos a tendência de confundir a nossa profissão com a nossa personalidade. É óbvio que um palhaço precisa (ou deveria) ter o dom de fazer os outros rirem, mas isso não significa que ele fica o dia inteiro rindo e fazendo brincadeiras. Todos somos humanos, todos tem problemas, temos nossos dias bons e dias ruins. Mas parece que para alguns é proibido sair do personagem, ou sair da sua profissão, de sua zona de conforto, é proibido – quase literalmente – tirar sua máscara. Por menor que ela seja, do tamanho de um nariz de palhaço…
“Bingo – o rei das manhãs” é um dos melhores filmes nacionais dos últimos anos, por uma série de fatores. Por características técnicas (direção, roteiro, montagem, trilha sonora), elenco (um Vladimir Brichta primoroso, ao lado da melhor atriz de sua geração, Leandra Leal, e cercado por ótimas atuações como Tainá Müller, Augusto Madeira, Ana Lúcia Torre, Emanuelle Araújo e o saudoso Domingos Montagner) e por novamente fazer esse levantamento sobre o estereótipo formado sobre essa profissão a qual parece proibido não ser/fazer feliz por um minuto sequer.
A história central é inspirada na vida de Arlindo Barreto, um dos mais de 10 intérpretes do palhaço ao longo dos anos (se você não notou quando criança que tinha mais de um Bozo, acontece…). Arlindo não foi o mais famoso intérprete, mas certamente foi um dos que teve a vida mais “agitada”. Foi ator de filmes de pornochanchada, interpretou o Bozo por três anos (1984-1986), teve problemas com drogas, se converteu à Igreja Batista e hoje é pastor evangélico.
O filme, por ser inspirado, romantiza e altera alguns fatos, de acordo com o relatado pelo “homenageado”. Arlindo é categórico ao afirmar que nunca se apresentou como Bozo sob efeito de drogas, mas admite que os bastidores do programa foi como exibido no longa: cercado de mulheres, álcool e drogas. Devido a problemas de direitos autorais, algumas características (a peruca passou de vermelho para azul), os nomes de pessoas e emissoras também foram alterados, embora seja extremamente fácil identificar os originais. A TV Globo virou TV Mundial, O SBT – que na época se chamava TVS – virou TVP, a Xuxa virou Lulu, o garoto Juca é referido como o garoto Pulga, Arlindo Barreto virou Augusto Mendes, e como diz o título, Bozo virou Bingo. A única exceção que eu percebi foi a Gretchen (Parabéns para a Emanuelle Araújo!!!). Até porque mito é mito, não tem pseudônimo à altura da rainha da internet! Aliás, falando nela, interessante pensar como a sociedade foi ficando chata politicamente correta. Hoje alguém ia permitir uma cantora/dançarina rebolando agarrada a um palhaço na TV aberta em um programa infantil de manhã rodeado de crianças? Ah, anos 80… saudades!!!!
Aliás, não posso deixar de elogiar como essa década foi bem retratada no filme. Os costumes, cenários, carros, propagandas, figurinos etc. A Tainá Müller com aquele penteado está um mix de Myriam Rios e Roberta Close, muito famosas naquela década. E a trilha sonora, então? Perfeita!!!! Para os saudosistas do Ploc 80 vibrarem a cada música nacional ou internacional.
Mas o que chama a atenção além de mostrar um intérprete de um palhaço com problemas com drogas e auto-estima? Duas coisas, que fazem com que o filme se torne ainda mais interessante. A sua relação com a mãe e com o filho. O filme mostra a admiração que Augusto Mendes tinha pela mãe Marta, que outrora foi uma atriz de teatro consagrada e terminou quase no ostracismo, como jurada de um programa de talentos. Essa admiração pela mãe se tornou também pelo palco, pois foi quando viu sua mãe mais feliz. Isso se interiorizou na criança, de forma que ele só seria feliz se fosse um ator de sucesso. Qual foi a ironia do destino se tornar o palhaço mais famoso do Brasil, mas nunca poder mostrar o rosto (existia uma cláusula de contrato que proibia revelar a identidade do Bozo)… Fez o sucesso que gostaria, alcançou o lugar de destaque, ganhou prêmios, mas nunca foi o Augusto quem recebeu os elogios, sempre foi o Bingo. Lidar com o sucesso e com o anonimato não é uma tarefa fácil para um ator…
A sua relação com o filho Gabriel (Cauã Martins) é bem mais dramática. Desculpem o mini spoiler, mas uma das frases mais marcantes do longa é quando seu filho diz algo como: “Você é o único palhaço que brinca com todas as crianças, menos com seu filho”. Essa frase imediatamente me lembrou a outro ótimo filme nacional biográfico, “Gonzaga, de pai para filho“, quando Gonzaguinha diz para o pai algo como: “um homem amado pelo povo, mas que não conseguiu amar o seu próprio filho”. Referências a uma vida de artista, seja ele um ator, cantor, apresentador, ou outra celebridade, que muitas vezes lhe traz fama, glamour, dinheiro, poder e outros benefícios, mas que também pode trazer o lado ruim da fama para os que se deixam iludir fácil: os problemas com drogas, depressão, inveja, cobiça, orgulho, os julgamentos… Toda profissão tem seus altos e baixos, seus dramas, seus conflitos… mas quando a sua vida se torna pública, os seus problemas também se tornam.
Mas o filme não é só drama. Como disse lá no início, o diretor Daniel Rezende e os roteiristas souberam dosar muito bem o filme. Tem os seus momentos tristes, mas também tem ótimos momentos, para dar muitas risadas. Um último recado: apesar de ser um filme sobre um palhaço, não é (nem de longe) recomendado para crianças. Até porque elas provavelmente não conhecem o Bozo mesmo… Deixem o filme para os que viveram os anos 80. Esses, sim, vão aproveitar, relembrar, se divertir, se emocionar e refletir.
Espero que tenham gostado. Uma bitoca no nariz.