O Destino de uma Nação

“Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos […],”

(Winston Churchill. Discurso na Câmara dos Comuns. 04.06.1940)

 

 

Como em regra acontece, o título em inglês – Darkest Hour – representa melhor a ideia do filme do diretor Joe Wright. A adaptação para o Brasil (uma vez que, em Portugal, a tradução “A Hora Mais Negra” foi mantida) utilizou um reducionismo indevido. Deveria seria, no caso dessa mudança, algo como “O Destino do Ocidente” ou, mais além, “O Destino da Humanidade”.

Em regra, a história é feita por todo um encadeamento de fatos difusos, que não permite especificar em que momento preciso se tomou este ou aquele caminho. É ainda mais difícil para quem vive esses fatos conseguir ter uma noção clara da importância futura das suas ações. Costumamos eleger momentos simbólicos e arbitrários para marcar essas mudanças. Assim se dá, por exemplo, com a queda da Bastilha, escolhida como o símbolo da revolução francesa.

O Destino de uma Nação, contudo, tem o seu foco em um pequeno período no qual se tem certeza que a história, como a conhecemos, foi definida. Poucos dias, em que decisões políticas tiveram como resultado o mundo no qual vivemos. Mais. A narração é centrada em uma pessoa que sabia da importância do seu papel e que previa as consequências dos seus atos.

Guardem esse dia – 10 de maio de 1940. Winston Churchill assume o cargo de primeiro ministro britânico. Era uma medida desesperada do Parlamento. Ele era considerado um político instável, volúvel e irascível, que jamais teria conseguido o cargo em outras circunstâncias. Havia transitado entre partidos adversários, liberal e conservador, e era marcado por operações militares malsucedidas, que custaram a vida de milhares de soldados na Primeira Guerra Mundial. A seu favor, o fato de ser carismático e ter sido uma das primeiras e mais combativas vozes contra o nazismo, ainda quando esse movimento político era bem visto por muitos setores dentro da própria Inglaterra.

Interpretar Churchill é sempre um desafio, quer por sua importância, quer por seus maneirismos, quer por sua imagem estar gravada no imaginário moderno, principalmente nos países anglo-saxões.

Gary Oldman apropria-se da imagem do velho líder, então com 65 anos, com técnica, esmero e credibilidade. Dá camadas ao personagem. Mostra as suas contradições e consegue compor uma personalidade ao mesmo tempo forte e indecisa, sem que isso cause estranheza ao espectador. A câmara passa centrada em Oldman durante quase todo o período projeção, sem que ele cometa falhas ou que isso se torne cansativo. O filme gira no entorno de Oldman e da sua capacidade de interpretação. É o favorito ao Óscar de melhor ator.

No filme, Churchill assume o cargo com a batalha no continente europeu praticamente perdida. Os nazistas marcham em direção a uma Paris desguarnecida. O exército francês está desmantelado e sem liderança. A Força Expedicionária Inglesa, que continha quase a integralidade do exército britânico, está acuada no litoral norte da França. Mais de trezentos mil soldados que poderiam, em questão de dias, ser chacinados ou capturados.

O Destino de uma Nação pode ser visto como um complemento de Dunkirk, que concorre com ele como melhor filme (abrindo um parêntese, Dunkirk, em seu conjunto, é muito superior). No primeiro, temos o foco em Churchill e nas manobras políticas que permitiram a continuidade da resistência inglesa. No segundo, acompanhamos o sofrimento dos milhares de soldados na praia, aguardando uma solução que lhes permita sobreviver.

Naqueles dias, o Império Britânico era o único que se mantinha na luta contra a Alemanha e ainda tinha recursos para, ao menos, se defender. Vigorava o acordo de paz de Hitler com Stálin. Os Estados Unidos eram neutros. Os demais países europeus tinham sido conquistados, estavam em vias de ser conquistados ou eram aliados dos nazistas (havia, também, alguns neutros, como a Suíça e a Espanha).

Assim, caso a Inglaterra capitulasse ou fizesse alguma espécie de acordo com os nazistas, a guerra continental terminaria para a Alemanha. A Europa seria dela e Hitler poderia voltar todos os seus recursos contra a União Soviética. Ou seja, o resultado da guerra seria outro.

  O filme tem uma excelente caracterização de época e dados históricos precisos. A maioria das cenas, no entanto, se dá em ambiente fechado, o que lhe concede um ar teatral. A fotografia, mesmo neste campo fechado, é um destaque que lhe valeu uma das suas seis indicações ao Óscar (melhor filme, ator, fotografia, design de produção, maquiagem e cabelo e figurino). Não espere ver ação. A tensão, aqui, se dá em um nível mais profundo, menos aparente.

O Destino de uma Nação, em conclusão, é um excelente filme histórico, com uma impecável interpretação de Gary Oldman e que transmite de forma fidedigna o drama por trás de algumas das difíceis decisões que fizeram você falar português e não alemão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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