Resenha de Mitologia Nórdica. Deuses e lições que não podem ser esquecidos.

Atualmente somos muito influenciados pelas versões da Marvel dos deuses nórdicos. Odin, Thor, Heimdall, Jörmungund, Loki… todos estão fixados em nossas mentes pelos desenhos das HQ. Essas versões contêm apenas traços do que a verdadeira mitologia expressa.

Ciente disso, Neil Gaiman (responsável por Sandman, Morte, Deuses Americanos, Coraline, etc.) fez um estudo sobre a mitologia nórdica e nos trouxe uma compilação de suas leituras. O resultado recebeu no singelo nome de Mitologia Nórdica, obra que não tem a pretensão de ser algo definitivo sobre o tema, porém é um ponto de início capaz de provocar e aguçar a vontade pelo aprofundamento no assunto.

Mas há o mérito de uma narrativa cativante no livro. Neil transcreve lendas nórdicas com a mesma maestria de seus contos e romances. Por ser tão agradável e fácil de ler, o leitor se sentirá incentivado a prosseguir e isso, como já dito, o levará à busca por mais literaturas sobre o tema.

Divergências entre a Marvel e a mitologia original.

O Thor da Marvel (editora que massificou os deuses asgardianos), inicialmente é um cara soberbo, altivo e prepotente. Isso se dissipa com os anos. Hoje temos um heróis mais digno, leal e altruísta. O Thor mitológico é um glutão, bebe como ninguém e é dado a impulsos violentos. De feições brutas, rude e ruivo, ele tem prazer em matar os inimigos. O Thor dos primeiros filmes é um guerreiro soberbo e poderoso, porém ele cede à compaixão. Em Ragnarok, ele se aproxima mais do ser mitológico.

Loki é um dos mais próximos na Marvel daquilo que é mostrado nas narrativas lendárias. Ardiloso, traidor e o principal causador do Ragnarok. Loki é o pai de três criaturas fundamentais para o fim do mundo dos deuses, Asgard. Entre esses filhos estão Jörmungund, a serpente que circunda o mundo, Hel a responsável pelo reino dos mortos e, por fim, Fenrir, o lobo gigante.

Hel (Hela – acima à direita) e Fenrir são retratados no filme, contudo Hela não é caracterizada como na mitologia, já que o correto seria mostra-la com metade do corpo normal e a outra parte podre (ela foi provavemente a inspiração de Neil para a personagem Mazikeen, da série Lúcifer).

Odin, o Pai de todos, tem muito de suas peculiaridades mostradas no livro. Ele é um guerreiro, um ardiloso estrategista e tem um temor que é comum a quase todos os asgardianos: Fenrir. Ele buscou a sabedoria ao custo de um olho e também se sacrificou por nove dias com fome e sede preso a uma árvore.

Odin é retratado nos dias atuais quase idêntico ao mitológico, ainda que algumas nuances de sua personalidade não sejam exploradas. Ele está muito bem caracterizado em Deuses Americanos, também de autoria de Neil Gaiman. Uma das passagens de Odin mostra-o tentando beber da fonte de Mimir, seu tio. Essa passagem tem um trecho de muita sabedoria (que aliás era o que o deus nórdico buscava) que mostra Mimir em silencio diante do pedido de seus sobrinho, afinal “é raro cometer erros quando se está calado.”.

Odin e todos os outros deuses aturam Loki por conta de sua inteligência. Mesmo sendo responsável por incontáveis piadas de mau gosto, o deus da mentira é ardiloso e astuto, qualidades que muitas vezes livraram os deuses de contratempos.

Mjolnir, o martelo mágico de Thor, é um presente dos anões e fruto de um dos ardis de Loki, cujo resultado, oriundo da disputa entre dois grupos de anões, foi a entrega de seis magníficos presentes aos deuses, incluindo o cabelo de Sif, Mjolnir e os braceletes de Odin. O livro explica perfeitamente o motivo para o cabo pequeno de Mjolnir, além de detalhar a participação de Loki na forja de três dessas peças.

Há muito mais por trás de Mitologia Nórdica. Entre elas é preciso citar que veio de Odin, Vili e Ve a humanidade como a conhecemos. Tal como na Bíblia, esses seres mitológicos foram a Midgard (nosso planeta) e nada encontraram. Então, viram que era preciso vida nesse lugar. De posse de um freixo e um olmo, sopraram vida e moldaram dos troncos das árvores formas humanas. Surgiram um homem e uma mulher. O homem foi nomeado Ask (freixo) e a mulher chamaram de Embla (olmo). É preciso destacar que Ask e Embla, assim como Adão e Eva, são os pais de toda a humanidade.

A criação do mundos é fruto de uma morte. Um dos gigantes é morto por Odin e seus irmãos, e dele são retiradas partes que formam os vários reinos. A carne gera a terra, os ossos são a matéria para as pedras, o sangue se torna os rios e oceanos, ao passo que o cérebro vira nuvens.

Os nove mundos míticos são:

Asgard (lar dos deuses Aesir), Álfheim (onde vivem os elfos de luz), Nídavellir (lar dos anões), Midgard (nosso lar, terra dos humanos), Jötunheim (onde ficam os salões dos gigantes), Vanaheim (terra dos Vanir), Niflheim (o mundo escuro e de névoas), Muspell (o mundo das chamas) e Helheim (governado pela filha de Loki, Hel).

Aberrações que escondem boas lições.

                                                                   Odin ouve a cabeça de Mimir

Há muito a ser dito sobre a mitologia nórdica. Ela tem traços sombrios que são semelhantes a outras mitologias e religiões. Deuses se matam, há ganância, luxúria e traições. Também existem criaturas sombrias, diferentes e absurdamente estranhas, porém perfeitamente encaixadas na realidade dos deuses.

Odin, para citar, recebeu a cabeça de seu tio Mimir. Com poções e encantamentos, ele trouxe vida à cabeça e ela passou a ser uma fonte de conselhos para o Pai de Todos. Fenrir é um lobo gigante que fala e seria um grande aliado dos deuses, porém o medo e a desconfiança (além da profecia do Ragnarok) fizeram com que eles o traíssem e o aprisionassem. Outra passagem engraçada está em Thor fantasiado de mulher para conseguir novamente seu martelo Mjolnir.

Um dos deuses mais sábios era fruto da união das salivas dos Aesir e dos Vanir, Kvásir. Ele era tão sábio a ponto de ter sua atenção disputada pelos demais deuses. Essa sabedoria foi fruto de cobiça e lhe trouxe a traição e desgraça nos mais altos níveis.

Deuses morrem e retornam. Gigantes testam a força de Thor e são surpreendidos. Loki usa uma corda presa aos testículos para divertir os outros deuses… são muitas coisas estranhas e diferentes que compõem a mitologia dos deuses e monstros nórdicos, mas absolutamente interessantes.

Por que ler esse livro?

Conhecimento. Essa é a palavra por trás dessa e de outras mitologias. Conhecer as nuances de outra cultura é ampliar horizontes e ver que nossas histórias se conectam de uma forma ou de outra.

O Ragnarok dos deuses asgardianos é algo muito próximo ao Apocalipse cristão. Deuses nórdicos têm comportamentos similares aos dos humanos, incluindo suas tentações e fraquezas. Há política no convívio entre humanos, deuses, gigantes, anões e bestas. Há amor. Há, sobretudo, um universo que ganhou no século XX maior destaque graças aos quadrinhos da Marvel e de outras publicações. Assim, graças a essa ótima oportunidade e ao trabalho árduo de Neil para nos trazer essas histórias de forma mais acessível e prazerosa, hoje é possível conhecer mais sobre heróis e vilões que inspiraram outras culturas.

Mitologia Nórdica é um livro primoroso em sua escrita, conteúdo e acabamento. Uma obra para guardar na estante e na mente. Sobretudo, esse livro é apenas o começo para uma busca que não lhe custará um olho, mas trará muito mais sabedoria e conhecimento.

Parabéns aos editores da Intrínseca pelo primoroso trabalho!

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