O Ceifador, de Neal Shusterman
Um mundo onde a morte não mais existe pode ser tentador. De fato, muitos anseiam por um futuro onde possam tornar-se imortais, não padecer dos males biológicos e naturais. Um mundo sem violência desenfreada, sem doenças incuráveis, enfim, um mundo sem morte. Pois este é o mundo que Neal Shusterman criou para contar sua história. Um mundo distópico e, aparentemente, perfeito. Ninguém mais sofre, ninguém mais morre. Todos são imortais, existem pessoas com mais de 300 anos. Sem governos, políticos, médicos, policiais… Mas quando as pessoas são imortais e ainda assim reproduzem, a consequência é ter uma superpopulação que colocaria em risco esse mundo tão ‘perfeito’. Acabando os recursos naturais, como as pessoas conseguirão viver? Apesar de todo avanço tecnológico, os humanos de MidAmérica e o resto do planeta precisam – necessitam – da natureza. Para isso existe a Ceifa, um grupo de pessoas encarregados de equilibrar a população. Os Ceifadores coletam as pessoas, isto é, matam as pessoas por um objetivo humanitário: o de manter o mundo seguro e assim não esgotar os recursos naturais. Os Ceifadores são imunes às coletas, ninguém pode matar algum ceifador. A não ser que o próprio queira se auto coletar, o que está prevista nos Dez Mandamentos da Ceifa. Sim, eles possuem mandamentos e pode-se dizer que eles são membros de um grupo quase “divino”.
E é nesse contexto que Citra Terranova e Rowan Damisch são apresentados aos leitores. Os dois não são ceifadores, apenas adolescentes comuns que terão um futuro imortal pela frente. Mas tudo isso muda quando o Ceifador Faraday conhece cada um. São convidados a serem seus aprendizes, se é que podemos chamar isso de convite. Sabendo que não poderiam recusar, e temendo ser coletados, eles aceitam e passam a viver na casa humilde do Ceifador. Faraday reconhece a responsabilidade do seu trabalho, e o trata da forma mais humana possível. Por mais que a Era pós-mortalidade esteja “acostumada” com as coletas, ninguém espera que um dia a morte bata em sua casa. Assim, Faraday ensina aos seus aprendizes a ter compaixão e não deixar que o orgulho suba à cabeça só por portarem o manto e o anel, traje e acessório característico dos Ceifadores. O anel concede imunidade, por isso todos bajulam os Ceifadores com a esperança de beijarem o anel e ser poupados durante um ano. Desde cedo os dois jovens sabem que apenas um vai se tornar Ceifador, mas há uma reviravolta que coloca os dois como adversários – quem vencer, terá que coletar aquele que perder.
Dentro da Ceifa há aqueles que são desumanos ao ponto de sentir prazer em matar as pessoas. O grupo do Ceifador Goddard é conhecido por fazer coletas públicas, chegando a matar mais de 200 pessoas coletivamente. Estes, que se autodenominam de visionários, acham que chamar o que fazem de “coleta” é ter vergonha daquilo que realmente fazem: matar. Alguns eventos inesperados acontecem ao desenrolar da história, e Citra vira aprendiz da Ceifadora Curie, famosa por coletar pessoas importantes como o presidente dos EUA. E Rowan torna-se aprendiz de Goddard, para a sua infelicidade. O destino dos dois são incertos, e um deles chega a transformar-se naquilo que nunca pensou que iria ser. Deixa-se corromper com o que faz, embora ainda haja compaixão dentro de si e que o ajudará a tomar uma decisão arriscada, pois o que fez vai contra os mandamentos da Ceifa. Intrigas políticas, traições, reviravoltas e uma trama que prende o leitor. Com nota 4,3 no Goodreads, O Ceifador é um bom livro.
Questões filosóficas estão nas entrelinhas, o que faz com que reflitamos sobre se é ou não possível um futuro assim. As religiões não existem mais, não há mais descobertas, não existe aquela apreensão e esperança do que o amanhã trará. Tudo é muito óbvio, não há um sentido ou um objetivo maior para se agarrar. Um mundo niilista onde o prazer do desconhecido está em se jogar na frente de um caminhão ou pular de um prédio de dezenas de andares só para serem re-vivificados depois. Uma consciência virtual domina tudo, percebe tudo, providencia tudo – a Nimbo-Cúmulo. É assustador um futuro assim. Mas mesmo com os problemas que nos preocupam acabados – não há mais fome, desigualdade, crimes, mortes, doenças, desastres naturais – o homem ainda é homem, e o mal ainda habita dentro dele. Mesmo sendo imortal, o homem continua corrupto, invejoso, desleal, assassino. O que deixa claro que o problema não está fora do homem, mas sim dentro.