Na cena que abre Real – O Plano Por Trás da História, o economista Gustavo Franco (Emílio Neto) e sua mulher Renata (Paolla Oliveira) conversam sobre seu passado e suas aspirações profissionais com um outro casal de amigos. Em certo ponto da conversa, os dois homens começam a trocar provocações envolvendo suas inclinações políticas, até o momento em que os insultos começam a tomar conta do acalorado debate. De um lado, o economista defende as políticas liberais realizados em contextos diferentes no mundo, enquanto aponta contradições do sujeito que se diz contra o capitalismo, mas come caviar num restaurante caro (referência nada sutil a um insulto que se tornou famoso no Brasil). Do outro lado, o homem se irrita, levanta e chega a fazer um gesto de ameaça enquanto sugere que suas visões terão de ser eventualmente aceitas um dia como se na base da obrigação.
Ora, esse diálogo inicial é basicamente uma transposição de uma briga de rede social sobre política dessas que vemos todos os dias e que tendem a polarizar todo tipo de assunto. As dicotomias extremas que costumam permear esses “debates” acabaram ficando inevitáveis em tempos de internet e servem para demonstrar o imediatismo – e porque não, um certo desespero – do brasileiro em ser ouvido por suas frustrações com o universo político. Embora este seja um filme que pareça ter a intenção de não poupar os “lados” da política (tirando o 3º ato), ele claramente não esconde seu posicionamento quanto aos aspectos econômicos.
Na trama, Gustavo Franco é um brilhante economista que é chamado pelo governo de Itamar Franco (Bemvindo Sequeira) para ser secretário adjunto no Ministério da Fazendo, chefiado por Fernando Henrique Cardoso (Norival Rizzo), a fim de participar de uma força tarefa com o objetivo de formular uma nova política econômica na esperança de resgatar o Brasil de uma hiperinflação. Obrigado a enfrentar desafios do jogo político com os quais não tinha costume de lidar, ele percebe que o caminho a percorrer será muito mais difícil do que imaginava.
A história do longa é uma adaptação do livro 3.000 Dias no Bunker, do jornalista Guilherme Fiuza, e parte das motivações pessoais e profissionais do personagem Gustavo Franco como mote da premissa do roteiro de Mikael Albuquerque. Frustrado por passar parte de sua vida acadêmica batendo de frente com uma visão que vai de encontro à sua própria, como é dito em certo momento por ele mesmo: “Estou cansado de corrigir trabalho de aluno comunista”, Franco acredita que o caminho do liberalismo econômico é a melhor opção para salvar o país da crise. O fato é que o roteiro traça o caminho do protagonista como uma tentativa de mostra-lo como um herói. Sim, o Franco que vemos aqui está longe de ser um sujeito amável e caloroso; pelo contrário, se mostra constantemente egocêntrico e com uma evidente dificuldade em aceitar opiniões diversas, mas, ainda assim, o desenrolar do enredo se faz no claro objetivo de endossar suas ações. Isso fica mais claro quando ele é colocado num contraste com o intrincado jogo da política brasileira.
O que nos leva às caracterizações desses personagens que habitam os corredores do Estado brasileiro. Parecendo sair de um esquete de comédia, a maioria das figuras já conhecidas do povo brasileiro (se você tem alguma idade para isso, ao menos) são reduzidas a caricaturas involuntariamente hilárias. Com destaques para o Itamar Franco de Bemvindo Sequeira, que basicamente se resume a diálogos raivosos e expositivos enquanto os grita constantemente para os outros personagens (ao menos há uma boa cena em que o então presidente se mostra confuso quanto ao funcionamento do plano real, onde roteiro finalmente parece ter um lampejo de lucidez ao entender o próprio caráter humorístico). Enquanto isso, o FHC de Rizzo, mesmo não soando tão cartunesco quanto os outros, não vai muito longe fora a ser em ser um dispositivo auxiliar na hora de denotar a preocupação na reeleição frente aos graves problemas econômicos do país.
Já Emílio Neto até que tenta dar ao protagonista características que o transformem num personagem complexo através de expressões orgulhosas e da maneira condescendente de se dirigir aos opositores, mas, por culpa do didatismo do texto, ele acaba caindo numa bi dimensionalidade que transita entre o orgulhoso/raivoso e o determinado; característica essa que também se apoia na exploração da vida pessoal do sujeito – e aí é frustrante que sua esposa Renata acabe não ganhando qualquer sinal de vida própria no enredo, servindo apenas como auxílio na composição de Franco.
Se a maneira como esses personagens nos é apresentada já é problemática, não ajuda o fato de que Rodrigo Bittencourt parece não se decidir se está dirigindo atores para o cinema ou para o teatro. Em vários momentos do longa, principalmente naqueles que envolvem a dinâmica de formulação do plano econômico, os atores constantemente dizem suas falas – que já são expositivas por si só – de maneira extremamente impostada e artificial; e nos momentos onde o filme se parece mais com cinema, novamente o diretor parece não perceber que está fazendo comédia involuntária, o que pode ser bem visto na sequência onde os integrantes da força tarefa são enquadrados em câmera lenta enquanto caminham em direção ao espectador. Logo depois, o cineasta insiste na mistura de tons ao inserir os personagens trabalhando no bunker numa dinâmica que remete a um cruzamento de Onze Homens e Um Segredo e A Grande Aposta, só que se parecendo mais como uma sátira do que como uma influência.
Mas Real – O Plano Por Trás da História também tem uma parcela de acerto e ela vem do ritmo impresso pelo diretor e o montador Lucas Gonzaga. Conseguindo dar um certo estilo ao filme, Gonzaga é hábil ao manter as sequências do 1º e 2º ato ágeis e dinâmicas. Investindo em transições rítmicas e gráficas, a narrativa ganha certa energia e ainda tem a função de não deixar o espectador muito entediado com a linguagem econômica; e mesmo que em certas partes, a montagem revele cortes que saltam bruscamente de uma situação a outra – e creio que isso acontece mais pela qualidade do material recebido do diretor do que pelo trabalho de montagem em si – ela confere uma duração ao filme que não vai além do necessário. O resultado é uma obra que só correrá o risco de ficar entediante pela qualidade de seu roteiro, e não pelo seu ritmo.
Correndo risco de já se tornar uma obra que tenderá a dividir o público por questões políticas antes mesmo de seu lançamento, o longa de Bittencourt até que não procura eleger heróis na pele de políticos específicos – embora claramente o faça com vilões ao representar a oposição de FHC como ignorantes. Por isso, é interessante notar como aqui também se faz questão em não esconder o oportunismo dos partidos em usar o possível sucesso ou fracasso do plano para intenções eleitorais e segurança de seus cargos. Se há claramente um mocinho aqui, se trata do REAL e da visão econômica de seu principal idealizador, o que também não nos poupará da briga de torcida que invariavelmente irá surgir em seguida.
O fato é que esse é um filme que mais parece saído de um recorte televisivo do que propriamente cinema. Com uma voz em off que aparece de tempos em tempos – e com o mesmo tom didático dos diálogos – a narrativa resultada, embora com certo dinamismo, é desajeitada e descompassada em seu tom, além de não esconder sua visão panfletária acerca de seus valores econômicos. Claro que a arte não pode se limitar a visões únicas e tradicionais, como se somente determinadas ideologias obtivessem a virtude de exercê-la, mas também não significa que ela o faça de maneira bem executada, o que, infelizmente, não é o caso de Real – O Plano Por Trás da História.
Título Original: Real – O Plano Por Trás da História
Direção: Rodrigo Bittencourt
Roteiro: Mikael Albuquerque
Elenco: Emílio Neto, Bemvindo Sequeira, Norival Rizzo, Tato Gabus Mendes, Paolla Oliveira, Guilherme Weber, Cássia Kis e Mariana Lima.
Nota: 4,5/10
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2 Comments
Só tem filme toooop!!❤