Os olhos que me viram!
Ela era talvez a dona do olhar mais belo que eu já havia visto em toda minha vida. A bem da verdade, a cor de seus cabelos favorecia um contraste que fazia de seus olhos ainda mais azuis e profundos como que se tivessem a capacidade de penetrar no mais profundo da alma. Da alma de quem olha! Eu não sei bem como explicar isso, mas é preciso dizer que de alguma maneira, eu não sei como, mas havia magia na sua voz, não era uma voz doce, precisamente, mas mágica, dotada de um tempero, um néctar que poucas vozes possuem, mas que eu ouvira pela primeira vez.
Bruxa, fada, mocinha ou cortesã? Nenhum questionamento me parecia mais importante do que seus olhos, aliás, nada seria capaz de tirar de mim o que um simples olhar foi capaz de mudar…
Era como se naquele instante, naquele dia ensolarado de inverno, com o simples disparo de um olhar nada profundo por sinal, ela, a dona dos olhos mais lindos de todo o mundo e dos mundos do porvir, tivesse lançado em mim a semente da existência da esperança que eu já havia perdido a muitos anos em uma dessas latas de lixo antigas, que o governo desastrosamente espalhou pela cidade. Eu não sei bem se alguém poderá compreender o que escrevo, mas, dane-se, acabo de descobrir que um olhar pode mudar o rumo da minha vida, ou, na pior das hipóteses me deixar completamente apaixonado.
Acho que é nisso que reside o mistério e o sabor do amor: Em se apaixonar pelo que não faz sentido. Ou alguém me dirá que faz sentido se apaixonar por um olhar que outros veriam como sem sal, sem cor, sem luz, mas que para mim é sol em pleno dia de chuva? É a minha interpretação do olhar. Como pude deixar que meu coração se apaixonasse por um olho azul, um simples olho azul. Não, não seja tolo, não se trata do olho, da cor, mas sim do conjunto, do olhar, se trata de mim, de minhas vontades secretas, do que aquele olhar conseguiu enxergar no mais profundo do meu ser.
Ela saiu pela porta lateral, passos lentos em meio as poucas pessoas que pegavam seus livros nas estantes, ela não olhou para trás, também não precisava, apenas saiu, sua mão tocou a porta, eu nunca mais a vi, mas seu olhar, bem, ele continua vivo até hoje dentro de mim. Talvez o amor seja assim, nos mostre que ele existe na simplicidade complexa de um olhar e depois vá embora, altivo, egocêntrico, mas inegavelmente existente.
Eu nunca mais a vi, talvez se quer a verei, mas uma lição aprendi: Existe muito mais dentro de mim, do que eu mesmo possa enxergar.