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Naftalina: O Clube dos Cinco

Naftalina: O Clube dos Cinco
  • Publicado em: abril 10, 2017

“E essas crianças nas quais você cospe enquanto tentam mudar seus mundos são imunes às suas consultas. Elas estão bem cientes do que estão passando” (David Bowie)

Ninguém conseguiu transpor para as telas com tanto sucesso a juventude dos anos 80 como o diretor John Hughes. Vários de seus filmes foram sucessos absolutos da Sessão da Tarde, como “Gatinhas e Gatões”, “Mulher nota 1000” e “Curtindo a vida adoidado”, além de ter sido roteirista em obras como “A garota de rosa shocking”, “Férias frustradas”, “Esqueceram de mim”, “Beethoven”, entre outros. Mas nenhum filme falou de uma forma tão clara, objetiva e direta sobre a adolescência como “O Clube dos Cinco”.

Sábado, 24 de março de 1984. Cinco alunos da escola Shermer estão cumprindo detenção escolar na biblioteca por terem cometido diferentes infrações. O diretor da escola, Richard Vernon (Paul Gleason) os avisa que eles deverão passar o dia sentados e escrever uma redação de 1000 palavras sobre quem eles são. Ou ao menos quem eles pensam que são. Um cérebro/CDF, um atleta/popular, um caso perdido/esquisita, uma princesa/patricinha e um criminoso/problemático. O filme consegue abordar os conflitos, os problemas, as frustrações e os sonhos de 5 adolescentes completamente diferentes. O que poderiam ser clichés e estereótipos viraram personagens símbolos que são imediatamente associados a seu amigo, parente, ou qualquer pessoa que você conhecia na época. Ou, principalmente, a você mesmo! O filme conseguiu reportar as personalidades e os diferentes problemas que os cercam de uma forma direta e complexa como poucos conseguiram. Talvez, hoje, os jovens de hoje, com acesso a tanta informação e com uma outra forma de pensamento, achem o filme fraco, básico ou tedioso. Mas quem viveu a geração 80 sabe como naquela época praticamente só tínhamos o cinema e as músicas como formas públicas de expressão. E o Clube dos Cinco foi pioneiro na forma, muitas vezes amarga, de expor a realidade conflituosa que existe na mente dos adolescentes e ligar o alerta sobre a forma como estão sendo educados em casa e na escola.

Tais personalidades marcantes foram interpretadas pelos seguintes atores: o problemático John Bender foi vivido por Judd Nelson, o mais velho do grupo. Foi seu segundo filme, e logo foi convidado para outro clássico oitentista, “O primeiro ano do resto de nossas vidas”. Ainda atua em filmes pouco conhecidos até hoje, acumulando com funções de produtor e roteirista.  O atleta Andrew Clark é interpretado por Emilio Estevez, irmão mais velho de Charlie Sheen. Também foi convidado para atuar em “O primeiro ano…”. Esteve no primeiro “Missão Impossível” e hoje se concentra como dublador e diretor.  A revoltada Allison Reynolds ficou a cargo de Ally  Sheedy. Ela completa a metade do elenco que foi convidada para “O primeiro ano…”. Hoje ela concilia a carreira de atriz com a de professora de artes cênicas. O estudioso Brian Johnson é Anthony Michael Hall. Participou de “Férias frustradas“, “Gatinhas e Gatões“, “Mulher nota 1000“, e também ficou conhecido pelo papel principal na série “O Vidente“. A patricinha Claire Standish foi representada pela queridinha Molly Ringwald. Musa do diretor (se fosse hoje, provavelmente seriam alvo de diversos comentários maldosos), foi personagem principal de “Gatinhas e Gatões” e “A garota de rosa shocking“. Hoje ela é escritora, cantora e atua em filmes e séries. Além do elenco, também é digno de nota citar a música que embala o início e o final do filme, a sensacional “Don’t you forget about me“, da banda Simple Minds.

Um roteiro simples. 90% do filme concentrado em um único cenário e 5 personagens, durante um dia. Poucos personagens de apoio, pouca distração, pouco alívio cômico, poucos recursos para aumentar o tempo de duração do filme desnecessariamente. Em 97 minutos, temos uma aula de como nos envolver com os personagens e com as suas histórias. Porque não eram histórias extraordinárias, fantásticas ou Shakesperianas. Eram histórias comuns, que faziam parte do dia-a-dia dos jovens. Do nosso cotidiano. Inclusive várias cenas foram completamente improvisadas na hora pelos atores. Em uma época que não existiam redes sociais, não existiam psicólogos e assistentes sociais nas escolas, que a palavra “bullying” ainda não estava na moda, que os jovens ainda conversavam entre si pessoalmente…

Fazendo um olhar crítico, os problemas e conflitos dos jovens permanecem os mesmos de 30 anos pra hoje, só são tratados de uma forma diferente. Talvez um castigo semelhante hoje em dia não surtisse o menor efeito. A não ser que os celulares e demais equipamentos eletrônicos fossem confiscados, hoje seria muito provável que todos eles passassem o dia nas redes sociais, escrevendo textões sobre como sua punição foi injusta, e não dessem nem ao menos um “bom dia” uns para os outros. Interessante notar como o filme trata de questões hoje que o politicamente correto dificilmente permitiria. Ainda mais à tarde na TV aberta. Os personagens fumam maconha, conversam sobre virgindade e sexo, drogas, relacionamentos problemáticos com as famílias. Ou seja, assuntos recorrentes em conversas de jovens, que ainda estão vivendo a fase de descobertas. A diferença é que neste filme opiniões pessoais e senso crítico foram descartados. Mas também não houveram excessos, alienações, favorecimentos ou apologias. São simplesmente assuntos abordados em uma conversa de jovens.

De cara vamos nos afeiçoando a determinados personagens, ou criando uma certa antipatia a outros. Mas quantas vezes fizemos um pré-julgamento de alguém que só vimos de relance ou com quem tivemos pouco contato, e, depois, com a convivência, vamos mudando a nossa forma de pensar sobre tal pessoa? Quantas vezes mudamos nossa opinião sobre o outro depois de conhecer melhor tal pessoa? Quantas vezes a aparência, a fama, as atitudes ou o modo de agir de uma pessoa diz tudo sobre ela, e depois descobrimos que era algo completamente equivocado? Agora olhando sob uma outra perspectiva, quantas vezes usamos máscaras para esconder quem nós somos de verdade? Porque não nos aceitamos, porque temos vergonha, porque nos achamos inferiores, ou mesmo superiores! O filme mostra esta desconstrução de personagens de uma forma brilhante. À medida em que vão se conhecendo, eles vão se revelando, a amizade vai se firmando e os jovens se tornam mais confiantes para se abrirem mais, para se expor mais. Suas camadas vão sendo descascadas da mesma forma como seu figurino. Reparem que no início todos estão com jaquetas, casacos, sobretudos e demais roupas sobrepostas. Ao longo do filme as peças de roupa extras vão sendo descartadas, revelando outras faces de seus interiores.

Não podemos nos esquecer que todos nós reagimos de uma forma diferente ao que o mundo nos oferece lá fora. Alguns tiram de letra zoações, brincadeiras, xingamentos, preconceitos. Outros absorvem isto de um jeito que muda completamente a sua vida. Todos possuem defeitos, imperfeições, problemas, inseguranças. Muitas vezes os jovens só precisam de ajuda, de uma conversa, de um amigo, do amor de seus pais. A sociedade os rotula como um cérebro, um atleta, um caso perdido, uma princesa e um criminoso. E se cada um de nós tivesse um pouquinho de cada um? O Clube dos Cinco foi um marco que nos alertava: só conhecemos uma pessoa de verdade depois que descobrimos quem ela é por dentro. Não julgue, não maltrate, não idolatre, não ignore! Respeite! Já se passaram mais de 30 anos, por que ainda não conseguimos compreender isto?

Written By
Leonardo Casillo

Professor (computação), músico (teclado), blogueiro (leocasillo), nordestino (Mossoró-RN), nerd (que a Força esteja com você!) e cinéfilo (menos terror).

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