Tungstênio: crítica social que une perfeitamente o cinema e a HQ.

Não há muito o que se discutir. Tungstênio é um ótimo filme baseado em uma ótima graphic novel. Com maestria, o diretor Heitor Dhalia conseguiu recriar o clima e os diversos detalhes que estão presentes na obra de Marcello Quintanilha. Aliás, esse é um dos mais fiéis quando o assunto é adaptação, o que torna Tungstênio (o filme) um perfeito e indispensável complemento da premiada HQ.

Destinos que se cruzam.

A trama começa com uma rápida aparição de Richard, mas é com Caju (Wesley Guimarães), um malandro que ganha a vida no tráfico de drogas, que a narrativa capta a atenção do espectador. Ele é amigo do Seu Ney (José Dumont), um ex-militar que não consegue ficar longe dos tempos áureos em que serviu ao Exército, um verdadeiro e radical saudosista que vê todos como indisciplinados.

Os destinos desses dois se unem também aos de Liece (Pedro Wagner) e Poró (Sérgio Laurentino), pescadores que se valem do artifício de matar os peixes com bombas, um recurso extremamente errado. Até aí tudo bem, mas o que ninguém contava era que Seu Ney tivesse um surto “militar” e exigisse que Caju o ajudasse a prender os infratores. É nesse ponto que realmente somos apresentados a Richard (Fabrício Boliveira), um policial que não abre mão de fazer a justiça.

E por falar em Richard, não podemos esquecer da bela e triste Keira (Samira Carvalho), a esposa dele. Keira foi durante muito tempo uma mulher submissa, aquele tipo que acata todas as vontades do marido, seja no sexo ou nos afazeres mais simples do lar. Digo “foi” por que ela não mais aceita isso e tomou uma decisão: ou o cara toma jeito e passa a tratá-la direito ou chegou a hora da separação. Bom… pelo menos é o que ela diz.

Todos esses personagens estão teoricamente em seus próprios mundos. Caju e Seu Ney, Richard e Keira, Poró e Liece. São pessoas que dificilmente se encontrariam em condições normais, mas que são unidas pela “loucura” temporária de Seu Ney, cuja vontade de fazer justiça acaba por forçar o entrelaçamento desses destinos tão diferentes.

E é aí que começa o caos…

A simbiose entre quadrinhos e cinema.

Com base na obra de Marcello Quintanilha, o diretor teve pouco trabalho para criar as ambientações e cenas do filme. A graphic novel é uma obra de arte por natureza, cheia de detalhes e ricamente ilustrada. As locações, expressões faciais, diálogos e a narrativa estão presentes e marcam a História em Quadrinhos de forma perfeita. Logo,  Heitor Dhalia se vale dessa ferramenta perfeita para fazer um complemento à HQ que, por sua vez, complementa o filme. Há uma simbiose que dá certo, a união entre a narrativa gráfica e a narrativa cinematográfica.

A verdade é que toda a trama já tem um impacto enorme na História em Quadrinhos. Você lê, vê e volta a fazer tudo isso de novo, tal é o primor narrativo e gráfico da obra. Então, quando se depara com a versão cinematográfica e todas as emoções da HQ voltam à tona, percebe-se que aquilo que nossa imaginação deu vida (literalmente) quando líamos os quadrinhos, de repente ganha cores, vozes, sons e emoção pelas lindas cenas, ótimas interpretações e uma bela trilha sonora.

Sim, não posso deixar de citar um ponto importantíssimo do filme que é feito por nós, leitores, nos quadrinhos: a narração. Vê o trecho ao lado? Nele há dois quadros na HQ onde alguém diz o que passa na mente de Richard. Pois bem, esse papel foi entregue ao genial Milhem Cortaz (Tropa de Elite e Malasartes e o duelo com a Morte), o narrador que dá mais intensidade e dinâmica aos acontecimentos. A voz dele é marcante e está presente em todo o longa-metragem.

Bahia de todos os santos.

Fugir da tradicional visão da Bahia foi uma jogada inteligentíssima de Marcello Quintanilha. Retratar a periferia (ao invés dos pontos turísticos e famosos) e focar mais nos diálogos deram força à trama. Isso também é visto perfeitamente no filme. Óbvio que ter o próprio Marcello entre os roteiristas facilitou muito essa árdua jornada de adaptar uma obra tão prestigiada e premiada (recebeu elogios até de David Lloyd, de V de Vingança).

A verdadeira Bahia é muito mais que um simples território delimitado no Brasil. A Bahia tem ginga, uma linguagem própria, a ginga, o som característico do berimbau… tem axé, não importa se você seja rico ou pobre. Encontramos por lá as mesmas dificuldades que existem em qualquer grande cidade, mas isso não impede que o povo busque constantemente pela felicidade. Isso não impede que o baiano seja um guerreiro por natureza, robusto como o Tungstênio que dá nome ao filme e à HQ.

Heróis ou vilões?

Não há definição entre o herói e o vilão em Tungstênio. Todos, sem exceção, têm um ponto negativo. De igual forma, todos também têm seu lado positivo. Os pescadores erram ao usar bombas, o policial exagera no rigor, o ex-militar surta, a esposa oscila entre a pacata e a ousada, o traficante vende o vício. Em contrapartida os pescadores precisam ganhar dinheiro para viver, o policial sente o efeito da pressão de sua profissão, a esposa nutre amor pelo homem que escolheu, o traficante é um bom filho. A balança de personagens tão complexas mostra que há mais veracidade na história do que em outras similares pelo fato de que o autor se valeu de pessoas comuns, homens e mulheres que realmente existem.

Não há glamour em ser uma pessoa normal, mas isso é retratar a realidade. Não há outro jeito de fazer isso. Logo, abrace seu personagem favorito e decida por si mesmo se ele é do bem ou do mal. Contudo, acredito que essa escolha não será tão simples quanto parece.

Escolha de elenco.

Esse é um ponto que não poderia deixar de citar. O elenco inteiro foi escolhido de forma brilhante. Vocês encontrarão um Richard um pouco diferente no visual, mas perfeito na interpretação de Fabrício Boliveira. Keira ganha a força, sensualidade e fragilidade necessárias por intermédio da linda atriz Samira Carvalho. Caju é a mesma figura que encontramos nos quadrinhos e isso é fruto da atuação competente de Wesley Guimarães. A ousadia e a força dos pescadores está idêntica ao que li nas HQ, o que acontece por causa dos ótimos Sérgio Laurentino e Pedro Wagner. Com participação rápida e bem feita, temos Romildo, o amigo que dá suporte a Caju, interpretado por  Bertho Filho.

Por último, mas não menos importante, temos Seu Ney, o icônico ex-sargento, militar por vocação e a representação ideal da insatisfação do brasileiro diante das falcatruas e jogadas desonestas. Seu Ney foi interpretado por José Dumont e é impressionante a similaridade física entre ele e a versão dos quadrinhos desenhada por Marcello Quintanilha, cuja função principal é trazer um alívio cômico (e uma boa dose de drama) à trama.

Mídias complementares.

Assim, sem fornecer spoilers dessa ótima trama, resta o lembrete de que Tungstênio estreia hoje, dia 21 de junho, em grande circuito nacional. Não perca essa ótima oportunidade de assistir uma produção nacional cheia de ação, emoção, drama e reviravoltas. Aproveite também para adquirir seu exemplar da graphic novel, pois as mídias se complementam e ampliam a experiência em ambas.

Não é à toa que essas obras são merecedoras de aplauso e respeito onde quer que estejam.

Um fim inesperado.

Assim como ocorre na vida (a real), o longa-metragem nos entrega um final realista, competente e absolutamente crível. Afinal, viver é uma contínua sucessão de surpresas. Podemos planejar tudo, porém nada impede que o destino nos pregue a peça e dissolva os planos que tínhamos.

Pré-estréia.

Estive na pré-estreia de Tungstênio que ocorreu no dia 18 de junho, no belo Estação Net Gávea. Lá, fomos recebidos com muito carinho pelo elenco (José Dumont, Fabrício Boliveira, Samira Carvalho, Wesley Guimarães e o diretor Heitor Dhalia) e representantes do Canal Brasil. Nesta ocasião tivemos a oportunidade de conversar com eles e ouvir as opiniões daqueles que deram vida a personagens tão complexos e interessantes. Abaixo, uma pequena amostra do que foi esse lindo evento que foi seguido de uma sessão do filme.

 

 

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