Munique, de Robert Harris

Imagine que o mundo ainda está traumatizado com a “Grande Guerra” (hoje conhecida como Primeira Guerra mundial). Ela tinha ocorrido há apenas vinte anos. Entre 14 e 15 milhões de pessoas morreram. Mais de sete milhões estavam incapazes. Outros 15 milhões ficaram feridos. Na Grande Guerra, os mapas da Europa e parte da Ásia foram redesenhados. O homem moderno finalmente teve um encontro com a sua capacidade de destruição.

Chamberlain (terceiro da esquerda para direita), Mussolini, Hitler e Daladier.

É neste momento crucial da história que se passa Munique, [Editora Alfaguara, 2017], livro de Robert Harris. O romance estende-se por apenas quatro dias, de 27 a 30 de setembro de 1938. A Alemanha havia renascido econômica e militarmente. Anexara a Áustria ao seu território, sem disparar um tiro. Agora, exigia grande parte do território da Tchecoslováquia, sob o argumento de que nela moravam alemães reprimidos pelo governo Tcheco. Hitler havia dado um ultimato de 24 horas e mobilizado o seu exército. Estava formada a Crise dos Sudetos.

Rússia e França tinham pactos de auxílio mútuo com a Tchecoslováquia. A Inglaterra tinha o mesmo pacto com a França. O mundo via-se à beira do precipício de uma nova guerra em escala mundial. Neville Chamberlain, então primeiro-ministro dos ingleses, tinha o firme propósito de evitá-la. E, em uma manobra diplomática, consegue marcar uma cúpula de emergência para discutir a Crise. Ela acaba se realizando na cidade de Munique, com a participação dele, de Hitler, de  Mussolini e do primieiro-ministro francês, Édouard Deladier.

Chamberlain e Hitler

O livro tem dois protagonistas. Hugh Legat é um dos secretários de Chamberlain. Um funcionário público de baixo escalão, mas em ascensão, que fala alemão fluentemente. Tem um casamento com problemas. Estudou em Oxford, onde se tornou amigo de Paul von Hartmann. Paul, o outro eixo narrativo, trabalha no Ministério do Exterior Alemão, sendo encarregado de traduzir as mensagens recebidas e enviadas por Ribbentrop, Ministro do Exterior. Paul integra uma incipiente e desorganizada oposição ao regime nazista, que tenta tirar o “cabo” do poder. Para isso, desejam que os demais países declarem guerra à Alemanha. Acreditam que, for dado o comando de invasão à Tchecoslováquia, o exército alemão deporá Hitler.

A principal qualidade do livro também é o seu principal defeito: a reconstrução histórica. Mesmo leitores que conheçam o desdobramento da Crise nos Sudetos, serão impressionados com a quantidade de detalhes e a ambientação realizada por Harris. Os procedimentos internos de cada governo, tanto dos escalões inferiores quanto superiores, são esmiuçados. Todos os locais, eventos e são cronologia são descritos com detalhes. Recursos tecnológicos, empecilhos burocráticos, personalidades… Tudo está ali, em suas mínimas partes. Chamberlain, Hitler e Ribbentrop renascem de forma vívida e crível, frutos da larga pesquisa realizada pelo escritor.

Este pano de fundo, no entanto, não permanece ao fundo. Em muitos momentos, a ambientação histórica sobrepõe-se à própria trama. Harris, um bom escritor, deixa ver que o jogo de espionagem que se desenvolve entre os amigos Legat e Hartmann é apenas uma desculpa para narrar os eventos da Crise. Os dois tem o desenvolvimento mínimo suficiente para gerar alguma simpatia do leitor.

Winston Churchill e Neville Chamberlain

O verdadeiro tema do livro é a figura de Chamberlain. Alguns historiadores o retratam como um fraco. Outros como um pacifista, que postergou a guerra pelo ano necessário para a Inglaterra poder suportá-la. Não há como deixar de lembrar, aqui, uma das melhores e mais ácidas frases de Churchill, dirigidas ao então Primeiro-Ministro: “entre a desonra e a guerra, escolhestes a desonra, e terás a guerra”.

O clima de tensão somente ganha ritmo nas últimas cem páginas do livro e restringe-se a saber o que ocorrerá com os dois protagonistas. Assim, caso você esteja procurando um suspense com ritmo intenso ou um romance histórico com feitos heroicos, Munique não é o seu livro. Agora, se você espera um romance histórico sólido, sobre o período imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial, conhecer um pouco de Neville Chamberlain e de Hitler e ainda ter como bônus uma trama de espionagem bem construída, este é o seu livro.

 

 

Chamberlain discursa com a declaração de intenções obtida em Munique: “paz para o nosso tempo”.

 

 

 

 

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