Cinquenta tons de cinza (2015)
Cinquenta Tons de Cinza (Fifty Shades of Grey – 125 min): Anastasia Steele é uma estudante de literatura de 21 anos, recatada e virgem. Uma dia ela deve entrevistar para o jornal da faculdade o poderoso magnata Christian Grey. Nasce uma complexa relação entre ambos: com a descoberta amorosa e sexual, Anastasia conhece os prazeres do masoquismo, tornando-se o objeto de submissão do sádico Grey.
Penso que essa não será das críticas mais úteis, visto que (I) eu não li o livro e não quero ler, (II) o livro foi escrito basicamente voltado para o público feminino, que gerou enormes expectativas sobre o filme e saiu frustrada do cinema (o que eu já imaginava, depois falo melhor sobre isso) e (III) fui assistir o filme sem a menor pretensão de gostar, mais motivado pela curiosidade mesmo, depois de todo o hypie criado pela mídia, pelo marketing gerado e pelas reclamações e críticas do público. Mas para não ficar de fora da minha lista de análises, seguem algumas considerações.
Também levei em conta o conhecimento prévio de alguns detalhes internos, como a briga entre a autora do livro E.L. James e a diretora do filme Sam Taylor-Johnson, o fato do filme ter sido encomendado e filmado às pressas para aproveitar o sucesso absurdo do livro, a pressão que a diretora sofreu para conseguir realizar um filme comercial, com todas as exigências impostas pela autora e o cuidado para não transformar o longa em um filme pornô. Por último, li recentemente uma entrevista dos produtores confessando terem usado uma dublê de corpo para a atriz e terem gerado detalhes mais “íntimos” dos atores por computação gráfica.
Então, abstraindo todos os detalhes já pré-conhecidos, minha opinião é que o filme até que funciona, se você souber encaixá-lo na categoria certa, se lembrar de todos os detalhes impostos e conseguir ignorar ou aceitar alguns fatos. Pra falar a verdade, se você assistir depois ao filme em DVD com a função censura ativada (ou seja, cortando todas as cenas eróticas), vai acabar vendo um romancezinho adolescente bem simples, no estilo Crepúsculo. Imagino como a diretora suou para fazer com que um conto de fadas moderno proveniente de uma literatura de quinta funcionasse na tela sem ficar chato e monótono e sem exagerar nos artifícios sexuais que o livro usa para manter o interesse.
No filme vemos uma moça virgem, descuidada, romântica, estudiosa, que acaba se apaixonando por um príncipe encantado. Um rapaz jovem, bonito, milionário, solteiro, cobiçado, e que incrivelmente também se apaixona por ela. E acaba vivendo em um mundo até então desconhecido e quase impossível de acontecer: carros importados, helicópteros, hotéis de luxo, presentes, vestidos, etc. Mas ao conhecer um pouco melhor seu novo namorado, ela descobre que ele não é uma pessoa “comum”.
A personagem Ana ganhou pontos por não ter se deslumbrado com o seu novo momento social e amoroso, ter mantido seus valores morais, tentar satisfazer os desejos de seu namorado, mas sem ultrapassar seu limite aceitável. Do lado de Christian Grey, vejo um playboy traumatizado, que pode ter visto em Anastasia uma nova presa fácil ou então algo que não era possível ter: um relacionamento que não estava postado no interesse social ou financeiro.
Nesse sentido, Jamie Dornan não faz muito mais do que o seu personagem pode lhe oferecer. Dono de uma boa aparência física, faz um sujeito dominador, manipulador, sem muitas emoções. Não explorou (ou o livro não o faz) o lado traumatizado ou sofrido de infância. Li que não foi a primeira opção de ator para o personagem, mas não sei se o roteiro amarrado poderia proporcionar a algum outro ator uma melhor atuação. Já Dakota Johnson consegue se sair relativamente bem nas cenas mais fortes (lembrando da dublê de corpo para suas cenas de costas e da CGI na região íntima) e nas cenas mais românticas. A exceção fica por conta de sua constante mordida nos lábios que, o livro pode tentar sugerir algo mais excitante ou erótico, mas no filme ficou completamente irritante.
Resumindo: excluam o quarto de jogos e as cenas de nudez e o que temos é Ana tentando mostrar a Christian que ele pode ter um relacionamento afetivo normal, diminuir seus traumas e se apaixonar por ela, assim como ela se apaixonou por ele. Uma história bonitinha…
O problema é que o livro e o marketing gerado em torno do livro não venderam o filme assim. Como já existem outras adaptações de Cinderela, a autora resolveu dar um toque mais moderno… E isso inclui o homem rico gostar de ser um dominador sexual, propondo que sua namorada seja uma submissa de seus desejos masoquistas. Então, como o público queria ver outra coisa, não presta muita atenção na história do romance casal porque quer ver as cenas de “jogos”, e acaba se decepcionando com o resultado. Essa decepção, como falei antes, ocorre por alguns motivos:
Já citei o fator censura em filmes comerciais – e isso lá nos Estados Unidos conta muito e é respeitado. Também já falamos do fato da diretora tentar fazer um filme mais comercial, e isso a obriga a amenizar as cenas de sexo. Outra questão, mais subjetiva e filosófica, atinge boa parte dos livros que viram filmes. Ainda mais nesse caso, que dá mais “asas à imaginação”. O público tem a tendência de rejeitar muitos dos fatos e situações que vê na tela porque era diferente de como havia construído essa cena na sua mente. Isso é óbvio, visto que o longa foi filmado com base na visão da diretora, que certamente é diferente da sua visão. Somos pessoas diferentes, pensamos de maneiras diferentes.
O terceiro motivo é quase um consenso entre todos os críticos de cinema: americano não sabe fazer filme erótico. Com pouquíssimas exceções. Assista um filme erótico europeu e assista um americano e perceba a diferença. Por mais que estejamos em uma época com menos preconceitos e mais liberdade, a mente do americano ainda é muito conservadora. Coisas que são absolutamente normais para os europeus podem chocar os americanos. (Pelo menos eles são sinceros nisso, não são falsos liberais como o brasileiro, que no carnaval tudo pode, mas depois é indecoroso, vergonhoso ou até crime). No caso de cinquenta tons, definitivamente o cinza não é a cor mais quente…
Um detalhe. Estou falando de filme erótico. Se você acha que filme erótico é a mesma coisa que filme pornô, eu só lamento. Você deixou de assistir Os Sonhadores, Malena, De olhos bem fechados, Instinto selvagem, Beleza Roubada, Pecado original, ou até mesmo o cult 9 1/2 semanas. O problema é quando o erotismo e o relacionamento são usados além do que pede a cena e o contexto, sendo puramente chamariz para mostrar o sexo e a nudez, e não o filme. O famoso limite tênue entre a arte e a vulgaridade, o erótico e o pornô, que ainda vai gerar muita polêmica por muitos e muitos anos.