Resenha de “Visão”. O mais humano dos Vingadores em uma HQ polêmica

Muitos certamente têm uma mínima noção do que trata a história do monstro de Frankenstein. A narrativa criada por Mary Shelley ganhou o status de obra imortal por muitas qualidades e, entre elas, destaca-se a coragem de retratar uma característica humana que muitos temem: a vontade de ser Deus. Dar vida a algo é um desejo que nutrimos desde pequenos. Os brinquedos não têm vida, mas nós lhes damos voz e movimento. Nós concedemos a eles a vida.

Ao crescermos, essa vontade de ser Deus se amplia para algo mais sério. Quem não teve vontade de trazer de volta um parente ou uma pessoa amada que faleceu? Digam a verdade… se pudessem trazer alguém amado de volta à vida, vocês o fariam? Acredito que sim.

Na ficção essa “realidade” é fato há décadas e um dos mais recentes exemplos desse complexo de Frankenstein é a criação do Visão, um sintozoide que tem a inteligência superior à do humano mais inteligente. Para ser honesto, o Visão não é apenas uma Inteligência Artificial avançada; ele é o que há de melhor entre a máquina, o homem e a robótica. E é justamente a inclusão do elemento humano que pode levar esse ser artificial a dar problemas. Não há nada mais instável que o homem.

Com base na premissa acima, Tom King (roteiro), Gabriel Hernandez Walita (desenhos) e Jordie Bellaire (cores) criaram (alguém falou em brincar de ser Deus?) a impressionante HQ “Visão – Pouco Pior que um Homem”, lançada em fevereiro de 2018 no Brasil pela Panini. Esta trama é um verdadeiro debate sobre o uso da Inteligência Artificial, os limites para aquilo que o ser humano pode criar e, sobretudo, um questionamento acerca da gana do homem em se tornar algo cada vez mais próximo do Divino. Há uma abordagem também voltada à crítica sobre a inserção da essência humana em programas e/ou máquinas com I.A.. Isso poderia trazer problemas futuros?

Em resposta à pergunta feita, os autores nos entregam uma trama complexa, violenta e sombria sobre o herói que tem em sua essência o desejo de ser um homem. Ao fazermos uma analogia com o monstro de Frankenstein, podemos enxergar o drama de alguém que quer ser aceito entre nós, ainda que ele jamais possa realmente ser uma ser humano. Tudo que o Visão quer é se integrar a uma sociedade que não possui a capacidade de compreendê-lo. Complexo, não?

Com base nesse desejo de aceitação – e após um período muito ruim onde o herói perde sua mulher, a Feiticeira Escarlate – Tom King mostra a capacidade de criar algo melhor que o original. A versão do Visão de King é o auge de um personagem criado por Roy Thomas e John Buscema que se basearam em um Visão da década de 1940.

Na graphic novel “Visão – Pouco Pior que um Homem” não esperem por uma simples aventura de super heróis. Ao contrário, o que vocês verão é a criação da mais humana das histórias de uma “máquina”. Não há elementos de outras HQ da Marvel, pois o autor preferiu abordar o elemento emocional e psicológico a se dedicar aos já conhecidos conflitos cósmicos ou coisa similar.

Particularmente eu fiquei impressionado com a forma usada para mostrar os conflitos emocionais da família criada pelo Visão e, sobretudo, o processo de “transformação” do sintozoide em algo mais próximo – verdadeiramente – a um humano. O Visão buscou chegar o mais perto possível daquilo que ele compreende como humanidade e, como bem sabemos, não há nada de perfeito ou previsível em compor essa mesma humanidade. A fórmula usada para compor essa família não contava com pequenos erros que nem o mais poderoso dos computadores poderia prever, algo muito próximo ao “livre arbítrio” que Deus concedeu a Adão e Eva. Lembram do resultado?

 

Com tantos elementos inseridos em um fórmula instável, o ex-integrante dos Vingadores passa a lidar com situações que eram desconhecidas. Nada é possível prever e é com base nessa imprevisibilidade que o acompanhamos em uma jornada na qual ele terá que decidir entre a lógica e o sentimento. O leitor sofrerá com o protagonista e verá que mesmo para uma máquina, nada é fácil… principalmente quando essa máquina opta, assim como a maioria dos humanos, por defender sua família a qualquer custo.

Paixão, violência, medo, imprevisibilidade, erros e acertos são alguns dos pontos que o leitor verá em Visão – Pouco Pior que um Homem, uma fábula moderna que engloba mitos como o monstro de Frankenstein, a rebeldia de Adão e o medo que a série Matrix implantou no inconsciente da humanidade.

Obra absolutamente recomendada!

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