O poderoso chefão, de Mario Puzo
Muitos conhecem O Poderoso Chefão das telonas, mas talvez nunca leram o livro que deu origem ao clássico da sétima arte. O livro de Mario Puzo também é um clássico da literatura e se tornou rapidamente um best-seller. Escrito com a urgência de um pai que tinha que ganhar dinheiro para criar os cinco filhos, pois os seus lançamentos não lhe rendiam muito, apesar de serem bem recebidos pela crítica, O Poderoso Chefão teve os direitos de adaptação para o cinema vendidos para a Paramount dois anos antes de ser lançado, o que evidenciava que a obra já era um sucesso instantâneo. Quando foi lançado, em 1969, o livro permaneceu mais de um ano na lista dos mais vendidos. Virou uma obra prima nas mãos de Coppola. Publicado pela Record, o clássico ganhou nova capa em 2016.
Contando a história, fictícia, de Don Corleone, ou o Padrinho, o autor escreveu tão detalhadamente e com muita verossimilhança que os chefes das máfias em Nova York ficaram suspeitando de que o autor recebera informações de algum membro das Famílias. Puzo era jornalista e pesquisou muito para poder dar vida aos personagens marcantes, idiossincráticos e cruelmente inteligentes. O Don nascera em uma pequena vila na Itália, mas fugiu para a América após a morte do pai. Tentara levar uma vida comum, obedecendo as leis, acatando o seu destino. Mas como aprendemos com o Don, o destino de um homem está traçado há muito. E o seu destino não era ser qualquer um. Entrou para a vida ilícita após sofrer algumas injustiças e após assassinar um homem que era bastante temido. Assim, Vito Corleone tornou-se uma figura muito respeitada nas imediações da 9 Avenue. Um homem inteligente, prudente e frio quando o assunto era matar alguém. Nunca cometia alguma injustiça, isso ele não fazia. Corleone era o Padrinho, como lhe chamavam carinhosamente aqueles que iam ao seu encontro pedir algum favor. Mas eles também sabiam que, quando pediam algum favor, teria que ser retribuído com grande satisfação. O Padrinho não exigia nada para resolver o problema de alguém, a não ser que essa pessoa lhe desse a sua amizade como forma de gratidão. Era só isso que desejava e era isso o que recebia.
Don Corleone entrou para o negócio de Azeites e rapidamente ganhou poder nas ruas de Nova York. Não irei explicar como foi o processo, pois estaria lhe fazendo um desfavor. Compre o livro e se impressione, assim como me impressionei. Seus filhos, Freddie, Sonny, Michael e Connie eram o seu tesouro. Sua mulher, o amor da sua vida. A primeira parte apresenta alguns personagens e seus problemas, todos eles recorrendo ao Padrinho e o casamento de Connie com Carlo Rizzi, que seria um desastre. Michael não queria se envolver nos negócios da Família e tivera uma vida comum. Freddie e Sonny trabalhavam com o pai, mas havia uma dúvida de quem o sucederia. O mais sensato seria escolher Michael, mas isso era praticamente impossível.
Quando Don Corleone sofre uma tentativa de assassinato, a guerra entre as Famílias explode e a paz que antes estava estabelecida cessa. Com o Don hospitalizado, Sonny assume os negócios. Mas Sonny não tinha a inteligência e prudência do pai, e isso lhe seria fatal. Mortes, traições, sexo, dinheiro, corrupção, mentiras, poder. Tudo se resumia ao poder. Se alguém tivesse mais poder do que você, isso bastava. Quando se tem muito poder as pessoas passam a temer você e o reverenciar. Não por ser leal, bondoso, humilde. Mas porque sabem que você tem o poder de matá-lo a qualquer momento, basta querer ou merecer. Mas mesmo com muito poder o Don foi traído. E a guerra para tomar o seu poder derramou muito sangue, até mesmo o sangue do seu sangue.
Sim, o poder corrompe o homem. Mas o Don não matava por prazer, nem por egoísmo. Tudo o que fazia era pensando nos bons homens que eram rejeitados pela sociedade e pelo poder público, o que os levavam a ter uma vida de miserável. Se o mundo era injusto alguém precisaria criar um mundo onde não houvesse injustiça, mesmo que esse mundo fosse brutal. Há alguns trechos que pode explicar o quanto a sociedade e as autoridades desprezavam alguém que dava a sua vida para a segurança de todos.
Albert Neri foi o único a ficar surpreso quando abriram inquérito no Departamento de Polícia para apurar as acusações contra ele por usar força excessiva. Foi suspenso de suas funções, sendo apresentadas acusações criminais contra ele. Depois de indiciado por homicídio, foi condenado à pena de dez anos de prisão. Naquela época, ele estava tão cheio de fúria frustrada e ódio contra toda a sociedade que não ligava para nada. Ousaram julgá-lo como um criminoso! Ousaram mandá-lo para a prisão por matar um animal como aquele negro cafetão! Não deram a menor importância à mulher e à menina que tinham sido retalhadas a navalha, desfiguradas para o resto da vida, e que ainda se encontravam no hospital.
Eram homens como Alber Neri que o Don se propunha a ajudar, mas nesse caso também Michael. Sim, e possa ser que lhe contei um spoiler. Pois quando o destino de um homem está traçado, nada fará que ele fuja disso. E assim Michael Corleone assumiu o lugar do pai.
Apesar de todo esse lado sombrio e violento de Vito Corleone, o Don, vemos que há um lado bonito também. Um homem preocupado com a família, que nunca fora infiel à esposa, que sempre amou e cuidou dos seus. Um homem que queria transformar o mundo, dar oportunidades às pessoas que tinham capacidade mas eram descartadas por aqueles políticos corruptos e pela sociedade. Algumas coisas nunca mudam e mesmo a história se passando nos anos 1945-55, percebemos algumas semelhanças com a nossa época. O leitor é apresentado a um mundo obscuro, um mundo dentro de um mundo maior, onde quem tem mais poder controla e dita as regras. Não muito diferente do mundo maior, é verdade. Mas conhecemos como as máfias agem, pois essa obra é a mais perfeita reconstituição das famílias mafiosas de Nova York. Um livro onde você pode aprender algumas lições de como liderar pessoas, mas que use para o bem. O desejo de Don Corleone era de que os netos tivessem uma vida comum, que no futuro pudessem ser advogados, juízes, governadores e até mesmo presidente. Não queria que eles se envolvessem nos negócios da Família, pois sabia que isso significaria uma vida difícil e perigosa.
Antes de morrer Don Corleone entende que, mesmo que o mal e a injustiça habite esse mundo, a vida é bonita. Mesmo que homens se matem pelo poder, a vida é bonita. Os únicos responsáveis por transformar isso aqui em um lugar inseguro, corrupto, maldoso e perigoso somos nós mesmos. Pois a vida é bonita.